quarta-feira, 4 de julho de 2018

Delator revela incineração de contêineres de próteses no Rio de Janeiro, enquanto 15 mil sofrem na fila

Um delator narrou à força-tarefa da Operação Lava Jato que pelo menos dois contêineres de próteses vencidas foram incinerados no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), cujos contratos são investigados por supostas fraudes. Nesta quarta-feira, 4, a Polícia Federal pôs nas ruas 180 agentes para prender 22 suspeitos de cartel e desvios na saúde do Rio que agoniza – 15 mil pessoas aguardam na fila para a colocação de próteses, segundo dados do próprio INTO. Braço da Lava Jato no Rio de Janeiro, a Operação Ressonância, mandou de volta para a cadeia Miguel Iskin, apontado como ‘líder’ dos desvios na Saúde do Estado. Ele teria prestado serviços para um suposto ‘clube de empresas’, como a Procuradoria da República classifica o cartel de grupos do setor, que atuava desde 1996 para eliminar o caráter competitivo de licitações. Iskin foi preso em abril do ano passado, mas o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, em dezembro, substituiu o regime fechado imposto ao empresário por recolhimento noturno e nos fins de semana. O pedido de prisão contra os investigados, entre eles um executivo da Philips e o CEO da GE, foi embasado em movimentações bancárias, repatriação de valores apontados como supostas propinas, além de mensagens e tratativas para a formação de cartel – também investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Segundo o acordo de delação de Leandro Camargo, diretor da Per Prima (fornecedora de próteses), os pregões de compra dos produtos eram feitos conforme necessidade de venda da empresa Oscar Iskin (de material hospitalar) e não da necessidade de compra do hospital público. De acordo com o empresário, a situação, por vezes, gerava desperdício de próteses. “Depois que homologava o pregão, os pedidos de empenhos dos grandes grupos: joelho, quadril, coluna, trauma e ombro, eram feitos de acordo com a necessidade de venda da Oscar Iskin, e não de compra do Into, e que isso causava sobra de estoque; que o colaborador soube que essa sobre era tão significativa que foram incinerados dois containers de próteses vencidas no velho Into”, diz o trecho da denúncia do MPF referente à delação de Camargo. 

O Into afirmou que a lista de espera por cirurgia de próteses atualmente é 15 mil brasileiros, sendo cerca de 11 mil são “pacientes ativos”- que já se encontram em condições de realizar o procedimento. No entanto, ressaltou que as filas para cirurgias de quadril, joelho e coluna diminuíram a partir da mudança para a nova sede, no final de 2011. “Antes, havia 21 mil pessoas aguardando cirurgia”, ressaltou. De acordo com o Ministério Público Federal, a partir das investigações da operação Fatura Exposta, que desencadeou na Ressonância, órgãos de controle identificaram um cartel de fornecedores que atuou entre os anos de 1996 e 2017 no Into. A empresa Oscar Iskin, do empresário Miguel Iskin, era a líder do cartel formado por pelo menos 33 empresas, algumas delas atuando como laranjas das demais, que se organizavam no chamado “clube do pregão internacional”. 

Segundo o Ministério Público Federal, as atividades de empresários e funcionários públicos envolvidos na “teia criminosa” conseguiram a liberação orçamentária para contratações em valores estratosféricos que, segundo dados do Tribunal de Constas da União, atingiram mais de R$ 1,5 bilhão apenas no âmbito das contratações do Into, no período de 2006 a 2017. Foram relacionadas 70 licitações do Into afetadas pelo cartel.

A obrigação da empresa, segundo o delator, era pagar 13% do total recebido dos empenhos da Per Prima aos operadores do esquema, como uma espécie de “pedágio” para se poder vender no hospital. As licitações de próteses no Into eram divididas em dois grandes blocos: o primeiro referente aos “grandes grupos” (joelho, quadril, ombro, coluna e trauma), para os quais seriam destinados cerca de 80% do dinheiro, o segundo grupo se referia às próteses de grupos menores: pé, mão, bucomaxilo, de menor valor. “O cumprimento dessa regra garantia que a Per Prima não seria impedida de vender no hospital, e teria o pagamento garantido”, disse o delator.

Camargo disse ainda que o argumento usado era de que o “dinheiro que vinha de Brasília” era captado e trazido pelo Miguel Iskin por meio de seus contatos políticos na capital. “Todos deveriam pagar o “pedágio” em cima de suas vendas, pois os acertos com Brasília eram calculados em cima do total de dinheiro que estava disponível para compra de implantes”, diz a delação.

Nenhum comentário: