segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Quanto vale uma Dilma de branco, no discurso da vitória, ao lado de Ciro Nogueira, citado no escândalo do petrolão? Ou: De terno branco, com alma vermelha. Ou: Ainda não será desta vez que Dilma vai sentir falta do meu mel
A presidente reeleita, Dilma Rousseff, resolveu tirar o terninho vermelho de campanha e de debates. Em seu lugar, vestiu o branco. Há a hora do Falcão e a hora da pomba. No discurso da vitória, falou em nome da paz. Cumprimentou todos os parceiros de jornada, com salamaleques especiais a Lula — nem poderia ser diferente. Entre os presentes, Ciro Nogueira, o presidente do PP, citado no escândalo do petrolão. No discurso, aquela que, segundo Alberto Youssef, sabia das vigarices na Petrobras, prometeu combater a corrupção. Ciro Nogueira aplaudiu com entusiasmo. Dilma negou que o País esteja dividido, rachado ao meio — embora ela saiba que está. Venceu a eleição com pouco mais da metade dos votos válidos, numa disputa em que 27,44% dos eleitores se negaram a sufragar um nome: 1,71% dos votantes decidiram pelo branco; 4,63%, pelos nulos, e 21,1% se ausentaram. De fato, ela é presidente por vontade de 38% dos eleitores aptos a participar do pleito. É bem menos do que a metade. É a reeleita legítima, mas isso não muda os números. Assim, cumpre que Dilma busque ganhar a confiança não apenas dos 51.041.155 que votaram em Aécio Neves, mas também dos 32.277.085 que não quiseram votar em ninguém. Juntos, eles são 83.100.453, bem mais do que os 54.501.118 que a escolheram. Neste blog, eu adverti várias vezes para esse fato, não é mesmo? Critiquei severamente a campanha suja movida pelo PT porque ela acabaria deixando um rastro de ressentimentos, de rancor. No discurso da vitória, leiam a íntegra abaixo, Dilma afirma, por exemplo: “Toda eleição tem que ser vista como forma pacífica e segura. Toda eleição é uma forma de mudança. Principalmente para nós que vivemos em uma das maiores democracias do mundo". Pois é. Posso concordar em parte ao menos, embora, de fato, nas democracias, eleições signifiquem, antes de mais nada, conservação de um método: recorre-se às urnas para decidir quem governará o país. Mas sigamos. Quando o PT e Dilma transformaram os adversários em verdadeiros satãs, que fariam o país recuar nas conquistas sociais; quando os acusaram de representantes de “fantasmas do passado” — sim, essa expressão foi empregada; quando lhes atribuíram um passado que não tiveram e intenção que não teriam, será que a presidente e seu partido expressavam, de fato, fé na democracia? Quando a chefe da nação, ainda que nas vestes da candidata, investe contra um veículo de comunicação que apenas cumpriu o seu dever, estimulando milicianos a atacar uma empresa jornalística, onde estava essa Dilma que agora veste o branco? Quando Lula comparou os opositores do PT a nazistas, acusando-os de golpistas, onde estava o PT da paz e do entendimento? “Ah, mas Aécio Neves não criticou Dilma?” É certo que sim! Mas nunca deixou de reconhecer avanços nas gestões petistas. Uma coisa é criticar a condução de políticas; outra, distinta, é acusar o adversário de articular, de forma deliberada, o mal do País. A fala pacificadora de Dilma não me convence — até porque Gilberto Carvalho, seu secretário-geral da Presidência, quase ao mesmo tempo, falava uma linguagem de guerra. Tratarei dele em outra oportunidade. E não me convence por quê? Porque Dilma afirmou que a principal e mais urgente tarefa de seu governo é a reforma política. Ainda voltarei muitas vezes a esse assunto. Mas a tese é falaciosa. Diz a presidente reeleita que pretende conduzir o debate por meio de plebiscito — para que e com que pergunta? Em debates na TV, expressou o entendimento absurdo de que o mal essencial do nosso sistema está no financiamento de campanhas por empresas. Errado! O mal essencial no que diz respeito ao Estado está no aparelhamento do bem público em favor de partidos e camarilhas. Ou não vimos um agente do petismo, disfarçado de presidente da Agência Nacional de Águas, a fazer proselitismo eleitoral em São Paulo de maneira descarada? Ignorar a crise de fundamentos — para ser genérico — que hoje assola a economia brasileira e que deixa o país sem perspectiva de futuro para brincar de plebiscito, constituinte exclusiva, como ela já defendeu, e reforma política corresponde a apagar incêndio com gasolina. Dilma não tenha a ilusão de que gozará de um período de lua de mel. Com ou sem razão, espero que sem (e também sobre isso falarei em outra ocasião), naquelas partes do Brasil em que pouco se olha quem sobe ou desce a rampa, desconfia-se até da inviolabilidade das urnas eleitorais. Se a dita reforma política vai ser o seu “chamamento à união”, então, posso afirmar, com pouca chance de errar, que ela está é querendo provocar ainda mais conflitos. Não adianta vestir um terninho branco quando a alma segue vermelha, governanta. Em seu discurso, Dilma insiste que o Brasil votou para mudar — é, talvez para que o governo mude os métodos. No que concerne às instituições, o voto crescente é para “conservar” — no caso, conservar instituições. Espero que também as oposições se deem conta disso e não tergiversem, como já fizeram no passado, na defesa dos fundamentos da democracia representativa. No que me diz respeito, é preciso bem mais do que um terninho branco para me comover. Ademais, sigo a máxima de que um indivíduo se dá a conhecer muito mais por seus atos do que por suas palavras. As palavras recentes da presidente-candidata estimularam uma milícia de vagabundos a atacar uma empresa de comunicação. Por enquanto, não tem a minha simpatia nem meu voto pessoal de confiança — sei que é irrelevante para ela, mas é meu, e dele, cuido eu. E também não consigo imaginar que alguém que proponha constituinte exclusiva para fazer reforma política esteja com boa intenção. Bondade assim, já vi antes na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Ainda não será desta vez que Dilma vai sentir falta do meu mel. Por Reinaldo Azevedo
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