Em seu voto, que durou aproximadamente duas horas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, relator de duas ações que tratam da condução coercitiva de investigados para a realização de interrogatórios, afirmou que o instrumento trata o conduzido como culpado e representa supressão de liberdade de locomoção. “O conduzido não está obrigado a declarar ou a se fazer presente no interrogatório. Trata-se de uma exposição, de uma coerção e de uma coação arbitrária do conduzido. A condução coercitiva desrespeita a dignidade da pessoa humana e representa supressão absoluta, ainda que temporária, de liberdade de locomoção”, disse. O procedimento vinha sendo utilizado em investigações da Polícia Federal até o final do ano passado. É evidente que o assunto só está sendo tratado no Supremo, 30 anos depois da promulgação da Constituição Federal, porque o bandido corrupto Lula foi conduzido coercitivamente para depor na Operação Lava Jato.
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, suspendeu o julgamento, que será retomado na próxima quarta-feira (13). Gilmar Mendes afirmou também que abordar o investigado às seis horas da manhã em sua casa, acompanhado por emissoras de televisão, leva à supressão e à quase impossibilidade de o cidadão ter ao seu lado o seu advogado: “Talvez haja nessa estratégia o propósito de nulificar, pela surpresa e pelo constrangimento, o direito ao silêncio e de autoincriminação". “A condução coercitiva interfere nos direitos à liberdade, à presunção de não culpabilidade, à dignidade da pessoa humana e interfere no próprio direito de defesa e em alguma medida sobre o direito de não autoincriminação". Como alternativa, o ministro sugeriu que o instrumento poderia ter finalidade de acelerar investigações, sendo, por exemplo, substituído por medidas menos gravosas. “O investigado poderia ser intimado a comparecer de pronto à instituição pública. Caso haja interesse de que seja interrogado, ato processual poderia ser marcado no próprio dia. Na melhor das hipóteses, poderia se aplicar o prazo mínimo de 48 horas". Ao votar pela inconstitucionalidade do instrumento para interrogatório, Gilmar Mendes destacou que no direito processual em vigor, a ausência ao interrogatório é uma prerrogativa do acusado “em função da qual sua condução coercitiva para o ato viola direitos fundamentais”.
Ao proferir seu voto, Gilmar Mendes destacou que a decisão não tem e não deve desconstituir interrogatórios realizados até a data do presente julgamento, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente para o ato. “Estou reconhecendo a inadequação do tratamento dado ao imputado não ao interrogatório em si". “Estou não conhecendo do agravo interposto pela PGR contra a liminar e estou julgando procedente os pedidos nas ADI 396 e 4444 para pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório” constante do artigo 260 do Código de Processo Penal e declarar incompatibilidade da condução coercitiva de investigados ou réus para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e da ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. É como voto".
Gilmar Mendes citou ainda que a Operação Lava Jato determinou 227 conduções coercitivas e que a medida é mais um capítulo da espetacularização da investigação. O ministro também criticou entrevistas coletivas de policiais e membros do Ministério Público em meio a operações. “Os agentes públicos deveriam estar empenhados em compreender as provas colhidas, as entrevistas são baseadas em opiniões de policiais e dos membros do Ministério Público, os quais fazem questão de afirmar a culpa de pessoas que sequer foram ouvidas". Ao citar outro exemplo do que considera uma espetacularização das investigações, Gilmar lembrou aos colegas da Operação Carne Fraca, que classificou como “o mais histórico vexame de que se tem notícia”. “Em nenhum país do mundo, funcionários sérios teriam coragem de fazer o que fizeram os da Carne Fraca. Tivessem feito a operação minimamente reservada teriam se poupado desse vexame histórico". Na avaliação do ministro, o combate à corrupção tem de ser feitos nos termos estritos da lei. “Quem defende direito alternativo para combate à corrupção já não está num Estado de Direito. Assim se fez o nazi fascismo".
As prisões temporárias cumpridas pela Polícia Federal cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior. A alta ocorre após a decisão de Gilmar de proibir a condução coercitiva de investigados para interrogatório em todo o País. De janeiro a abril, foram cumpridas 195 prisões temporárias, ante 148 nos primeiros quatro meses de 2017. As superintendências da Polícia Federal em São Paulo, Tocantins e Paraná lideram as estatística de mandados. A unidade da Polícia Federal em São Paulo responde por 20% do total das temporárias cumpridas no período. Já a Operação Curupira, que investiga pesca e venda ilegal de peixes no Tocantins, foi a que mais prendeu temporariamente (21 pessoas).
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