O plenário da Câmara dos Deputados tentou votar de surpresa na noite desta segunda-feira (19) projeto gestado nos bastidores da Casa que visa abrir uma brecha para anistiar políticos que hoje são alvos da Operação Lava Jato. O texto estabelece na legislação uma punição específica e direta para o crime de caixa dois eleitoral, que é o uso de dinheiro nas campanhas sem declaração à Justiça. Deputados que articularam a manobra almejavam dois objetivos: conseguir a anistia por prática de caixa dois cometida até agora, com base no princípio de que lei não retroage para prejudicar o réu; e inibir a atual inclinação da força-tarefa da Lava Jato — e do juiz federal Sérgio Moro — de tratar como corrupção pura e simples o recebimento de dinheiro que não esteja na contabilidade eleitoral. Em resumo, a intenção era essa: aprovada a lei, os casos seriam enquadrados na nova legislação sobre o caixa dois — e não como corrupção ou outro crime com pena mais severa —, mas só haveria punição daqui pra frente. O projeto entrou na pauta de votações desta segunda-feira sem convocação explícita dos deputados para analisar o tema e sem apresentação prévia do texto. A maioria dos deputados dizia não saber o que seria votado e muitos fizeram questionamentos à Mesa. O próprio relator designado de última hora para o projeto, Aelton Freitas (PR-MG), afirmou não saber do que se tratava. O deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Casa, presidia a sessão e se recusou a responder aos deputados. Disse apenas que a inclusão de um projeto de última hora obedece ao regimento. Após muita pressão de deputados contrários à manobra, ele foi obrigado a encerrar a sessão. "Pediram para que eu presidisse a sessão. Eu não sei um artigo desse projeto, uma linha. Eu estava apenas cumprindo minha função de brasileiro. Não tenho nada a ver com caixa 2, não estou envolvido na Lava Jato", afirmou Mansur. Ele se recusou a responder à pergunta sobre quem pediu a ele para tentar votar o texto. Participaram das articulações em torno desse projeto, entre outros, deputados do PSDB e do PP, esse último o principal partido com parlamentares implicados na Lava Jato. Houve aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), responsável final por aquilo que é levado à votação. Embora ele estivesse interinamente na presidência da República nesta segunda-feira, devido à viagem de Michel Temer aos Estados Unidos, nunca um projeto desse porte iria a voto sem a sua anuência. Rodrigo Maia afirmou que não participou da tentativa de votação desta segunda-feira já que estava no Planalto. Mas que em resposta a consultas anteriores sobre o tema, afirmou que sempre defendeu a votação da proposta de criminalização do caixa 2 apresentada pelo Ministério Público Federal no pacote chamado de "As 10 Medidas contra a Corrupção". O pacote está em análise em uma comissão especial da Câmara. "Não dei aval nenhum. O que disse é que se fossem votar que votassem o texto do Ministério Público, que todos defendem, para não gerar nenhum tipo de dúvida na sociedade", afirmou ele, acrescentando não acreditar que haja possibilidade de anistia. Em um primeiro momento, Beto Mansur afirmou que Maia pediu para que ele conduzisse a votação. Depois recuou e se recusou a dizer que eram os padrinhos da idéia. "O que está se tramando aqui esta noite é uma bandalheira, uma maracutaia, um trambique. Queremos saber quem são os partidos que estão redigindo essa emenda na calada da noite, escondidos do povo brasileiro", discursou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) antes de a sessão ter sido cancelada. "A Câmara dos Deputados não pode ser emasculada por um ato dessa natureza", reforçou Miro Teixeira (Rede-RJ). Outro que reclamou foi o deputado Jorge Solla (PT-BA), apesar de deputados afirmarem que petistas participaram das negociações: "Estão querendo apagar a corrupção do passado." Um dos principais temores dos deputados diz respeito à lista divulgada em março com o nome de mais de 200 políticos que teriam recebido recursos da Odebrecht. Os executivos da empreiteira negociam acordo de delação premiada com a força tarefa da Lava Jato. Entre os deputados que participaram das conversas de bastidor sobre o projeto está o ex-líder da bancada do PSDB, Carlos Sampaio (SP), que é egresso do Ministério Público. Ele também defende a aprovação integral do texto enviado pelo Ministério Público Federal.
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