A quebra de sigilo telefônico de um jornalista para tentar identificar a sua fonte é uma grave ameaça à ordem democrática e tem de ser repudiada
Por Reinaldo Azevedo - É preciso, insisto, tomar muito cuidado quando determinados órgãos de investigação — Polícia e Justiça — resolvem, como dizer, se hipertrofiar. Uma decisão judicial tomada em Brasília representa uma grave ameaça à liberdade de imprensa. Todos conhecem as minhas posições. Não sou entusiasta de vazamentos. Acho absurda a frouxidão que há no Brasil quando se trata de apurar a conduta de servidores públicos que vazam documentos sigilosos. Não duvidem: também esse expediente sempre atende aos interesses de alguém, ainda que, no balanço geral, com alguma frequência, a sociedade seja beneficiada. MAS ATENÇÃO! QUEM TEM DE GUARDAR O SIGILO SÃO OS SERVIDORES DELE ENCARREGADOS. O papel da imprensa é publicar o que sabe. Mais: a Constituição é explícita a mais não poder no Inciso XIV do Artigo 5º:
“XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Fim de papo! Não há juiz que possa mudar isso. Nem o Supremo pode. Nem emenda constitucional. Trata-se de cláusula pétrea. Pois é. Acontece que o delegado da Polícia Federal, João Quirino Florio, com o aval da procuradora da República do Distrito Federal, Sara Moreira de Souza Leite, recorreu à Justiça com um pedido de quebra do sigilo telefônico do colunista Murilo Ramos, da revista “Época”. Ele teve acesso a uma lista do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com brasileiros suspeitos de manter contas irregulares no exterior. É um desdobramento do ruidoso caso chamado “Swissleaks”, uma investigação internacional sobre lavagem de dinheiro da divisão suíça do banco HSBC. O delegado pediu, a procuradora concordou, e a juíza Pollyana Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, autorizou o procedimento no dia 17 de agosto. Em depoimento à Polícia Federal, Ramos fez o certo: evocou a Constituição e se negou a revelar as suas fontes. Ora, é claro que a decisão é absurda! Ao delegado cabe investigar. Que investigue! Mas o jornalista não é parte da coisa, a menos que fosse flagrado cometendo algum crime. Foi? A resposta: não! Ele não obteve a lista para chantagear pessoas, por exemplo. Como diz a Constituição, o sigilo é necessário ao exercício de sua profissão. A Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas), a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa) emitiram notas de protesto repudiando a decisão. A Aner entrou com pedido de habeas corpus na sexta (7) para revogá-la. O recurso foi distribuído ao desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Atenção! Trata-se de dizer “sim” ou “não” à liberdade de imprensa. Prática dessa natureza é coisa dos bolivarianos da Venezuela. Reitero: não está entre as atribuições da imprensa guardar o sigilo de documentos oficiais. É claro que delegado, procuradora e juíza erraram o alvo. Estão é atacando a democracia.
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