A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal que anule o acordo firmado entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobras que resultaria na criação de uma fundação privada que seria gerida por procuradores. Raquel Dodge também pediu que o Supremo declare nula a decisão da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal em Curitiba, que homologou o acordo entre o Ministério Público Federal e a Petrobras. A Procuradoria-Geral da República ajuizou no STF nesta terça-feira (12) uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) distribuída para relatoria do ministro Alexandre de Moraes. "A decisão que homologou, em sua quase integralidade, o Acordo de Assunção de Compromissos celebrado entre o Ministério Público Federal e a empresa Petrobras padece de vício de inconstitucionalidade, pois a forma de homologação, constituição e execução da avença afronta a Constituição Federal por descumprir preceitos fundamentais do ordenamento jurídico pátrio", escreveu Raquel Dodge. Ela citou, entre os preceitos afrontados, "a separação dos poderes e das funções do Estado, a constitucionalidade, a legalidade, a independência e a impessoalidade, que devem pautar as ações dos membros do Ministério Público".
Quanto ao acordo propriamente dito, assinado entre o Ministério Público Federal e a Petrobras, Raquel Dodge afirmou que suas cláusulas "deixam bastante evidente o protagonismo de determinados membros da instituição, singularmente os que integram a Força-Tarefa Lava Jato Curitiba" "Basta verificar que aqueles membros assumiram compromissos administrativos e financeiros pelo Ministério Público Federal, falando pela própria instituição sem poderes para tanto, de conduzir todas as etapas do processo destinado à constituição de uma fundação de direito privado [...], ficando responsável por todos os meios destinados à constituição dessa fundação, que terá sede em Curitiba; atuar na constituição de um Comitê de Curadoria Social [...]; ter a prerrogativa de ocupar assento no órgão de deliberação superior da fundação mantenedora; e exercer a atividade de fiscalização de todas as obrigações assumidas pela Petrobras".
Para Raquel Dodge, os procuradores que assinaram o acordo extrapolaram suas atribuições constitucionais e legais e violaram preceitos básicos da instituição, como os de representar interesses sociais relevantes, defender os interesses públicos e os princípios fundamentais da democracia. "Não é possível que órgão do Ministério Público Federal, em decorrência do exercício de suas atribuições funcionais, possa desempenhar atividades de gestão de recursos financeiros de instituição privada, nem definir onde serão aplicados, muitos menos ter à sua disposição um orçamento bilionário", afirmou. Segundo Raquel Dodge, o acordo entre a Petrobras e as autoridades dos Estados Unidos não estabelece que o Ministério Público Federal seja o gestor dos recursos. "Ainda que houvesse uma cláusula nesse sentido, ela não poderia ser aplicada, por ferir preceito fundamental do ordenamento constitucional que trata do limite funcional da atuação dos membros do Ministério Público", escreveu.
O compromisso firmado entre a Lava Jato e a Petrobras visa à aplicação, no Brasil, de parte dos recursos que a estatal se comprometeu a pagar em um acordo firmado com autoridades americanas para compensar perdas de acionistas minoritários com os esquemas de corrupção revelados a partir de 2014. Ações judiciais e de arbitragem contra a companhia petrolífera estão em curso nos Estados Unidos. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a SEC (órgão regulador do mercado de capitais americano) concordaram em abater até 80% da multa aplicada à Petrobras (que totaliza US$ 853,2 milhões ou R$ 3,28 bilhões) se o dinheiro fosse usado para recompor danos à sociedade brasileira. A solução encontrada pela Petrobras, em negociação com a Lava Jato, foi a criação de uma fundação de direito privado com funcionamento inicial previsto para o meio de 2020. Essa entidade serviria para financiar projetos de combate e prevenção à corrupção. O Ministério Público Federal sustentou que seu papel é apenas de indutor ao dar os primeiros passos para criar a fundação. Argumentou que a gestão da entidade não será sua, mas de representantes da sociedade civil. Para críticos da iniciativa, o órgão quis se valer de um subterfúgio para receber valores não previstos no orçamento.
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