Por Reinaldo Azevedo - Eu juro que tentei não ler o texto que Caetano Veloso escreveu sobre a questão israelo-palestina na Folha de domingo. E tentei não ler por uma razão elementar: Veloso não me surpreenderia. Exceto por uma tolice ou outra, sabia que o texto não era dele. E eu estava certo. Aquilo foi escrito a muitas mãos. O autor é uma legião, como os demônios. Aquela é a ladainha das esquerdas mundo afora. A bobajada, vazada em caetanês castiço, tem copyright ideológico: os múltiplos lobbies palestinos, notórios por abrigar também israelenses e judeus de toda parte. Veloso e Gilberto Gil apresentaram-se em Israel e foram alvos da patrulha do BDS, um movimento internacional de boicote ao país, coalhado de antissemitas que usam o biombo do antissionismo para se justificar. O que eles querem é o fim do Israel. E o fato de haver judeus ligados à rede não quer dizer rigorosamente nada, a não ser deixar claro que judeus, como todo mundo, não são imunes ao equívoco e a idéias e práticas moralmente criminosas. O senhor Veloso, como de hábito, não perde a mania de ser raso para parecer profundo, como a sugerir que uma apreensão superficial do mundo, ditada por associações ligeiras e despropositadas querem dizer alguma coisa. É lá vai ele associando comunidades palestinas às favelas do Rio ou aos acampamentos do MST, o que é de uma tolice inclassificável, só explicada pela disposição de fazer demagogia e baixo proselitismo sobre Israel e sobre o Brasil. Uma frase, que o cantor toma de empréstimo, define a delinquência intelectual de seu texto. Depois de registrar que não percebeu em Tel Aviv um esquema muito severo de segurança, veio à sua mente um verso de Marcelo Yuka: “a paz que eu não quero”. Pois é… Caetano não quer. A esmagadora maioria dos israelenses quer. Aqueles cujos filhos explodiam em ônibus escolares preferem a paz que Veloso, o caridoso!, rejeita. Num momento realmente estupefaciente do seu texto, lê-se: “Era difícil reconhecer que essa paz refletia o maior poder adquirido pelo Estado de Israel, sua certeza de que a cúpula de proteção construída por sua defesa está firme. Será, como diz Marcelo Yuka, a paz que não quero?” Não fosse o que este senhor chama “cúpula de proteção”, Israel já teria desaparecido como a pátria dos judeus. Caetano sabe que o Hamas transformou a Faixa de Gaza numa base de lançamento de mísseis e que essa, por enquanto, é a consequência mais visível da saída das forças de segurança israelenses da área. Num texto tão longo, o autor não toca uma só vez no terrorismo palestino, a não ser para rejeitar como loucura a frase de uma mulher “que dizia que não é razoável trocar paz por terra: troca-se paz por paz, ela repetia, querendo dizer um não às teses de acabar com a ocupação e os assentamentos”. Por quê? Veloso acha que se devem aceitar os termos desta troca: paz por terra? Digamos que assim fosse: Israel deve negociar com quem quer destruí-lo? A minha fórmula, por exemplo, é um pouco diferente da expressa por aquela senhora: troca-se terra por paz. Primeiro os palestinos põem fim ao terrorismo. E, então, se conversa sobre terra… Em outro momento patético do texto, o cantor cita como exemplo de grandeza intelectual uma frase do cineasta palestino Hany Abu-Assad. Em sua passagem por Salvador, Veloso lhe perguntou se era religioso. A resposta foi esta: “Nunca fui, não tenho fé, mas hoje me considero religioso muçulmano por razões políticas”. O que há de belo nisso? Aí está a essência, note-se, do terror islâmico: usa-se a religião como um elemento unificador da “causa”, ignorando as diferenças, que é a essência dos regimes democráticos, abertos, plurais. E se todo israelense não religioso decidir sê-lo também por “razões políticas”. E se, “por razões políticas”, os ocidentais decidissem usar o cristianismo como força de resistência, inclusive militar? Eu poderia me estender neste texto e lembrar a este senhor que o país que mais matou palestinos até hoje foi a Jordânia; que o único lugar do mundo em que árabes conhecem a democracia é Israel — parece haver algo auspicioso na Tunísia, a ver… Que boa parte das agruras por que passam os palestinos na Faixa de Gaza não tem relação nenhuma com os israelenses; eles são tiranizados é pelos trogloditas do Hamas. Mas pra quê? E Veloso decidiu mergulhar na lama, comparando, ora vejam!, o governo israelense aos nazistas. Com um pouco mais de coragem, teria feito isso por sua própria conta. Mas preferiu o refúgio dos covardes e foi buscar a associação na pena de um judeu, citando Yeshayahu Leibowitz. A síntese desse procedimento é a seguinte: quando um judeu defende o Estado de Israel ou o seu governo, a sua opinião é obviamente suspeita. Coisa de judeu… Se, no entanto, até um judeu ousa evocar o nazismo, então isso traduz necessariamente uma sapiência superior. Ora, se até judeus podem se comportar como nazistas, o nazismo perde uma de suas singularidades, que era promover o extermínio de judeus. E, ora veja, justamente os judeus teriam sido responsáveis pela perda de tal singularidade. Veloso iria adiante e ainda diria, cantarolando “Odara”: “E quem me deu essa ideia foi um… judeu!”. Quando José Guilherme Merquior disse que Veloso tinha o miolo mole, o cantor tinha lá a sua graça, envolvido com algumas polêmicas no campo da cultura e do comportamento. Aí o tempo foi passando… Ficou o miolo mole. Foi-se a graça.
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