Morreu às 2h40min desta terça-feira, 24 de dezembro, aos 97 anos, no hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, o ex-governador e ex-prefeito da capital gaúcha, Alceu de Deus Collares (PDT). Ele estava internado há oito dias, após o agravamento de um quadro respiratório. O velório e as últimas homenagens ao líder pedetista ocorrerão nesta quarta-feira, 25 de dezembro, no Palácio Piratini. A cerimônia acontecerá das 11h às 16h e será aberta ao público. O sepultamento, no final do dia, será no cemitério Jardim da Paz.
Portador de enfisema pulmonar, o ex-governador havia apresentado falta de ar na segunda-feira da semana passada, 16, quando foi levado pela esposa, Neuza Canabarro, ao hospital. Cumprido o isolamento protocolar inicial, foi transferido para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI) na terça-feira, 17, onde permanecia sob sedação leve.
Até o domingo, 22, seu quadro clínico inspirava cuidados, mas era estável. Na madrugada de domingo para segunda-feira, contudo, a situação piorou. O quadro seguiu se agravando durante todo o dia. A tal ponto que o hospital optou por divulgar um segundo boletim médico no início da noite da segunda-feira, 23. Desde o sábado, estavam sendo divulgados boletins pela manhã, e a cada 24 horas. A morte foi confirmada em um último boletim, divulgado às 6h34min da manhã desta terça-feira, 24.
Alceu Collares tinha enfisema pulmonar há aproximadamente oito anos. A condição é crônica, e reduz a capacidade respiratória. Recentemente, em novembro, o líder pedetista tratou ainda de uma pneumonia. Mesmo após o período de recuperação, seguiu com algumas dificuldades. Ele também era portador de outras comorbidades.
No decorrer da trajetória política, além de governador e prefeito, foi também vereador e cinco vezes deputado federal. Viveu em uma época de efervescência no País e pautou sua atuação na defesa de direitos trabalhistas e no destaque para a área da educação, bandeira histórica do trabalhismo ao qual teve a vida política vinculada. Na carreira, e principalmente à frente dos mandatos executivos, criou e também enfrentou polêmicas. A oratória era uma de suas características marcantes, acompanhada pelo vozeirão e pelo sorriso largo, que fácil se transformava em gargalhada sonora.
Alceu de Deus Collares entra para a história como uma das mais importantes lideranças do PDT gaúcho. Em 70 anos de trajetória política, alcançou destaque nacional a partir dos anos 60, e se manteve em atividade até há poucos anos. No Rio Grande do Sul era considerado um dos herdeiros políticos, e o de maior estatura, do “velho trabalhismo” de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola.
Collares nasceu em Bagé, em 7 de setembro de 1927. Antes de se formar em Direito, em Porto Alegre, em 1958, trabalhou como distribuidor de jornais e quitandeiro. Também foi telegrafista e professor. Ainda durante a graduação, filiou-se ao PTB. E, em 1962, foi eleito vereador na capital gaúcha pela primeira vez.
Três anos depois, já durante o regime militar, e com a implementação do bipartidarismo determinada pelo regime, passou a integrar a sigla de oposição, o MDB. Pelo partido, se reelegeu vereador em 1968 e deputado federal pela primeira vez em 1970, com mais de 120 mil votos, sendo o mais votado da legenda no Rio Grande do Sul para a Câmara dos Deputados naquele ano. Em 1974 se reelegeu, de novo como o mais votado do MDB gaúcho. Em 1978 conquistou o terceiro mandato de deputado federal.
Na Câmara, se mobilizou pelo retorno das eleições diretas para a Presidência da República e pautou sua atuação pela defesa dos direitos trabalhistas, como mudança nos critérios de fixação do salário-mínimo, liberdade sindical, reformulação do direito de greve, instituição do seguro-desemprego e participação de trabalhadores nos lucros das empresas.
Com a extinção do bipartidarismo, em 1979, se aglutinou aos políticos liderados por Brizola para a reorganização do PTB. O grupo acabou perdendo a legenda para Ivete Vargas, e fundou então o PDT, em 1980. Para Collares, um dos fundadores, coube o posto de líder do PDT na Câmara.
Em 1982, nas primeiras eleições para o governo do Rio Grande do Sul dentro do período de redemocratização, concorreu pelo PDT, ficando em terceiro lugar. O pleito foi vencido pelo candidato da situação, Jair Soares, do PDS. Em 1985, disputou a prefeitura de Porto Alegre e venceu a eleição. Anunciou como prioridades a educação e o compromisso com uma administração democrática. Com o País tomado pela efervescência política, fez forte oposição ao governo do presidente José Sarney (PMDB), intensificou a campanha por eleições diretas para a presidência e a candidatura de Leonel Brizola.
Nos anos seguintes, enfrentou desgastes em sua administração, com denúncias de não cumprimento das promessas de campanha. Durante o mandato, contudo, inaugurou a primeira etapa da urbanização da orla do Guaíba e duas dezenas de Centros Integrados de Educação Municipal (Ciems), que ofereciam educação integral e múltiplos atendimentos aos alunos. Não conseguiu fazer o sucessor. Uma greve devastadora dos garis da prefeitura, que soterrou a capital gaúcha no lixo acumulado nas ruas, liquidou as chances do então deputado estadual Carlos Araújo, candidato do PDT, ficou em terceiro lugar no pleito, vencido pelo petista Olívio Dutra. Araújo não era o candidato preferido de Brizola e foi boicotado pela administração de Collares. A chefia da campanha dele ficou com sua mulher, Dilma Rousseff, ex-desastrada secretária da Fazenda do governo de Collares na prefeitura.
Em 1990, Collares concorreu novamente ao governo do Estado, em uma frente que reuniu PDT, PSDB e PCdoB. Durante a campanha, enfrentou novas denúncias sobre sua administração na prefeitura da Capital, que acirraram a disputa, mas venceu a eleição. Ao assumir, no ano seguinte, seguiu o movimento liderado por Brizola, então em segundo mandato como governador do Rio de Janeiro, de aproximação com o presidente eleito, Fernando Collor de Mello (PRN). Em conjunto com os governadores do Paraná e de Santa Catarina, Collares anunciou o que seriam as bases de um entendimento nacional, sendo as principais o aumento do salário-mínimo, a renegociação das dívidas dos governos estaduais e as reformas constitucional e tributária.
A aproximação se diluiu com o processo de impeachment de Collor, em 1992, mas já havia gerado forte desgaste tanto para Brizola como para Collares. Durante o governo de Itamar Franco (PRN), Collares seguiu defendendo um pacto entre as forças políticas nacionais e pleiteando alteração na proporção, por região, das bancadas na Câmara Federal, de forma a melhorar a distribuição de recursos para o Sul e o Sudeste. Na campanha para o plebiscito de 1993, criticou a decisão do PDT de fechar questão em prol do presidencialismo. Apesar de se intitular parlamentarista, acabou recuando de sua posição, declarando que o País não estava preparado para a adoção do sistema.
No comando do Executivo gaúcho, criou os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) e promoveu uma reforma administrativa. Na educação, implantou nas escolas públicas estaduais o sistema de calendário rotativo, com três períodos diferentes de ano letivo. A exemplo do que havia feito na prefeitura, inaugurou 74 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), voltados para o atendimento de estudantes de baixa renda do Ensino Fundamental, com horário integral e oferta de lazer e atendimento múltiplo de saúde. A gestão financeira do Estado só se sustentou porque o secretário da Fazenda “inventou” o Caixa Único no Tesouro Estadual, passando a se apropriar das receitas das empresas estatais.
Ainda em 1993, anunciou sua pretensão de se candidatar ao Senado no ano seguinte. Uma série de denúncias sobre seu governo, contudo, acabou por inviabilizar o movimento. Trazidas a público por um empresário, as acusações apontavam a existência de uma rede de corrupção e tráfico de influência que envolvia, além do cunhado de Collares e irmão da primeira-dama e secretária de Educação, Neuza Canabarro, integrantes do primeiro escalão.
Em outubro daquele ano, a Assembleia Legislativa criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias. Na CPI surgiu a informação de que conselheiros do Daer cobrariam propina por concessões em novas linhas de ônibus e autorizações de reajuste das tarifas. Collares foi acusado de ter conhecimento das irregularidades. O governador rebateu que estava sendo vítima de uma farsa, mas acabou anunciando sua desistência ao Senado.
O recuo não estancou a crise, que seguiu se agravando, com o surgimento de novos depoimentos e informações envolvendo cada vez mais setores do governo. Collares começou a enfrentar oposição de deputados do próprio partido. Somava-se a tudo uma sucessão de polêmicas na condução da secretaria de Educação.
Com o agravamento da situação, o vice-governador João Gilberto (PSDB) renunciou ao cargo de secretário de Ciência e Tecnologia, que também ocupava. Collares rompeu com o PSDB e o PCdoB, que haviam apoiado a instalação da CPI, anunciou a demissão de todos os tucanos que estavam em cargos em comissão no governo e sugeriu que João Gilberto deixasse também a função de vice.
A crise teve reflexos diretos sobre a eleição seguinte, e o pedetista não conseguiu fazer o sucessor. O candidato do PDT, Sereno Chaise, ficou em quarto lugar na disputa pelo Piratini em 1994. No segundo turno, Collares se posicionou contra o apoio de seu partido ao PT, que seguia na corrida contra o PMDB. O último venceu o pleito.
Em 1998, quatro anos após deixar o comando do Rio Grande do Sul, o pedetista se elegeu ao quarto mandato para deputado federal. Em 2000, se candidatou novamente a prefeito, mas perdeu no segundo turno para Tarso Genro (PT). Em 2002, se reelegeu para a Câmara dos Deputados. No pleito de 2006, tentou de novo o governo do Estado, mas ficou em quinto lugar, com pouco mais de 200 mil votos. Foi a última vez que concorreu a um mandato eletivo. Continuou, porém, exercendo influência política nos anos seguintes.
Em 2008 foi nomeado para o conselho de administração da usina hidrelétrica de Itaipu Binacional, em pleno governo petista, cargo que ocupou até 2016. Nas eleições estaduais de 2010, contrariou a posição de seu partido, que tinha o vice na chapa encabeçada por José Fogaça (PMDB) ao governo do Estado, e apoiou abertamente a candidatura de Tarso Genro (PT). O petista venceu no primeiro turno.
O apoio não se restringiu a Tarso. Collares trabalhou ostensivamente e participou de atos de campanha da então candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, com quem mantinha relação estreita. Dilma, com longa trajetória no PDT antes de migrar para o PT, integrou o secretariado de Collares quando ele foi prefeito e governador.
Em 2013, Collares tentou lançar uma chapa para disputar a presidência nacional do PDT, mas não obteve apoio. Em 2014, foi contra a participação de sua sigla no governo de José Ivo Sartori (MDB), mas o partido acabou por integrar a administração do emedebista. Em 2018, uma ala do PDT ensaiou lançar seu nome para a corrida ao Senado, mas ele não aceitou, destacando os problemas de saúde. Em 2020, declarou apoio à candidatura de Manuela D’Ávila (PCdoB) no segundo turno da eleição para a prefeitura de Porto Alegre. Ela perdeu para Sebastião Melo (MDB).
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