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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Advogada negra Vera Lucia dos Santos sofre abuso de autoridade e é presa por juíza leiga e algemada pela polícia no Rio de Janeiro


A advogada negra Valéria Lúcia dos Santos foi o centro das atenções de um ato de desagravo, nesta segunda-feira, em frente ao Fórum de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que contou com a presença de dezenas de pessoas, inclusive do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia. Valéria Lucia dos Santos foi detida e algemada no último dia 10, dentro do fórum, durante uma audiência, a pedido de uma juíza leiga. A cena foi gravada e causou indignação por todo o País. A manifestação atraiu advogados e militantes defensores das causas raciais e dos direitos das mulheres, na tarde desta segunda-feira (17). Embora o ato tenha sido pacífico desde o início, o fórum teve as portas fechadas, o que deixou os advogados ainda mais inconformados. Lamachia criticou o ambiente de extremismo em que o País vive e disse que a OAB investigará o fato. “Este caso terá vários desdobramentos, na corregedoria estadual, no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e no âmbito da OAB. Porque a colega, juíza leiga, que determinou que Valéria fosse algemada, é uma advogada. Portanto, a sua ação também será examinada sob o prisma ético-disciplinar. Mas o que mais fica deste momento é se nós estamos agindo bem com esta linha de extremismos, de intolerância e de violência, que vimos esta colega sofrer”, disse Lamachia. Segundo ele, o fato atentou contra o próprio Estado Democrático de Direito: “Algemar uma advogada, dentro de uma sala de audiência, no exercício de sua profissão, é algo inaceitável, sob qualquer aspecto. O meu sentimento é que, naquele momento, a democracia brasileira foi algemada”. 


Apesar do trauma que o fato lhe deixou, com exposição de imagens compartilhadas por todo o País, Valéria Lúcia dos Santos disse que sua atitude será a de conversar com a juíza leiga que determinou a ordem de lhe colocar algemas. “Eu me sinto muito acolhida, tanto pela OAB quanto pela sociedade civil. Sobre minha colega (juíza leiga), nós duas temos que sentar e conversar. Não é jogar pedra. Para a gente evoluir como pessoa. A gente não pode se dividir, temos de nos unir. Não importa a cor da pele. O que eu quero é que nunca mais isto aconteça. Nunca mais”, disse Valéria Lúcia dos Santos. A advogada relatou que, no momento em que foi algemada, se sentiu muito mal e ofendida em sua dignidade. “Eu me senti muito ferida. Depois fui para casa e chorei sozinha. Me feriram, mas eu não fui vencida. Olha o que mobilizou o País. O Brasil respondeu. A gente precisa construir um país melhor para os nossos netos”, disse ela. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que comanda o sistema de Justiça estadual do qual faz parte o Fórum de Duque de Caxias, se limitou a dizer em nota que os fatos estão sendo apurados: “Em relação aos fatos ocorridos na audiência na semana passada, os fatos estão sendo apurados. O TJ vai se manifestar na conclusão da apuração”. 

Três vídeos que circularam pelas redes sociais fizeram o caso de Valéria Lúcia dos Santos se tornar conhecido em todo o País. No primeiro deles, a advogada está sentada na sala de audiência ao lado de sua cliente e diz à juíza leiga Ethel de Vasconcelos que só vai se retirar quando chegar o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no 3º Juizado Especial Cível, em Duque de Caxias, onde ocorria a audiência. Neste mesmo vídeo, a juíza rebate que a audiência já havia terminado e que ela deveria esperar do lado de fora. Valéria Lúcia dos Santos mantém sua posição e a juíza afirma que vai chamar a polícia. Em outro vídeo, Valéria Lúcia dos Santos está de pé e questiona a decisão de expulsá-la da sala. Ela reivindica que tem o direito a “ler a contestação e impugnar os pontos da contestação do réu”. “Isso está na lei. Não estou falando nada absurdo”, fundamenta ela.


Nesse vídeo, já aparece o primeiro policial militar, que afirma que “se ela tiver que sair, ela vai sair”. Valéria Lúcia dos Santos questiona que a juíza está atropelando a lei e rebate reclamações de colegas que aguardam suas audiências: “Depois vocês querem reclamar de político que rouba, que faz tudo errado. Se vocês, que são advogados, não estão respeitando a lei”.

Em um terceiro vídeo, Valéria Lúcia dos Santos está sentada no chão, algemada por policiais militares. A advogada repete que está trabalhando e que tem direito a isso, como mulher e negra: “Eu quero exercer meu direito de trabalho. É o meu direito”. As imagens causaram indignação entre advogados e levaram a seccional fluminense da OAB a pedir punição máxima para os policiais e a juíza leiga. Também a pedido da OAB, a audiência foi tornada sem efeito, e será realizada novamente nesta terça-feira (18), desta vez sob a condução do juiz titular Luiz Alfredo Carvalho Júnior.

Valéria explicou porque questionou a decisão da juíza leiga. “Era um dia normal de audiência, a causa era sobre uma cobrança indevida. Como não houve acordo, eu teria que ver a contestação da ré, algo simples. A juíza negou esse pedido, então saí em busca de um delegado de prerrogativas da OAB”, conta ela. No retorno, Valéria Lucia dos Santos disse que se deparou com a audiência encerrada: “Por isso, minha resistência para não sair da sala, para que o delegado visse as violações que estavam ocorrendo. É meu direito como advogada impugnar documentos. A juíza chamou a força policial, e me mantive na resistência, nas prerrogativas profissionais”. 

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