domingo, 17 de junho de 2018

Juíza denuncia promotora de Marituba à Corregedoria do Ministério Público do Pará no caso da megalixeira Solvi


A juíza Tarsila Maria Souza de Campos, titular da vara criminal de Marituba, encaminhou denúncia à Corregedoria do Ministério Público do Pará e ao Conselho Nacional do Ministério Público para apurar omissão na conduta funcional da promotora Marcela Christine Ferreira de Melo no processo que corre na comarca acerca de prática de crime ambiental, com infração à lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), praticadas pelas empresas Revita Engenharia S/A e Vega Valorização de Resíduos Ltda que, juntamente com a Guamá Tratamento de Resíduos Ltda, gerenciam o aterro sanitário de Marituba. Todas essas empresas pertencem ao grupo megalixeiro Solvi, do megalixeiro Carlos Leal Villa. Ele teve sua prisão pedida em dezembro do ano passado, mas essa juíza Tarsila Maria Souza de Campos negou o pedido.

Em conversas telefônicas interceptadas pela Justiça no processo, aparecem servidores da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e de ocupantes de cargos no Ministério Público que, segundo a magistrada, teriam informado representantes da empresa Guamá Tratamento e Resíduos antecipadamente sobre diligências surpresa do Ministério Público ao local. Com a informação privilegiada, a empresa teve como realizar uma “maquiagem” para adequações e correção de irregularidades ambientais. De posse das informações, a magistrada de Marituba narra na sua decisão que comunicou o vazamento de informações sigilosas a Marcela Christine e indagou à promotora quem no Ministério Público teria conhecimento dos fatos e que poderia ter feito o vazamento. A promotora apontou os nomes e afirmou que tomaria “as medidas cabíveis com relação aos ilícitos” praticados pelos servidores da Semas e do próprio Ministério Público.

“Todavia, os mesmos (suspeitos) não constam como denunciados nos autos do processo decorrente da interceptação citada, nem em outra ação penal, nem sequer foi proposta qualquer investigação em desfavor dos mesmos”, disse Tarsila Souza, que também afirma que ilícitos envolvendo outras pessoas ligadas a órgãos do Governo do Estado e sendo investigados em outros municípios, como Marabá e Santarém, que aparecem nas interceptações, e que não detêm foro privilegiado, e que têm estreita relação com os acusados, também não foram denunciados pela promotora, apesar da cobrança feita pelo juízo. 

A decisão da juíza criminal de Marituba ocorreu em resposta ao pedido de sua suspeição nesse processo, arguido pela promotora Marcela Christine Ferreira de Melo, após uma visita de Tarsila Campos feita no último dia 19 de janeiro a Lucas Rodrigues Feltre, diretor administrativo e financeiro das empresas Revita Engenharia S.A e Vega Valorização de Resíduos Ltda., no complexo prisional de de Americano, onde ele estava preso desde dezembro.

Ao rejeitar o pedido de suspeição em decisão datada do último dia 2, a magistrada afirma que realizou a visita para avaliar as condições do cárcere de Lucas Feltre após receber relatos dos advogados dando conta que o preso não estava se alimentando e que estava fragilizado e abatido. No pedido de suspeição, a promotora alegou que a conduta da magistrada seria suspeita por não ter comunicado a visita previamente ao Ministério Público.

A juíza argumentou que não necessita de autorização, nem dar ciência ou fazer qualquer outro tipo de comunicação ao Ministério Público ou a Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana para requisitar um custodiado a uma audiência ou entrevista pessoal e reservada no local onde se encontra preso, “assim como não goza de amparo legal a assertiva do Ministério Público de que deveria ter ciência de tal visita previamente”, refutando qualquer circunstância de clandestinidade a seu ato.

Ainda segundo a magistrada, considerando também que a promotora Marcela Christine Ferreira de Melo não fez qualquer apuração dos fatos relacionados aos delitos praticados por servidores do Ministério Público e da Semas referente ao vazamento de informações sigilosas decorrentes do processo, determinou que cópias dos autos relacionados a esses fatos devem ser encaminhadas para a Corregedoria do Ministério Público e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) “para as providências que o caso requer”.

A magistrada acusa a promotora de ter deixado de apurar os fatos relacionados aos delitos praticados por tres pessoas do quadro do próprio Ministério Público e da Semas referente à divulgação de informações reservadas, configurando ato ilícito previsto no artigo 153, §1º-A (Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública). 

O Ministério Público do Pará reagiu à iniciativa da juíza lançando a seguinte nota oficial:

Em referência às matérias noticiadas na imprensa em que juíza de direito TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS acusa a Promotora de Justiça MARCELA CHRISTINE FERREIRA DE MELO de prevaricação por não ter oferecido denúncia contra servidores da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), nos autos da ação penal que tem por objetivo o processo referente a crimes ambientais cometidos no aterro de Marituba, o MPPA, em direito de resposta, vem apresentar as seguintes informações:

A Promotora de Justiça MARCELA CHRISTINE FERREIRA DE MELO passou a responder por uma das Promotorias Criminais de Marituba em maio de 2017 e desde então ajuizou quatro denúncias criminais, que deram origem a quatro processos para imputar responsabilidade criminal aos autores de diversos crimes ambientais praticados no âmbito do aterro de Marituba; participou da investigação presidida pela Delegacia de Meio Ambiente (Dema), que culminou com a deflagração da Operação Gramacho, com a prisão preventiva de três acusados pelos crimes ambientais (LUCAS DANTAS, DIEGO NICOLLETI e LUCAS FELTRE), diversas buscas e apreensões de documentos e equipamentos de informática, o efetivo bloqueio de cerca de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) para a realização de obras emergenciais necessárias para mitigar os danos ambientais praticados pelos réus, a proibição de as empresas rés de contratarem como poder público, dentre outras medidas adotadas pela Promotora de Justiça, necessárias para salvaguardar a sociedade de Marituba. 

Além disso, por ocasião do oferecimento da quarta denúncia, protocolada em 12/01/2018, em que teve que analisar 23 volumes de Inquérito Policial para chegar à autoria dos crimes ambientais, em apenas cinco dias, prazo este determinado por lei em face de alguns dos acusados estarem presos, a Promotora de Justiça MARCELA CHRISTINE FERREIRA DE MELO informou que haviam muitos outros fatos e pessoas a serem investigados, mas em razão do número de réus, da complexidade dos fatos e da extensão do processo, com base no art. 80 do Código de Processo Penal, iria proceder, investigar e/ou denunciar em apartado, requisitando o processo posteriormente para a análise de provas e apuração de fatos ilícitos, bem como responsabilização de quaisquer envolvidos. 

Em 18/01/2018, foi realizada audiência, presidida pela magistrada TARCILA DE CAMPOS, para tratar de medidas emergenciais a serem implementadas no aterro. Nesta ocasião, a mesma também publicou decisão deferindo a liberdade provisória a dois dos réus, LUCAS DANTAS e DIEGO NICOLLETI, e INDEFERINDO a soltura de LUCAS FELTRE, tendo ido até a carceragem falar pessoalmente com os réus, comunicando-lhes a decisão e conversando com os mesmos de forma reservada, sem chama-los à sala de audiência. No dia seguinte, dia 19/01/2018, a defesa de LUCAS FELTRE, o único que permaneceu preso, ingressou novamente com pedido de revogação da prisão, sendo que o mesmo não foi apreciado, pois a juíza TARCILA CAMPOS licenciou-se na manhã deste dia, estando respondendo pela vara criminal o juiz HOMERO LAMARÃO.

No final de semana, de forma extrajudicial, os Promotores de Justiça criminais de Marituba tomaram conhecimento de que a magistrada TARCILA CAMPOS havia, no dia 19/01/2018, ido até o Presídio Anastácio das Neves “visitar” o preso LUCAS FELTRE, sem justificativa legal ou regulamentar alguma, de forma reservada, sem comunicar as partes do processo, permanecendo com o réu cerca de 1:30h (uma hora e meia), conforme registro da Casa Penal, causando estranheza a todos os integrantes do Ministério Público, visto que 1) a juíza não possui atribuição de execução penal, com dever de visita carcerária; 2) estava licenciada, já que havia pleiteado licença médica neste dia, havendo outro juiz respondendo pela vara criminal; 3) haver a defesa requerido a revogação da prisão do réu visitado pela juíza neste mesmo dia; 4) não ter sido citado pela defesa, na audiência do dia anterior, qualquer ato ou fato que justificasse tal visita, tal como maus tratos ao preso, nem ter sido protocolado expediente neste sentido; 5) o fato de ser um réu que possui alto poder político e econômico, e por fim 6) em todo o tempo que esteve em Marituba não se tem notícia de que a magistrada realizou a visita a presos, à exceção deste caso. 

Em razão dos fatos descritos acima o MPPA, como fiscal do ordenamento jurídico, com a assinatura de três Promotores Criminais, requereram, em fevereiro de 2018, a suspeição de TARCILA CAMPOS nos processos do aterro de Marituba, que tem como um dos réus o preso LUCAS FELTRE, visitado pela magistrada. Em face do pedido de suspeição, foram remetidas informações dos fatos à Procuradoria-Geral de Justiça, que por meio do Procurador-Geral representou contra a magistrada na Corregedoria do Tribunal de Justiça para que se apure conduta ilícita e incompatível com o exercício da magistratura e esclareça os motivos pelos quais, de forma suspeita, realizou a visita a um dos réus nos processos do aterro. 

Em paralelo, aguardava-se o processo, laudos e material apreendido na operação Gramacho para análise e possível instauração de procedimentos e/ou denúncias contra outras pessoas, e à medida em que parte do material foi chegando, os trabalhos foram sendo encaminhados, tais como ocorreu em março, em que foi requerido o declínio de competência do processo nº 0006409-24.2017.8.14.0133 para o Supremo Tribunal Federal (STF), em razão de provas que indicam a possível autoria e/ou participação de crimes cometidos por pessoa que possuía foro por prerrogativa de função, para que se fosse o caso, e se assim decidir a Corte Suprema, fossem os autos remetidos à Procuradoria-Geral da República. 

Neste período, terceira pessoa que possui foro por prerrogativa de função e não é parte no processo, impetrou mandado de segurança requerendo a suspensão de todos os processos do aterro. O desembargador concedeu em parte a segurança, determinando a suspensão liminar de uma das ações, a última ajuizada pelo MPPA, na qual estão vinculadas as medidas cautelares de interceptação telefônica e da qual foi requerida a remessa para o STF. 

Em razão de necessitar-se dos autos desta ação para analisar a autoria e materialidade e instaurar outros procedimentos investigatórios, requereu-se vistas dos autos, o que foi dificultado, em virtude de que primeiramente a vara criminal remeteu os processos sem os 23 anexos de provas, e depois argumentava que não poderia conceder vistas pois o processo estava no gabinete da magistrada TARCILA DE CAMPOS, tendo sido necessário formalizar através de protocolo pedido de vistas no dia 12/04/2018, tendo o processo ingressado no MPPA em 16/04/2018, onde permanece até hoje para a análise dos documentos, instauração de procedimentos anexos acaso haja indício de prática criminosa e apuração de seus autores, com o cotejo dos materiais apreendidos na Operação Gramacho que chegaram à Promotoria de Justiça de Marituba em 20/02/2018, e algumas perícias remetidas em final de abril de 2018.

Portanto, a despeito do que refere a magistrada em reportagem na imprensa, as investigações continuam, e devem continuar, pois existem muitos fatos a serem devidamente apurados e seus autores responsabilizados, como os citados pela magistrada, que antecipou as investigações, podendo inclusive vir a interferir de forma negativa nas mesmas, prejudicando-as, e em outros fatos a serem apurados. Imprescindível destacar que com relação à servidora do MPPA suspeita de repassar informações privilegiadas, a Promotora de Justiça comunicou o fato em reunião com a Procuradoria-Geral de Justiça e Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente do MPPA, que imediatamente a exoneraram do cargo de assessoria, antes mesmo do aguardo da remessa do processo criminal, demonstrando que não houve omissão por parte da Promotora de Justiça. 

A conduta da juíza TARCILA DE CAMPOS foi incompatível com o exercício da magistratura, antecipando dados que deveriam ser abordados durante as investigações, e ainda imputando falsamente crime à Promotora de Justiça, o que terá consequências em razão desta prática ilegal da magistrada, que, utilizando-se do sistema de justiça, inclusive de informações privilegiadas em razão do cargo que exerce, tenta realizar vingança privada por ter sido representada pelo Ministério Público e estar respondendo a procedimento correcional, bem como a outros de natureza disciplinar, por diversas violações aos deveres de seu cargo.

Deste modo, o Ministério Público, por meio da Promotora de Justiça MARCELA CHRISTINE FERREIRA DE MELO, informa que todos os fatos em que hajam indícios de crime e autoria, constantes nos autos dos 27 volumes de processo, que estão em poder do Ministério Público para análise, serão devidamente investigados por meio de procedimentos e/ou em caso de presença dos requisitos necessários para a denúncia, serão devidamente denunciados à Justiça, atuando como vem fazendo desde o início em que passou a acompanhar os crimes praticados no aterro.

Com relação à conduta da magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS, serão adotadas todas as providências em níveis correcional, criminal e cível, e, inclusive, se insistirá no pedido de suspeição da mesma, agora com muito mais embasamento, junto ao Tribunal de Justiça do Estado. Quanto às supostas representações que a magistrada afirma ter ingressado contra a Promotora de Justiça na Corregedoria do MPPA e do Conselho Nacional do Ministério Público, esta afirma que sequer tomou conhecimento da existência de quaisquer delas, mas, ciente do trabalho que vem desempenhando, estará pronta a responder a mesmas.

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