O poeta, escritor, jornalista e teatrólogo Ferreira Gullar morreu neste domingo (4) no Hospital Copa d’Or, na zona sul do Rio, aos 86 anos. Ele era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2014. Ferreira Gullar, cujo nome verdadeiro é José de Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís do Maranhão em 10 de setembro de 1930, em uma família de classe média pobre. Dividiu os anos da infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no rio Bacanga. Considera que viveu numa espécie de paraíso tropical e, quando chegou à adolescência, ficou chocado em ter de tornar-se adulto, e tornou-se poeta.
No começo, acreditava que todos os poetas já haviam morrido e somente depois descobriu que havia muitos deles em sua própria cidade, a algumas quadras de sua casa. Com 18 anos, passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero-Recreativo, onde, aos domingos, havia leitura de poemas. Descobriu a poesia moderna aos 19 anos, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado com esse tipo de poesia e tratou de informar-se, lendo ensaios sobre a nova poesia. Pouco depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que tinha anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda, passarei a pintar com os pés”. Ou seja, nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a cada momento. “Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema”, diria ele mais tarde. Assim nasceu o livro que o lançaria no cenário literário do país em 1954: "A Luta Corporal". Os últimos poemas deste livro resultam de uma implosão da linguagem poética e provocariam o surgimento na literatura brasileira da “poesia concreta”, de que Gullar foi um dos participantes e, em seguida dissidente, passando a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro: o grupo neoconcreto. O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um manifesto escrito por Gullar, seguido da teoria do não-objeto. Esses dois textos fazem hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de original e revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos. Gullar levou suas experiências poéticas ao limite da expressão, criando o "Livro-Poema" e, depois, o "Poema Espacial", e, finalmente, o "Poema Enterrado". Este consiste em uma sala no subsolo a que se tem acesso por uma escada; após penetrar no poema, deparamo-nos com um cubo vermelho; ao levantarmos este cubo, encontramos outro, verde, e sob este ainda outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”. O poema enterrado foi a última obra neoconcreta de Gullar, que afastou-se do grupo e integrou-se na luta política revolucionária. Entrou para o Partido Comunista e passou a escrever poemas sobre política e participar da luta contra a ditadura militar. Foi processado e preso na Vila Militar. Mais tarde, teve de abandonar a vida legal, passar à clandestinidade e, depois, ao exílio. Deixou clandestinamente o país e foi para Moscou, depois para Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires. Voltou para o Brasil em 1977, quando foi preso e torturado. Libertado por pressão internacional, voltou a trabalhar na imprensa do Rio de Janeiro e, depois, como roteirista de televisão. Durante o exílio em Buenos Aires, Gullar escreveu "Poema Sujo", um longo poema de quase cem páginas e que é considerado sua obra-prima. Esse poema causou enorme impacto ao ser editado no Brasil e foi um dos fatores que determinaram a volta do poeta a seu país. "Poema Sujo" foi traduzido e publicado em várias línguas e países. De volta ao Brasil, Gullar publicou, em 1980, "Na vertigem do dia" e "Toda Poesia", livro que reuniu toda sua produção poética até então. Voltou a escrever sobre arte na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, publicando, nesse campo, dois livros, "Etapas da arte contemporânea" (1985) e "Argumentação contra a morte da arte" (1993), onde discute a crise da arte contemporânea. Outro campo de atuação de Ferreira Gullar foi o teatro. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" e "A saída? Onde fica a saída?" De volta do exílio, escreveu a peça "Um rubi no umbigo", montada pelo Teatro Casa Grande em 1978. Gullar afirmava que a poesia era sua atividade fundamental. Em 1987, publicou "Barulhos" e, em 1999, "Muitas Vozes", que recebeu os principais prêmios de literatura daquele ano. Em 2002, foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Gullar foi um dos 150 membros da intelectualidade e da sociedade carioca que desde 2012 participam do Conselho da Cidade, colaborando com sua mente brilhante para ajudar a transformar o Rio de Janeiro.
O corpo de acadêmico, poeta e teatrólogo Ferreira Gullar está sendo velado desde as 17 horas no saguão da Biblioteca Nacional, na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro. O velório continuará nesta segunda-feira (5), a partir das 9 horas, na Academia Brasileira de Letras (ABL), de onde o corpo sairá por volta das 15 horas, para o mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo. Ferreira Gullar deixa dois filhos, Luciana e Paulo, oito netos, e a companheira Cláudia, com quem vivia atualmente. Seu último livro foi "Autobiografia Poética e Outros Textos", lançado este ano pela Editora Autêntica.
O poeta Ferreira Gullar, ao sentir seu quadro de saúde se agravar por causa de uma pneumonia, pediu à mulher, a também poeta Claudia Ahinsa, para não sofrer intervenções que prolongassem sua agonia. A alternativa dos médicos era que ele fosse entubado. “Se você me ama, não deixa fazerem nada comigo. Me deixe ir em paz. Eu quero ir em paz”, pediu àquela que era sua companheira havia 22 anos. “Foi uma decisão muito dura para nós, para a família e para mim. Mas era o que tinha de ser feito”, disse Claudia, muito emocionada. Gullar sentiu-se mal na madrugada de 9 de novembro. Com intensa falta de ar, foi levado para o Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro. Os médicos diagnosticaram pneumotórax, a entrada de ar na pleura, a fina camada que recobre os pulmões. O problema era um reflexo do seu tempo de fumante, ainda que estivesse livre do cigarro há mais de 30 anos. O ar na pleura comprime o pulmão e o faz murchar. Nos 25 dias de internação, os médicos trataram a lesão na pleura. Instalaram um dreno, para a retirada do ar. E esperavam o pulmão expandir para liberá-lo. “Estava tudo dando certo. A pleura estava fechando, o pulmão estava expandindo. Eles tirariam o dreno nos próximos dias e ele já receberia alta”, conta Claudia. A esposa diz que o marido tinha boa saúde. “No domingo, três dias antes da internação, tínhamos ido ao cinema, passeado. Não tinha nada no coração, indisposição para nada. Essas doenças são silenciosas”, afirmou. O casal imaginava que a internação seria curta. Preferiu não alarmar os amigos. Com o passar das semanas, Claudia começou a contar a um e outro sobre a internação. Nas primeiras semanas, Gullar escreveu de próprio punho a crônica semanal publicada no jornal Folha de S. Paulo. Depois, com o agravamento do quadro, passou a ditar o texto para a mulher. “Ele era poesia pura. A poesia está aí. A obra vai ficar”, afirmou.
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