A Justiça Federal rejeitou denúncia criminal apresentada pelo Ministério Público Federal em junho deste ano contra sete ex-agentes do DOI (Destacamento de Operações de Informações) do 2º Exército acusados de envolvimento na morte sob tortura do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 1976, na ditadura militar. Segundo a decisão do juiz federal Alessandro Diaferia, da 1ª Vara Federal Criminal em São Paulo, o Supremo Tribunal Federal definiu em abril de 2010 que a Lei da Anistia de 1979 continua aplicável aos casos de crimes políticos ocorridos no regime militar, mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1988. A lei de 1979 anistiou os envolvidos em delitos de natureza política cometidos entre setembro de 1961 e agosto de 1979. O assassinato do metalúrgico foi um dos casos de maior repercussão no período da ditadura. Fiel Filho foi preso pelos militares porque era militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro). De acordo com a Procuradoria, a vítima foi torturada e morta por estrangulamento com o uso de meias de nylon. Em 2008, o Ministério Público Federal decidiu intensificar a atuação em relação a crimes ocorridos na ditadura. Em maio daquela ano, a Procuradoria apresentou à Justiça uma ação civil pública contra os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, sob a acusação de que eles foram responsáveis por violações de direitos humanos no DOI do 2º Exército, onde Fiel Filho e o jornalista Vladimir Herzog, também militante do PCB, foram mortos. Para fundamentar as ações judiciais, o Ministério Público adota a tese jurídica de que os casos relativos a desaparecidos políticos ainda estão em andamento e de que os assassinatos no período não são passíveis de anistia ou prescrição, pois são crimes de lesa-humanidade previstos em leis internacionais. Na denúncia apresentada em junho passado, o Ministério Público Federal sustentou que a decisão do Supremo de 2010 sobre a validade da Lei da Anistia não seria aplicável ao caso de Fiel Filho. A Procuradoria alegou que o crime não poderia ser objeto de uma anistia pois foi praticado "em contexto de ataque sistemático e generalizado à população civil, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964, por meio da violência" e configurou um ato de lesa-humanidade, que é combatido de acordo com regras de direito internacional. Porém, no último dia 10, o juiz da 1ª Vara Federal Criminal em São Paulo refutou estes argumentos e rejeitou a denúncia. Segundo o magistrado, "não se pode dizer que a repressão a opositores do regime de exceção, por mais dura que tenha sido, tenha se estendido à grande massa da população brasileira. O argumento peca pelo caráter hiperbólico". Para o juiz federal, na verdade seriam exemplos de ataques desse tipo os genocídios ocorridos em Ruanda, na África, em 1994, e contra armênios, na Europa, no século passado. Ao rebater a alegação da Procuradoria, Diaferia também citou dados estatísticos que apontam a morte de mais de 56 mil pessoas no ano passado no Brasil, e apresentou uma indagação: "Poderia o popular leigo, de mediano conhecimento, afirmar que é bem mais 'perigoso', viver nos dias de hoje do que na época do regime de exceção?" "Tais provocações têm a mera finalidade de proporcionar uma reflexão mais detida e contextualmente mais ampla sobre o tema", escreveu o juiz. "Existe, portanto, uma distância muito expressiva entre essa suposta 'vitória' do regime de exceção e a afirmação de que havia 'ataques generalizados contra a população brasileira'", concluiu o magistrado. Quanto à alegação de que deveriam ser aplicadas ao caso leis de direito internacional contra crimes de lesa-humanidade, o magistrado apontou que tais regras não podem ser adotadas de modo retroativo, sob pena de prejudicar a segurança jurídica no País. "Não se trata, aqui, de acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo, elevado, de sensação de 'impunidade' àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão", justificou. O juiz ainda apontou que no período da ditadura foram registradas mortes de militares e pessoas sem ligação com grupos políticos, nos embates ocorridos à época, e "todas as vidas são importantes e todas devem ser protegidas". Foram acusados na denúncia rejeitada pela Justiça o ex-comandante do DOI, Audir Santos Maciel, os ex-agentes Tamotu Nakao, Edevarde José, Alfredo Umeda e Antonio José Nocete, o perito Ernesto Eleutério e o legista José Antonio de Mello.
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