O ano eleitoral de 2014 mal havia começado quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, apressou-se em anunciar que havia sido cumprida a meta fixada para as contas do Tesouro Nacional no ano anterior. Naquele 3 de janeiro, as dúvidas sobre a solidez orçamentária do governo já eram generalizadas entre os analistas. Mantega disse que estava antecipando os dados para "acalmar os que estavam nervosinhos". Dados do Banco Central revelam hoje, no entanto, que a meta daquele ano só foi atingida devido às manobras conhecidas como pedaladas fiscais – que são a base do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em outras palavras, gastos a cargo do Tesouro haviam desaparecido das estatísticas ao serem assumidos, na prática, por bancos federais e pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). De acordo com os dados oficiais de 2013, as receitas do governo superaram em R$ 76,6 bilhões as despesas com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimento – a Fazenda havia prometido uma poupança de R$ 73 bilhões. Por determinação do Tribunal de Contas da União, o Banco Central apurou o impacto das pedaladas nas contas públicas desde 2001. Os cálculos mostram que, sem o artifício, o superavit de 2013 não teria passado de R$ 62 bilhões. Desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, há 16 anos, nunca houve descumprimento da meta estabelecida para o governo federal. Dado o ineditismo, há dúvidas sobre que sanções seriam aplicadas nesse caso. As pedaladas ajudaram a administração petista a mascarar a intensidade da piora das contas do Tesouro – que, em 2014, se tornaram deficitárias e acabaram reprovadas pelo TCU, pela primeira vez desde 1937. As manobras também permitiram que o resultado do Tesouro acumulado em 2014 se mantivesse no azul até a reeleição de Dilma. Ao final de setembro, às vésperas do primeiro turno, divulgou-se que um modesto superavit de R$ 1,6 bilhão havia sido obtido de janeiro a agosto; sem as pedaladas, haveria deficit de R$ 5,2 bilhões. Ao final de outubro, após o segundo turno, o governo anunciou um deficit de R$ 19,4 bilhões até setembro (R$ 27,7 bilhões sem pedaladas) e assumiu que seria necessário alterar a meta de superavit fixada para o ano. Os dados do Banco Central mostram que os saldos do caixa do Tesouro – ou resultado primário no jargão orçamentário – praticamente não eram afetados pelas pedaladas antes do governo Dilma. O Tesouro repassa dinheiro a seus bancos para a execução de políticas de governo – a Caixa Econômica Federal, por exemplo, realiza os pagamentos do Bolsa Família e do seguro-desemprego. Quando os recursos transferidos são insuficientes, o banco se vale de recursos próprios, que devem ser ressarcidos depois pelo Tesouro. O Planalto argumenta que atrasos do gênero ocorreram em governos anteriores. Entre 2001 e 2008, porém, os repasses pendentes não ultrapassavam a casa de 0,4% da receita do Tesouro. Essa proporção iniciou tendência de alta em 2009, quando o governo decidiu enfrentar os efeitos recessivos da crise internacional com a alta do crédito e do gasto público. Os atrasos chegaram a 5,1% da receita em 2014, quando passaram a ser chamados de pedaladas. Para o TCU, o governo tomou crédito de seus bancos, o que é vedado pela legislação.
ELEIÇÕES E PEDALADA
Governo assumiu deficit após votação
Antes das eleições
Resultado fiscal no fim de setembro de 2014
R$ 1,6 bilhão é o superavit com pedaladas
R$ 5,2 bilhões é o deficit sem pedaladas
Após as eleições
R$ 19,4 bilhões é o deficit com pedaladas
R$ 27,7 bilhões é o deficit sem pedaladas
RECEITA E PEDALADA
Dívida acumulada com bancos federais e o FGTS
Entre 2001 e 2008
Não ultrapassa 0,4% da receita do Tesouro
Em 2014
Atinge 5,1% da receita do Tesouro
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