segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Página anônima no Facebook faz denúncia de assédio na Medicina da UFRGS, mas só revela mi-mi-mi e pressão descabida contra professores-médicos

Página "fake", que não tem responsáveis, é anônima, um crime, conforme a Constituição brasileira
O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, publicou na última quinta-feira, uma matéria sobre supostas reclamações de estudantes de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com também supostos relatos de assédio moral sofrido por eles durante o curso, supostas perseguições e supostos pensamentos suicidas. Para começo de conversa, é preciso ressaltar que o Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é o melhor do Estado e um dos melhores do País, se não for mesmo o melhor do Brasil. Seu exame vestibular é disputadíssimo e o mais exigente entre todos os cursos. Nada falta ali para a melhor formação profissional do estudante de Medicina. Para começo de conversa, os alunos da Mediciana da UFRGS têm um um hospital inteiro somente para eles. Trata-se do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um dos poucos hospitais-escola sustentados não pelo Ministério da Saúde, mas pelo Ministério da Educação. O atendimento neste hospital é totalmente dedicado ao SUS. Clique no link abaixo para ouvir a opinião de Videversus, pelo jornalista Vitor Vieira.


A matéria do jornal Zero Hora, assinada pela jornalista Larissa Roso, baseia-se inteiramente no material completamente anônimo publicado por uma página no Facebook, chamada "Previamente Hígido". E a matéria de Zero Hora abre dizendo que a página no Facebook apresenta supostos "desabafos dramáticos sobre distúrbios emocionais, ideação e tentativas de suicídio, além de assédio moral e má conduta por parte de professores". Em nenhum momento da matéria é apresentada uma fonte segura, original, responsável pela página no Facebook. O editor de Videversus, jornalista Vitor Vieira, consultou essa página e não encontrou nenhum responsável identificável por ela. No entanto, Zero Hora dá toda legitimidade para a tal página e seus relatos. Pouco interessou a Zero Hora e à jornalista o fato de que a tal página é recentissima, tudo indica que foi criada no mês de julho. E os depoimentos constantes da página são: 1) anônimos; 2) publicados quase sequencialmente; 3) todos têm o mesmo estilo, como se tivessem sido redigidos pela mesma pessoa (aliás, com texto bem razoável, a denotar que são escritos por alguém que tem razoável domínio do português, talvez um jornalista.

Resumindo, parece que a página foi criada especificamente para dar motivação a matéria jornalística na grande imprensa, por veículo da grande imprensa nacional, e a partir conseguir introduzir a questão no mundo acadêmico do Rio Grande do Sul.

A UFRGS é criticável em muitos aspectos. Videversus a critica impiedosamente, mostrando que é um antro do petismo e além disso mãe da fraude na produção de teses, de mestrado e doutorado, como ficou demonstrado no caso da fraude da tese de Gilberto Kmohan, que teve como orientador o professor-doutor jornalista Sérgio Caparelli. A tese foi cassada em última instância, no Conselho Universitário, mas nunca a Reitoria da UFRGS se interessou em fazer uma denúncia criminal no caso.

Essa ideologia criminosa do comuno-petismo penetrou também no Curso de Medicina. Nas aulas de Medicina Social da UFRGS, os alunos são obrigados a ver o abominável filme do cineasta documentarista americano Michael Moore, sobre o sistema de saúde americano. As mentiras enunciadas por esse tipo são apresentadas como verdades incontestáveis. 

Para começar, o Curso de Medicina da UFRGS é o único curso que se manteve imune à reforma universitária de 1968, comandada pelo coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Educação. Um dos pilares dessa reforma foi eliminar o sistema anterior do ensino brasileiro, o das turmas. O aluno começava o curso com uma turma e ia com ela até a formatura. Isto permitia a formação de fortes laços entre os estudantes e posteriores, entre os profissionais formados na Universidade. Os militares queriam extinguir isso. Na época, a ordem religiosa dos Jesuítas, interessada em ter a titulação de universidade para suas faculdades e seus cursos universitários, ofereceu-se ao regime militar para colocar em teste o sistema novo, de créditos universitários. Isso é o que vigora até hoje no ensino universitário brasileiro. 

Mas, não é assim no Curso de Medicina. Este curso reúne os melhores estudantes originários das escolas públicas e privadas do Brasil. São os alunos acostumados desde crianças aos princípios da disciplina, da hierarquia, do respeito e obediência aos professores, do hábito de muito estudo. O curso é efetivamente muito exigente. O editor de Videversus conhece de perto o percurso pessoal de muitos desses estudantes.

Medicina não é um curso para mi-mi-mi. Ali os estudantes aprendem a lidar com a vida, a salvar vidas, a reconhecer a doença em seus vários aspectos e restaurar a saúde nos pacientes. Suas decisões, na maior parte das vezes, e para todo o resto da vida, exigem capacidade de discernimento e decisão, muitissimas vezes instantâneas, o tempo que separa a vida da morte. Professores médicos não transferem seus conhecimentos e experiência com o objetivo de fazer amizades com os alunos, serem reconhecidos por sua afabilidade ou coisas do gênero. Professores médicos têm mesmo que exigir dos seus alunos até mesmo além do limite do que esses estudantes pensem que possam dar.

É óbvio que situações excepcionais ocorrem. É óbvio que algum aluno não consegue resistir à pressão, à cobrança por resultados. O caminho para esse aluno, no limite, é a porta da rua. O Curso de Medicina da UFRGS, absolutamente gratuito, é pago por todos nós, cidadãos. Não queremos fracos e incapacitados como médicos, que consigam suas titulações com benevolência.

Atribuir a cobrança forte de professores a máscara de assédio moral é de uma cretinice sem limites. Se o professor cronometra a avaliação de um paciente por um estudante é porque isso tem sentido, muitas vezes o médico, em sua atividade profissional, terá que fazer avaliações quase instantâneas e agir no mesmo instante. Quem conhece uma emergência hospitalar sabe disso.

O editor de Videversus, na noite deste domingo, tentou contato com algum responsável pela página "Previamente Hígido". A conversação foi a seguinte:

- Quem é o(a) administrador(a) desta página?
- Olá, Vitor. Somos um grupo de moderadores. No que podemos te ajudar?
- Quero saber o nome de vocês, porque, como jornalista que sou, que está escrevendo o assunto, preciso de fonte identificável.
- A página é moderada por um grupo anônimo de estudantes. Não temos interesse em divulgar a identidade dos moderadores ou dos autores dos relatos veiculados nesta página.
- Vocês levantam denúncias muito sérias, até capituláveis como crime, não podem se esconder no anonimato, o que caracterizaria crime da parte de vocês.
- Deixaremos de responde-lo pois esta conversa não está acrescentando para o desenvolvimento da página. Boa noite.
- Boa noite.

Em abril de 1970, os cinemas do Brasil projetaram o filme "Mash", do diretor Robert Altman. Ele conta uma história que se desenvolveu em 1951, quando os capitães "Hawkeye" Pierce e "Duke" Forrest chegam em um jipe roubado à 4077ª Unidade Médica Cirúrgica Móvel do Exército (sigla "MASH" em inglês) para servirem como médicos cirurgiões convocados. Ambos são excelentes médicos mas completamente rebeldes e subversivos em relação aos regulamentos e comportamentos do Exército. Imediatamente eles antipatizam com Frank Burns, fanático religioso e cirurgião limitado. Eles tentam pressionar o comandante do lugar, Tenente-coronel Henry Blake, a removê-lo. Pouco depois eles requisitam um especialista torácico e quem chega é o Capitão "Trapper" John McIntyre, com o mesmo comportamento indisciplinado dos outros dois. Outro oficial recém-chegado é a enfermeira-chefe Major Margaret O'Houlihan, uma oficial de carreira e mulher reprimida que não gosta do jeito que os médicos tratam Burns e também se torna alvo da antipatia deles. A narrativa vai se desenvolvendo episodicamente: o padre Mulcahy conta a Hawkeye sobre um problema do dentista Walt Waldowski que, investigando depois, descobre que foi causado por ele falhar sexualmente pela primeira vez com uma mulher, o que o fez entrar em depressão achando que era homossexu; Trapper é chamado para ir a Kokura, no Japão, para operar um filho de congressista e leva Hawkeye como assistente e os dois entram em conflito com o arrogante comandante do hospital, Coronel Wallace Merrill; e, no clímax do filme, uma partida de futebol americano da 4077 MASH contra o time do General Hammond, quando novamente se acerta uma vultosa aposta. Não querendo perder, Hawkeye chama para o time o neurocirurgião e ex-profissional "Spearchucker" Jones (Dr. Oliver Harmon Jones) mas não sabe que os adversários também contam com seu atleta ex-profissional. Na sequência final, Hawkeye e Duke recebem ordens para voltarem para casa - e deixam a unidade no mesmo jipe roubado em que chegaram.

Em vez de ficarem vendo a porcaria de Michael Moore, os estudantes mi-mi-mi da Medina da UFRGS, que não aguentam pressão, deveriam rever o filme Mash. O filme é uma caricaturização da atuação da Medicina em um ambiente de guerra. Aliás, em um País como o Brasil, que vive em um clima de guerra civil, com recorde de 63 mil assassinatos por ano, como atestam as emergências dos grandes hospitais brasileiros, não há mesmo espaço para mi-mi-ni nos Cursos de Medicina. 

Veja a matéria publica por Zero Hora na última quinta-feira:

Alunos de Medicina da UFRGS relatam tentativas de suicídio e casos de assédio moral
Página Previamente Hígido, no Facebook, traz depoimentos anônimos sobre distúrbios emocionais dos estudantes e má conduta de professores 
09/08/2018 - 09h28minAtualizada em 09/08/2018 - 17h04min

LARISSA ROSO


Desabafos dramáticos sobre distúrbios emocionais, ideação e tentativas de suicídio, além de assédio moral e má conduta por parte de professores, estão surgindo na página do Facebook Previamente Hígido, criada por estudantes da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no mês passado. Os relatos são anônimos, indicando apenas o sexo e a idade de quem submete seu depoimento. A iniciativa foi de alunos do curso, alarmados com a quantidade de casos de colegas doentes e em sofrimento – há também testemunhos de médicos formados – e desgostosos com práticas que consideram arbitrárias, para que expusessem suas vivências, "questões essas muitas vezes negligenciadas pela faculdade", segundo o texto de apresentação. 

Na véspera de uma prova final, quando uma colega falava sobre estudar, tive uma crise feia de ansiedade, pela simples menção de estudar mais. Eu estava esgotada e fui para casa decidida a me matar. Ainda não entendo como, mas consegui sair do estado entorpecido e lutar contra isso. Em 2016, na transição entre o terceiro e quarto semestre, eu também me sentia esgotada, e naquela ocasião de fato tentei suicídio", conta uma jovem de 23 anos em um dos posts. 

Em outro texto, uma médica de 25 anos cita um episódio em que "o professor era desrespeitoso com as pacientes, sendo irônico com a falta de orientação delas (muitas vezes fazia piadas sem que elas percebessem) ou sendo desrespeitoso com nós estudantes enquanto atendíamos o paciente". Ela acrescenta que, em certa ocasião, aproveitando que o professor perguntara sobre como estava o estágio, comentou que era possível aprender mais e ter mais vontade de estudar quando ele era respeitoso com alunos e pacientes. "O professor mudou as feições, me tratou diferente e achou um absurdo minha queixa, como se ele nunca tivesse feito isso, como se eu tivesse inventando essa história de desrespeito ou fosse uma mentira deslavada. Ele riu da minha cara e disse: 'Onde já se viu um soldado falar para um general (fez uma voz fininha e continuou debochando): 'Por favor, seu general, me trate com mais respeito?' E continuou rindo e mostrando para os meus colegas o quanto eu era ridícula", continua a médica. 

Lúcia Maria Kliemann, diretora da Famed, classificou os relatos como "chocantes" e alegou desconhecer esses fatos. O nome da página ("hígido" é sinônimo de "sadio"), que já soma mais de 800 curtidas, faz referência a um jargão da profissão, utilizado para descrever o paciente em exame que estava bem até então – e também cabe para definir, conforme explicam os moderadores, o estado dos alunos antes de ingressar no concorrido curso de Medicina. A ideia dos idealizadores é chamar a atenção de professores e da direção da instituição e prestar auxílio a quem pedir orientação, encaminhando os alunos para o atendimento de profissionais especializados. "Se necessário, não hesite em contactar o CVV (Centro de Valorização da Vida) através do telefone 188. O centro presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. A ligação é gratuita!", informa a página. 

– Não posso dizer que algum relato me surpreendeu. É sempre chocante, claro, mas a gente sabia que isso acontecia e que a situação estava nesse nível. De tentativas de suicídio, tem vários relatos, eu já sabia. Isso está acontecendo. Os professores falam que na época deles não era assim. Várias coisas chegam à Comgrad (Comissão de Graduação), mas não vemos um movimento para mudar, para nos dar mais apoio – afirma uma das criadoras do Previamente Hígido, de 23 anos, que não quis se identificar temendo represálias. – Tivemos muitas reuniões com a Comgrad. Numa delas, falaram coisas absurdas: "Se os alunos de Medicina não aguentam uma prova, o que vocês vão aguentar?". De um médico, ouvimos: "A faculdade não provoca problemas psicológicos".

Professora da Famed e preceptora da residência médica em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Simone Hauck é muito procurada por graduandos com problemas. Na sua época de estudante, relembra, ocorriam casos semelhantes aos narrados hoje, mas que acabavam não vindo à tona. Hoje em dia, Simone acredita que as situações ganham mais visibilidade e que há estressores novos, como o baixo nível socioeconômico de alguns alunos – em decorrência do sistema de cotas, turmas antes repletas de filhos de famílias de grande poder aquisitivo se tornaram mais heterogêneas. Ela ressalta ainda outras características que tornam a graduação médica tão desafiadora, do ingresso à conclusão. 

– O modelo é, muitas vezes, autoritário, tem uma competição absurda, a cultura é de que você tem que sobreviver a qualquer custo. A carga horária do curso de Medicina é muito maior, a demanda de trabalho é muito maior, e o contato com doença e morte é muito difícil. Dizer para uma mãe que o filho morreu, dizer que uma doença é terminal... Sofrer ou adoecer durante essa trajetória é esperado. São pessoas. Faz parte da formação médica – comenta Simone. – Isso talvez torne alguns professores mais frios. Não é que os professores sejam vilões, eles também são vítimas, lidam com uma carga alta. Não acho que alguém que maltrate um aluno ostensivamente esteja bem. Temos que desenvolver uma couraça, mas uma couraça saudável. Não tenho que me anestesiar para o sofrimento, mas desenvolver algo maduro e saudável que ajude a auxiliar o paciente – acrescenta. 

Para buscar respostas e descobrir maneiras de tornar o ambiente e os semestres menos sacrificantes, Simone deu início, recentemente, à coleta de dados para um estudo que envolve cerca de 15 pesquisadores e pretende englobar todos os alunos da Famed ao longo de pelo menos seis anos. Os resultados devem ser apresentados à comunidade docente e discente periodicamente, para que se possa pensar sobre a realidade e possíveis soluções. 

– Uma aluna me falou: "Será que não é verdade que a gente é fraco?". Não acho que eles são mais fracos, acho que eles talvez sejam mais fortes. Eles não aceitarem algumas coisas tem um lado positivo, é resultado de uma mudança na sociedade. Os alunos têm menos vergonha de pedir ajuda – analisa Simone. – Queremos nos aprofundar muito, entender as pessoas, o que faz o aluno adoecer, o que o faz ir em direção a uma identidade profissional saudável. Queremos entender o fenômeno e desenvolver intervenções que possam ser aproveitadas em outras instituições.

A página do Facebook "Previamente Higido" diz em sua apresentação na capa:

"Mais de um quarto dos estudantes de medicina sofre de depressão ou tem sintomas da doença, e mais de um em cada 10 estudantes referem ter tido ideação suicida durante a faculdade; esse índice é superior ao da população de mesma faixa etária que não é estudante. No entanto, apenas a minoria dos estudantes cujos resultados dos testes indicaram depressão procurou ajuda." Medscape. O Previamente Hígido foi criado para dar a chance aos alunos de medicina da UFRGS de exporem suas vivências no curso que afetam/afetaram sua saúde mental, questões essas muitas vezes negligenciadas pela faculdade. Queremos ouvir histórias, para que todos possam ter a chance de desabafar; queremos compartilhar histórias, para que outros possam ver que não estão sozinhos. Se necessário, não hesite em contactar o CVV (Centro de Valorização da Vida) através do telefone 188. O centro presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. A ligação é gratuita!"

E abaixo alguns dos supostos depoimentos de estudantes de Medicina da UFRGS, tudo anônimo e seu possibilidade de qualquer verificação, porque "os" responsáveis pela página "Previamente Higido" negam-se a se revelar e aos seus depoentes: (note o estilo absolutamente idêntico de todos os supostos depoimentos);

PACIENTE 19
Estudante de medicina, 25 anos, feminino.
Descobri que tinha depressão no cursinho pré-vestibular. Mas eu achava que a cura viria com a aprovação, pois atribuía a razão do meu sofrimento a fato de estar estudando muito pra passar. No primeiro ano de curso, a doença tomou conta da minha vida. Eu me sentia muito inferior a todos, culpada por tudo, insuficiente e incapaz de desempenhar as funções de acadêmica. O ambiente me passava a sensação que eu só seria boa o suficiente pra estar ali caso fosse excepcionalmente inteligente e conseguisse me sair bem em todas as milhares de tarefas que eu tinha de cumprir. Então a ideação suicida veio. Eu passava o dia todo na aula e à noite planejada uma forma de me matar. Logo, eu sabia como e quando me suicidaria. Um professor percebeu que eu não estava bem e ofereceu apoio. Foi fundamental na época, pois ele de fato me ajudou. No entanto, em pouco tempo a ajuda se tornou assédio. E ele abusou de mim. Fiquei calada e não dividi com ninguém o que aconteceu. Comecei a consumir álcool e drogas. Tornei-me uma zumbi dentro da universidade. Ia para as aulas apenas de corpo, pois a mente estava totalmente perdida em meio ao sofrimento. Somente no terceiro ano de curso eu comecei a me recuperar com a ajuda de outro professor. Passei a frequentar psicóloga e psiquiatra e estou no último ano do curso ainda utilizando antidepressivos.  Além disso, o que mais me ajudou foi desenvolver atividades que estivessem fora do ambiente acadêmico. Elas me trazem de volta à realidade e me fazem perceber que sou plenamente capaz de fazer o que eu quiser fazer. O curso te faz pensar que você só será um bom médico se for um acadêmico 100% engajado, que faz cursos, publica artigos, participa de ligas, faz monitoria, tira 10 em tudo, vira madrugadas... E causa muito sofrimento perceber-se fora desse padrão. Desligar-me dessas cobranças e recobrar a minha saúde mental me ensinou que uma diploma não vale a minha vida.

PACIENTE 18
Médico, 31 anos, masculino.
Durante toda a faculdade presenciei um ambiente extremamente homofóbico e repressor, não apenas por professores mas por colegas também. Piadinhas com pacientes afeminados e a perpetuação de humor de gosto duvidoso. Durante a faculdade sucumbi à depressão; a dificuldade e o estresse (comum a todos) aliados a necessidade de esconder minha própria natureza me levaram a buscar ajuda. Fiz terapia e usei antidepressivos por todo o curso. Em um dos estágios como acadêmico na ginecologia foi onde sofri o maior assédio moral da minha vida: um professor nos ameaçava na frente das pacientes, além de sempre usar de ironia e sarcasmo para responder aos alunos. Ele também fazia ameças ao pé do ouvido enquanto se fazia o exame especular na paciente "se tu errar, está fora hein!"
Fico feliz que esta página exista hoje mas muito me entristece que as práticas da minha época ainda persistam. Força!

PACIENTE 17
Estudante de medicina, 21 anos, feminina.
Passei por um estágio em que o professor responsável era extremamente inconveniente e machista. Ouvi comentários dele desde o primeiro dia perguntando se eu realmente sabia fazer uma anamnese e exame físico, se tinha conseguido fazer evolução do paciente, falou para a turma que ele não sabia se eu conseguiria fazer o trabalho para a cadeira, em uma das aulas falou “senta do meu ladinho”, perguntou se eu sabia tirar mancha de jaleco. Nunca pensei que seria tão desrespeitada escancaradamente por um professor na faculdade. Não tinha vontade de ir às aulas, me sentia muito triste e revoltada com a situação mas tinha medo de falar alguma coisa e ser prejudicada pelo professor. É um estágio que ficou marcado e nunca vou querer voltar. Conversei com amigos próximos, com minha psicóloga que me deram apoio e me incentivaram a falar com alguém da faculdade para tomar uma atitude. Felizmente o responsável pela cadeira foi muito solicito comigo e me explicou o que eu poderia fazer e disse que tomaria providências. Quero pedir que quem sofra ou veja qualquer ato parecido com esse FALE e procure alguém para ajudar. Não podemos sofrer caladas e deixar que atos como esses se perpetuem na faculdade.

PACIENTE 16
Residente de medicina, 25 anos, feminina.
Descobri a depressão na faculdade, tive muitos problemas para me "encaixar" com os colegas. Depois de formada me alistei no exército achando que seria o melhor ambiente do mundo com justiça e respeito porém não foi nada do que vivi lá. Como na época eu fazia uso irregular dos antidepressivos e parei com a terapia fiquei muito mal durante o ano em que realizei o trabalho militar tentei me desligar mas não consegui. Em seguida, entrei na residência que eu tanto queria e nas primeiras semanas tive a pior experiência da minha vida. Os R2 , R1 e doutorandos riam de mim diariamente, debochavam durante o round, me ignoravam, me tratavam com desprezo... No refeitório o R2 da MEI me chamava para comer na mesa que os outros residentes e ele fazia com q todos ficassem rindo de mim. Eu não sei explicar... a vivência ali era massacrante. Fiquei desesperada e perdi o controle... tentei suicídio mas não tive êxito. Procurei o NARE do HCPA e comecei terapia e medicações regularmente. Retornei pra residencia e tentei procurar apoio com meus preceptores. Consegui continuar aquele periodo devido a ajuda minha R1 que sofria comigo e era meu apoio. Quando entrei realmente pra minha especialidade a pressão não foi muito diferente. O preceptor me humilhava, era arrogante e me tratava com desprezo como se eu por ser residente não tinha nenhum valor. Pensei em desistir mas continuei...  Tenho desprezo por muitos ali mas hoje tento só olhar as coisas boas. Estou bem, tomando antidepressivo mas sem necessidade de terapia.

PACIENTE 15
Estudante de medicina, 21 anos, feminina
Não sinto que possa usar o termo "previamente hígida" para me definir com exatidão. Já na adolescência, tive um diagnóstico psiquiátrico sombrio e uma relação compulsiva com maconha e álcool. Depois de ter o tratamento encaixado, porém, consegui me restabelecer, reduzir o uso das drogas e encarar o cursinho com bastante equilíbrio emocional. No entanto, assim que conquistei a tão sonhada vaga e me vi diante de um universo tão estressante e exigente, senti que seria um grande desafio manter a estabilidade. Mas consegui. No primeiro e segundo semestres, apesar da frustração de perceber que havia desprendido tanto esforço para ter aulas tão desinteressantes, me mantive bem.
Foi no terceiro semestre que a coisa começou a desandar. É quase unanimidade entre os colegas que esse é um dos semestres mais cansativos da faculdade. Não conseguia encontrar sentido naquilo que havia se tornado o curso e, consequentemente, não conseguia encontrar sentido para a minha existência. Penso que conclusões semelhantes a essa possam ser bastante comuns, uma vez que o curso acaba ocupando tanto espaço em nossas vidas que as vezes acaba se tornando a nossa vida. A maconha voltou a ser a válvula de escape, sendo que passei a fazer um uso ainda mais intenso do que antes e quase que diário. Só que em algum momento dessa história, a maconha deixou de ser suficiente pra preencher o vazio e comecei a usar outras drogas mais nocivas. Cada vez mais, percebia que estava perdendo o controle da situação, mas não sabia muito bem o que fazer a respeito. A vida pessoal começou a desandar também fora da faculdade e tudo foi virando uma grande bola de neve. Quando me deparei com uma intensa depressão, que me impedia de levantar da cama, busquei ajuda. Formei uma rede de suporte com a família, amigos, psicólogo e psiquiatra. Passei a tomar remédios psiquiátricos dos mais variados espectros, mas que me ajudaram a conseguir pensar com mais tranquilidade. Com esse apoio, vi que a mudança é possível. Encarei a sobriedade com coragem e estou conseguindo mantê-la, embora saiba que essa luta talvez não termine tão cedo. Poderia me perguntar o por quê de ainda estar no curso, mas simplesmente não consigo vislumbrar a possibilidade de sair. Acho que ainda acredito na beleza dessa carreira que escolhi. Um dia de cada vez, restruturo minhas forças, restabeleço minhas conexões, rencontro meu amor-próprio. Ainda não reencontrei a alegria de viver, mas penso estar caminhando pra isso. Não faço ideia de como vou estar amanhã, mas sei que, se não tivesse procurado ajuda, estaria muito pior.

PACIENTE 14
Estudante de medicina, 22 anos, masculino.
Desde o início do quarto semestre, a cadeira de semiologia foi uma mistura de sentimentos para mim. Por um lado, sentia-me feliz por ter me despedido do ciclo básico, ter mais contato com pacientes e aprender coisas mais práticas. Por outro lado, sentia-me ansioso pela forma como a cadeira corria, por alguns professores com atitudes questionáveis, por medo da famosa prova teórica que não cobra o conteúdo ensinado (quando ensinado), entre outros. Mas no fim, ocorreu tudo certo. Consegui ir bem nos módulos e considerei que realmente aprendi o que a cadeira visava. Até que saiu a lista da prova prática e vi meu nome relacionado com um professor já famoso por sua avaliação bastante polêmica (o mesmo relatado pela paciente 4). Após isso, senti diversos dos sintomas de TAG voltando. Tenho o diagnóstico desde 2010 e, com muita terapia, aprendi a lidar bem com isso - até entrar na faculdade e vivenciar diversos gatilhos. Fui atrás de informações sobre o tal professor e só ouvi coisas péssimas, principalmente em relação a forma como ele contava o tempo. Como o tempo nunca foi um problema pra mim e minha preceptora disse que estava tudo certo com minha anamnese e exame físico, tentei ficar tranquilo e encarar a prova. No dia da prova, ocorreu tudo bem e consegui realizar tudo o que é pedido, recebendo um tapa nas costas e um "é isso aí" no final dela. Ao receber a nota, tirei exatamente a média, achando estranho por ter justamente realizado tudo dentro do tempo e tendo me autoavaliado positivamente. Solicitei para ver a prova e nela estava escrito: "prova e relatório "aparentemente" muito bons", entre outras coisas. Ao questionar isso, ouvi que o professor está na faculdade há anos, foi preceptor de diversos outros professores e sabe o que faz. Falando com outros colegas, ouvi que ele sempre faz avaliações injustas, tentando prejudicar os alunos, e que possui diversos preconceitos, dentre eles a homofobia. Se foi um caso de homofobia, não posso ter certeza e nem tenho como provar. Mas conhecendo o histórico de diversos professores do curso, não duvido disso. Por um tempo, me senti um péssimo aluno, já que algo que considerei ter feito muito bem foi tão mal visto por um professor e cheguei a pensar que me tornaria um péssimo médico. Hoje, penso que se para ser um bom médico preciso seguir exemplos de professores assim, prefiro ser um péssimo médico mesmo. A faculdade está adorando levantar a bandeira da saúde mental dos estudantes, mas, na verdade, sempre vai defender os professores e não se importar com os alunos. Afinal, "se um estudante de medicina não aguenta isso, quem mais vai aguentar?".

PACIENTE 13
Estudante de Medicina, 22 anos, masculino.
No início do semestre, que era dito por muitos como o mais difícil e estressante da faculdade, minha mãe descobriu, por acaso, um câncer de pulmão. Embora, aos olhos dos médicos, fosse uma doença inicial, não é difícil imaginar o estado de ansiedade que fiquei após receber a notícia. Ela ficou internada para agilizar os exames pré-operatórios e realizar a cirurgia o mais breve possível. Quando fiquei sabendo que a cirurgia ocorreria no mesmo dia de uma prova de módulo, mandei um e-mail para um professor. No corpo do e-mail, expliquei a situação, mas nem tive a ousadia de pedir para trocar a data da prova. Perguntei: “o que poderíamos fazer para que eu não seja tão prejudicado?”. Acreditei que, daquela forma, poderíamos pensar juntos em uma solução para o meu caso. Como resposta, - embora reconhecesse a gravidade da situação - o professor enviou: “todos têm problemas”. Se, porventura, eu não fosse fazer a prova teria que fazer a recuperação no final do semestre, não poderia realizar a prova junto a outros grupos. Pensei: todos têm dias ruins. Talvez ele estivesse passando por um desses dias. Acatei a decisão. Fiz a prova. Passei. A cirurgia foi transferida. Talvez por acaso, talvez não, a nova data da cirurgia era dia de prova, também. Decidi que iria fazê-la. A cirurgia foi longa e, quando comecei a prova, ainda não tinha notícias sobre o procedimento. Passei na prova. A cirurgia foi bem-sucedida.

PACIENTE 12
Estudante de medicina, 22 anos, feminina. 
Ano passado, depois de lidar diariamente com crises de pânico, comecei a fazer acompanhamento psiquiátrico e terapia. Que bom que eu tava em tratamento quando tive pensamentos suicidas, porque a batalha interna que é encontrar motivos para permanecer é muito difícil, difícil ao ponto de levantar no meio da noite procurando um bisturi para cortar o pescoço. Que bom que eu não achei. Que bom que depois disso conversei com a minha família e com a minha psiquiatra, se não fossem eles eu provavelmente não estaria mais aqui. Esse mês faz um ano que fiquei internada quase um mês por ideação suicida. Felizmente estou cada vez melhor graças ao acompanhamento psiquiátrico. Não esperem atingir o limite para procurar ajuda, e por mais difícil que seja, converse com alguém. 

PACIENTE 11
Estudante de medicina, 21 anos, feminina
A coisa mais bizarra que eu já senti, no meio desse semestre, foi a falta de vontade de ver pacientes. Eu, que me considero uma pessoa com vocação pra profissão, desde criança querendo ser médica para poder fazer alguma coisa pelas pessoas que eu me sentia incapaz de ajudar, sempre movida pela vontade de fazer alguma diferença nesse mundo. Logo eu, não queria mais ver pacientes durante o semestre. Será que eu escolhi a profissão errada? Mas e o por quê disso? Ah, acredito que tenha usado a justificativa de que precisava estudar, e, portanto, o paciente estaria "tirando" o meu tempo. Mas a questão é: não estaria eu estudando justamente pra poder atender da melhor maneira possível os pacientes? Então por que simplesmente não me sinto disposta a ver eles? Por que é mais importante ter uma cadeira teórica enfatizando como a medicina precisa ser humanizada, mas, ao mesmo tempo, nos cortando um tempo valioso para a prática em si? Mas ok, acredito que realmente nem todas as pessoas entendam que a medicina precisa ser humanizada (pessoas essas que nem deveriam estar fazendo o curso), então tudo bem, eu acho. Mas e essa cadeira não dura todas as tardes dos dias da semana, o que temos no restante, pra me deixar tão cansada? Bom, no restante temos uma cadeira que acha mais importante aprendermos tabelas de excel ao invés de entendermos mais profundamente o funcionamento do SUS durante todo o semestre; outra que ao invés de farmacologia está mais preocupada em ensinar algo que já nos foi ensinado, que é a epidemiologia, discutindo NNT de artigos durante 3 ou 4 horas, um tempo enorme de "aula", sem ter um resquício de aula sequer, portanto, mais uma matéria pra estudar por conta própria, porque a "aula" não vale, e a chamada, claro, sempre está lá. Ah e a clínica, como esquecer? Estágios, em sua maioria bons, mas, é claro, o estudo individual é muito importante, para podermos aprender as coisas essenciais e fazer a prova de cada estágio. Hummmm quase ia esquecendo, importante decorar todos os detalhes (já que as questões, muitas vezes, não condizem com o que foi nos dado em aula, e não são bem revisadas) para uma prova final juntando todos os 7 estágios do semestre, prova essa que tem o poder de nos reprovar! Ah, mas podia ser pior né? Podia mesmo, com essa prova geral de 70 questões sendo em um aplicativo ONLINE, porque "em Harvard é assim, se acostumem". E a UFRGS, por acaso, pode ser comparada a Harvard? "Mas esses não são motivos o suficiente pra eu deixar de ver pacientes, sou uma pessoa horrível" eu penso. Compartilho minha experiência com colegas, e vejo que não sou a única a me sentir assim, esgotada. Mas alguns professores continuam dizendo que "medicina é assim mesmo, é muito difícil; que ninguém nunca ficou doente fazendo medicina, que bobagem; se vcs não aguentam, não deveriam estar aqui; só roda quem não estuda" etc. Bom, então estar sem vontade de ver pacientes é normal? ou nenhum de nós, dessa turma, deveríamos estar aqui? No final, estamos mal, e a única coisa que nos faz continuar são os pacientes, os mesmos que ficamos sem vontade de ver. O pedaço de papel das provas e trabalhos vão nos fazer passar de semestre, mas espero que, no fim, não deixem passar também nossa essência, a capacidade de empatia e conexão com as pessoas, a vontade de conviver com os pacientes e fazer alguma diferença na vida deles, que nos levou a escolher a medicina como curso.

PACIENTE 10
Estudante de medicina, 23 anos, feminina. 
Durante o 7º semestre da faculdade, pensei várias vezes em trancar o curso. Trancar a matrícula porque não teria coragem pra desistir. Sempre tinha sido meu sonho fazer medicina. Mas foi muito difícil perceber quão doente a faculdade me deixava e ainda mais difícil lidar com esse fato. Levei 7 semestres para procurar ajuda especializada. Sempre tentei conversar com os colegas, mas não conseguia encontrar correspondência nos outros. Parecia que meu sofrimento não cabia naquele espaço. Querer tirar um tempo para si? Não estudar todos os dias? Não gostar de aulas teóricas em auditórios lotados? Não querer ir naquele congresso? Isso não era normal na minha turma, todos sempre pareciam estar lidando bem com a carga horária e os ambulatórios e as iniciações científicas e academia e vida social e MEU DEUS COMO ISSO? Sempre parecia que os outros estavam à minha frente e eu estava para trás por falta de vontade própria, por pedalação. Levei 1 ano na terapia pra conseguir enxergar que todo esse sofrimento não é normal, e que as pessoas sofrem caladas e não admitem que a faculdade dos sonhos não era o que a gente esperava, não admitem que a gente se decepciona MUITO durante o curso com o próprio curso, com os professores, com os colegas. Agora, como doutoranda, to tentando resgatar o amor que eu tinha pela medicina quando a medicina era só uma ideia distante, um sonho do futuro. Tá difícil conseguir isso quando a faculdade te deixou tão doente. Mas páginas como essa me dão esperança que a gente tem poder pra mudar isso. Eu quero mudar.

PACIENTE 9
Do meio da faculdade em diante me vi preso a uma relação de amizade abusiva ao qual eu não conseguia me afastar, em um grupo aonde as pessoas me humilhavam, dizendo que eu rebaixaria a avaliação do grupo. Como desfecho, tentei trocar de grupo de e não consegui. Pois, as turmas já estavam muito fechadas. Só fui conseguir trocar de grupo no internato, depois de estar completamente desequilibrado e ter brigado violentamente com meu amigo e pessoas da família dele. A troca foi realizada via direção da faculdade visto que eu estava me expondo absurdamente já. Ao trocar de grupo, os colegas antigos ficaram rindo da minha cara, fazendo insinuações de que eu estaria brincando de baleia azul. Inclusive li indiretas no WhatsApp do pessoal que estava fazendo o optativo conosco, dizendo que de tão perdido quero eu era, sumi. Precisei tomar antidepressivo e estabilizadores de humor nesse período, além de gastar o que eu não tinha com psicóloga. Essas pessoas que maltratam colegas, amanhã serão médicas

PACIENTE 8
Estudante de medicina, 23 anos, feminina.
Na última semana desse semestre aconteceu, mais uma vez, o que eu mais temia. Tenho depressão e transtorno de ansiedade generalizado diagnosticados há dois anos. Na véspera de uma prova final, quando uma colega falava sobre estudar, tive uma crise feia de ansiedade, pela simples menção de estudar mais. Eu estava esgotada e fui para casa decidida a me matar. Ainda não entendo como, mas consegui sair do estado entorpecido que estava e lutar contra isso. Ao invés de ligar para meu médico para que todas as providências necessárias fossem tomadas, eu fiquei em casa estudando para a prova da manhã seguinte. Ela parecia mais importante do que a minha própria vida. É um pensamento que agora me soa bizarro, mas ele traduz, também, o quão pesado fora o semestre. Para mim, viver isso foi particularmente apavorante. Em 2016, na transição entre o terceiro e quarto semestre, eu também me sentia esgotada, e naquela ocasião de fato tentei suicídio. Não existem palavras capazes de expressar o quão devastador isso foi na minha vida. Eu me prometi, desde então, que jamais voltaria a esse lugar. Porém, não somente o revisitei, eu o identifiquei e ainda assim fui leviana, priorizando uma prova. Lembro que na hora, pensava que não sobreviveria ao sexto semestre se precisasse refazê-lo.

PACIENTE 7
Estudante de Medicina, 23 anos, feminina
Sempre fui ansiosa. Achava relativamente normal, até bonito, vida atarefada, responsabilidades, virar madrugadas pra dar conta de tudo. Durante 4 anos sobrevivi a picos insanos de ansiedade em que a única saída era dormir. Não conseguia ler 1 mísero parágrafo, a cabeça zunia de tantos pensamentos e elocubrações e preocupações, só dormir fazia passar. Esperava sexta-feira pra tomar Miosan e “tirar o atraso” e a petritude dos trapézios.  As doenças psiquiátricas costumam ter gatilhos, são doenças afinal, não “frescuras” ou males espirituais. E o meu foi a chegada do internato: crise de pânico, uma sensação terrivelmente horrível de um medo infundado e inexplicável junto à sensação de que vais “desplugar” da Terra e perder o contato com a realidade. Demorou uns bons 3 dias pra passar e às custas da insistência do meu namorado fui ao psiquiatra. Por que não fui antes? Por quê, ora? Teria me poupado de pelo menos uns 10 anos de angústia! A questão é que eu não via. Não via que estava doente; a gente não vê: não consegue sair do ‘loop’ sozinho. Eu tenho TAG e só vi o quanto estava mal depois que comecei a me medicar: foi como tirar com a mão. Perder saúde não é relativamente normal, não é bonito. Engatilhar pessoas à doenças com rotinas humanamente impossíveis de suportar é no mínimo negligência social.

PACIENTE 6
Estudante de medicina, 22 anos, feminina.
Por que eu não estou tranquila depois de ter conseguido finalizar esse semestre? Por que não fiquei feliz com meu "A" naquela disciplina? Eu passei, mas metade da minha turma ainda não. Estudei sim, e muito. Não tive tempo suficiente pra conversar de verdade com meus amigos durante 5 meses. Todos eles estudaram, e muito... Mas agora a maioria não está comemorando. Recebo elogios, parabéns pelo desempenho... E daí? E meus colegas? Quando tento falar sobre eles, que estão doentes, ouço de um professor que "estudante de medicina tem que ter psicológico pra essas coisas". Já está muito claro: a gente não tem.

PACIENTE 5
Estudante de medicina, 26 anos, feminina. 
O que era para ser um dos estágios mais humanos da faculdade transformou-se em medo e ansiedade. Um professor que exigia inúmeras consultas por turno, uma ambiente mais hostil do que o habitual, numa vila carente em que a cada dia surgiam novas histórias de homicídios. Foi nesse estágio que perdi meu sono, chegava em casa com taquicardia, broncoespasmo, e tentava dormir pensando no caminho que precisaria fazer até aquele lugar no dia seguinte. Tentava estudar, mas o conteúdo só aumentava, não conseguia mais me organizar, nem me concentrar. Naquela época, pensei até em asma... Iniciei medicação, mas sem efeito. Aquela agonia aumentava. Foi aí que encontrei no CELG a ajudava que precisava. Iniciei o uso de ansiolíticos... 

PACIENTE 4
Estudante de medicina, 21 anos, feminina. 
Um professor me fez chorar durante uma prova.
Foi a prova de semiologia que é sem dúvida um momento tenso para muitas pessoas, mas para mim não foi só tenso, foi traumatizante. Acontece que durante o semestre, ele havia substituído outro professor e nesse dia se mostrou extremamente intransigente e até mesmo contrário a como a dita prova é avaliada (ele achava que 30 minutos eram suficientes). Esse professor é famoso por começar a cronometrar o tempo no meio do corredor, de forma que os alunos saem correndo até o leito do paciente. Desde o momento em que eu descobri que seria ele a aplicar minha prova, eu me mudei para o hospital, passei 4 a 5 horas entrevistando paciente, tive ajuda de uma monitora muito prestativa para me mostrar onde poderia melhorar. Quando o dia chegou o que eu esperava acontecer era entrevistar, e fazer exame físico, um paciente escolhido por um monitor da cadeira em 50 minutos. Quando encontrei o professor, ele me informou que havia pessoalmente escolhido um paciente para que eu entrevistasse. Me mantive calma e confiante do treinamento que eu fiz. Iniciei a entrevista, o paciente era comunicativo e bem objetivo, o sonho de qualquer aluno fazendo prova da semiologia, mas o problema foi que ele estava tomando altas doses de furosemida, então precisava urinar em pequenos intervalos de tempo. A primeira vez que o paciente precisou usar o papagaio foi logo antes da revisão de sistemas. Pedimos licença, fechamos a cortina do leito e eu olhei para o professor esperando ele parar o cronômetro. Ele apenas olhou para mim e disse que eu precisava lidar com esse tipo de situação no meu dia-a-dia. Voltei a entrevista, bem abalada com a dedução daqueles preciosos minutos. A segunda vez que o paciente precisou fazer uma pausa, não estava nem na metade do exame físico. Novamente olhei suplicante para o professor, ele disse que 50 minutos era todo o tempo que eu tinha. Eu já estava com os olhos cheios de lágrimas, tremendo o corpo todo e suplicando para ele não fazer aquilo comigo. Ele não se importou. Terminei o exame físico, agradeci o paciente pelo tempo dele e fui recolher meu material. O professor saiu do quarto. A capinha do meu esfigmo tinha sumido, procurei por ela. Quando olho para o corredor o professor está me olhando impaciente. Digo para o paciente que volto depois para pegar minha capinha e vou conversar com o professor. Quando me aproximei, ele disse que eu havia excedido o tempo. Eu, incrédula, perguntei como, já que havia feito tudo dentro do tempo, apesar dos percalços. Ele disse que minha avaliação ia ser prejudicada, porque eu não sabia lidar com o tempo que eu tinha. Eu sei que pra muita gente pode ser irrelevante o que eu estou escrevendo aqui, mas na hora eu não me contive. Entrei em prantos. Ele continuou falando sobre a minha prova. Usei técnicas de entrevista. Fiz exame físico completo. Não sabia lidar com tempo. Nesse meio tempo eu soluçava de chorar no meio do corretor do sétimo andar. Quando ele acabou de falar da minha prova me perguntou porque motivo eu estava chorando. Contei pra ele o que para mim já parecia óbvio, mas ele não se sensibilizou. Se despediu e eu fiquei chorando no meio do corredor. Alguns veteranos me viram naquela situação e vieram me consolar. Me contaram que no semestre deles foi a mesma coisa, que eu não era nem a primeira e nem seria a última aluna em prantos após a dita prova com o dito professor. Decidi ligar para a regente para falar sobre a situação. Ela me escuta, diz para eu parar de chorar. Caso eu fique abaixo da média, refaria minha prova com ela. Eu não precisei refazer a prova e acredito até hoje que foi para não se incomodarem que me deram uma nota boa. O problema é toda vez que eu lembro disso eu choro, é que esse professor não recebeu nem sequer uma repreensão e é que ele continua lá para fazer outras pessoas passarem pelo que eu passei.

PACIENTE 3
Médica, 25 anos, feminina.
Há 3 anos passei em um estágio que me marcou profundamente, o professor era desrespeitoso com as paciente, sendo irônico com a falta de orientação delas ( muitas vezes fazia piadas sem que ela percebesse) ou sendo desrespeitoso com nós estudantes enquanto atendíamos o paciente, lembro que na ocasião não sentia vontade de acordar de manhã pra ir pro hospital se é para presenciar aquela situação. Em uma das ocasiões Presenciei esse professor questionando uma outra aluna na frente da paciente o porquê que aquele era um caso de aborto, isso enquanto a paciente ( que não havia recebido diagnóstico ainda) começava a chorar entendendo tudo que o professor dizia. Em algum momento o professor interrompeu a “aula” e questionou a paciente:
PROF: “ tá entendendo? “
PACI: “Sim”
PROF: “ Então explica!”
PACI: “Perdi meu filho...”
PROF: “-É... ou filha!”
Eu nunca me perdoei por ter assistido isso calada! por medo da repreensão do professor eu não encostei no ombro dela, não olhei nos olhos e não disse que era muito comum ocorrência de aborto e que estava tudo bem com ela, que ela poderia tentar novamente... mas não consegui, fiquei em choque. Depois disso, Jurei pra mim mesma que nunca mais ficaria cala. Pois bem, no dia seguinte o professor estava de bom humor, nos tratou bem e perguntou como estava o estágio (Como ele perguntou, imaginei que realmente queria saber, para melhorar como pessoa e melhorar o estágio), Então eu disse que nós aprendíamos mais e tínhamos mais vontade de estudar quando ele tratava a nós e a paciente com respeito. O professor mudou as feições, me tratou diferente e achou um absurdo minha queixa, como se ele nunca tivesse feito isso, como se eu tivesse inventando essa história de desrespeito ou fosse uma mentira deslavada. Ele riu da minha cara e disse: “ Onde já se viu um soldado falar para um general: (Fez uma voz fininha e continuou debochando) Por favor seu general me trate com mais respeito?” E continuou rindo e mostrando pros meus colegas o quanto eu era ridícula.

PACIENTE 2
Estudante de medicina, 20 anos, masculino
#TDAH - em uso de metilfenidato
QP: "Não queria mais viver"
O paciente relata que, nas últimas semanas, não sentia mais prazer nas atividades que outrora lhe agradavam, não tinha mais vontade de fazer nada, tinha dificuldade de sair da cama pela manhã — embora com frequência não conseguisse dormir — e diariamente chorava no trajeto matinal em direção às faculdade, fatos que ele associa à humilhação diária que sofria dos professores de uma disciplina. Refere que na noite anterior, após 5 horas sem conseguir dormir, começou a palpar seu pulso carotídeo, pensando que um golpe certeiro seria a melhor forma de terminar com sua dor. O paciente refere que resolveu "se dar uma chance": mandaria uma mensagem pra um colega, caso ele respondesse, deixá-lo-ia ajudar, do contrário, se jogaria pela janela do último andar do hospital no outro dia. Por sorte, o colega também não dormia (pois estudava para a prova que teriam no outro dia, embora fosse 4:30 da manhã) e convenceu o paciente a não fazer nada, que amanhã conversaram com um professor de sua confiança. Este professor seguiu protocolo de risco de suicídio e encaminhou o tratamento.
Ao exame:
Consciente
Hipovigil, hipotenaz
Sem alucinações
Orientado em pessoa, tempo e espaço
Memória sem alterações
Humor depressivo, afeto hipomodulado
Pensamento agregado, lentificado, com conteúdo basicamente sobre culpa
Juízo crítico adequado
Conduta com algum retardo psicomotor
Loquaz
"Ironicamente, fazer medicina sempre foi o meu maior sonho"

PACIENTE 1
Estudante de medicina, 23 anos, feminina. 
No último semestre, passei uma semana inteira dormindo cerca de três horas por noite e chorando todos os dias. Não tinha nada acontecendo na minha vida fora da faculdade, mas talvez porque nem vida além da faculdade eu tinha. Acordava às 5h30 da manhã para estudar até às 7h30, ia para a faculdade, tinha aulas o dia inteiro, chegava em casa e estudava até às 22h, quando ia dormir. Pode parecer mentira, mas essa foi minha rotina por 4 semanas, inclusive aos finais de semana. E tudo isso porque no semestre anterior eu fiquei em recuperação em uma cadeira que julgava muito importante, o que fez eu me sentir completamente incapaz, afinal, como eu tinha falhado na única coisa que eu fazia na vida? Quando a semana das provas começou, o medo tomou conta de mim e eu senti que precisava conversar com alguém sobre isso. Acionei os amigos e contei que pensava em conversar com o regente da disciplina. Ouvi dos 4 amigos com quem conversei que era melhor eu não fazer isso, pois o regente era uma pessoa sem sensibilidade para tratar desses assuntos e que, muito provavelmente, eu sairia me sentindo pior do que já estava. Por sorte, fui direcionada por um colega para uma professora da psiquiatria, que me acolheu e me encaminhou para outra psiquiatra, com quem iniciei tratamento. Nunca antes na vida eu havia tomado qualquer tipo de medicação psiquiátrica, mas tinha chegado a hora de eu me juntar aos quase 50% da minha turma em tratamento para ansiedade/depressão. Na minha primeira consulta lembro de a médica perguntar por que eu tinha tanto medo de reprovar em uma cadeira. Respondi que não queria passar nem um semestre mais do que o necessário na faculdade. Ironicamente, fazer medicina sempre foi o meu maior sonho. 

Um comentário:

rcalloni disse...

O curso de medicina em qualquer parte do mundo civilizado é árduo tanto na sua entrada quanto na sua saída. Portanto não é afeito a pessoas com dificuldades emocionais e ou vieses ideológicos. Basta comparar com as melhores escolas medicas dos EUA e europa. Os critérios de admissão são de uma rigidez excepcional e não há qualquer alivio durante todos os anos. Exceção feita as escolas medicas que afloram na america do sul e em países sem tradição medica.
Em relação aUFRGS considerada a melhor escola medica do pais estamos vendo uma abjeta denuncia que não se sustenta, exceto por alguns medíocres alunos que possuem falta de caráter e honestidade intelectual.
Sugiro avaliar quantos medicas formados na UFRGS que hj ocupam cargos e posições no mundo afora e ou são referencias internacionais nas suas áreas.
Parem com esta ideologia de enaltecer os fracos eliminando os fortes, só teremos incompetentes no futuro