Na última quinta-feira, a candidata do PSB à Presidência fez a VEJA seu balanço de uma campanha que ela diz ser dominada pelo "marketing selvagem"
Thais Oyama e Carlos Graieb
A candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva: "Eu só quero um mandato" (Marcos Michael/VEJA)
"Eu peço a Deus que Lula ajude o PT a sair dessa lógica dos aloprados"
Há pouco mais de um mês, a trágica morte do ex-governador Eduardo Campos em um acidente aéreo mudou o curso da campanha presidencial e fez com que as eleições de 2014 se tornassem as mais imprevisíveis desde a redemocratização do país. O imponderável lançou na disputa a ex-senadora Marina Silva, vice na chapa de Campos, que filiou-se ao PSB porque seu partido, a Rede Sustentabilidade, foi barrado pela Justiça Eleitoral. Segundo os institutos de pesquisa, Marina entrou na campanha há exatos 37 dias com índice de intenção de votos pouco acima do que obteve nas urnas há quatro anos – 19,33% dos votos válidos. Se na largada o porcentual de votos de Marina já era mais do que o dobro do que Campos atingia, nos dez dias seguintes ela deu um salto e colou na petista Dilma Rousseff, candidata à reeleição — superando-a, aliás, nas sondagens para o segundo turno. A reação da máquina petista foi imediata: Marina Silva passou a enfrentar bombardeio diário e foi alvo do discurso do medo que o Partido dos Trabalhadores aprendeu a usar sem moderação. A arrancada de Marina foi detida. Em entrevista a VEJA na última quinta-feira, ela fez um balanço da campanha, disse estar "estarrecida" diante das operações do "marketing selvagem" falou, num misto de mágoa e cálculo político, de sua relação com o ex-presidente Lula.
A senhora passou a maior parte de sua vida política no PT. Nesta campanha, vem sendo alvo de ataques muito pesados por parte da sigla. Isso a pegou de surpresa? Sim, isso me chocou um pouco. Acho que ninguém esperava esse marketing selvagem, que não tem nenhuma mediação dos valores e da ética. Todo mundo ficou um pouco assustado. A gente já viu isso no passado. O Collor ganhou uma eleição dizendo aberrações contra o Lula. Nos rincões do Brasil o que faziam circular era que o Lula tiraria um quarto de quem tinha dois, uma galinha de quem tinha duas, que ele iria confiscar as Bíblias de quem acreditava em Deus. Agora está acontecendo algo parecido, mas com sinal inverso. Dizem que se eu for eleita todo mundo vai ser obrigado a seguir a minha fé, o que contradiz toda a minha história como cristã. E depois dizem que eu vou acabar com o Bolsa Família, com o pré-sal, com a transposição do rio São Francisco – até com o direito a férias e ao décimo terceiro. Falam como seu eu fosse uma exterminadora do futuro. É uma nuvem de fumaça para impedir que as pessoas percebam que é o nosso presente que está sendo ameaçado com a volta da inflação, com os juros altos, com a corrupção.
Qual ataque lhe pareceu mais truculento? É uma nuvem de mentiras e boatos. Mas o que me deixa mais estarrecida é que esse tipo de marketing não desqualifica apenas a mim, ele também desqualifica a nossa história coletiva, aquilo que a sociedade brasileira conquistou e institucionalizou nas últimas décadas. O Brasil não é uma república de papel. Nós temos instituições que foram conquistadas a duras penas. Quando você diz que tudo isso pode ser retirado da mesa num passe de mágica, está fazendo pouco de todos nós. É difícil lutar contra essas coisas quando o adversário tem tantos recursos para fazer campanha. Mas eu me apego a duas coisas. Primeiro, conto com o discernimento da sociedade. Depois, me apego ao exemplo de pessoas muito maiores que eu. Os algozes de Nelson Mandela o puseram numa cadeia por mais de 25 anos. Hoje, todo mundo sabem quem era Mandela, e o nome de quem o oprimiu é que leva uma mancha. Martin Luther King era Martin Luther King, Gandhi era Gandhi. Eu tento me inspirar nessas pessoas.
E no ex-presidente Lula? Não mais? Eu peço a Deus que Lula ajude o PT a sair dessa lógica dos aloprados.
Mas Lula é o grande líder do PT. Sua influência é enorme no partido e naquilo que a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff põe nas ruas. O Lula não pode ser tragado pelo PT pragmático. O PT das origens não pode permitir que esse PT pragmático trague o Lula.
A senhora, então, não perdeu a confiança nele. Eu faço a aeróbica do bem.
O que é isso? É fortalecer a musculatura boa. É acreditar, mas não ingenuamente. Quem ajudou a tirar 40 milhões de pessoas da miséria, e esse é o legado do Lula, não pode ser visto como uma fraude. Da mesma forma que alguém que ajudou a tirar o país da inflação galopante, como o Fernando Henrique Cardoso, não pode ser esquecido – embora o próprio PSDB, por muito tempo, não tenha ressaltado toda a contribuição do seu político de maior renome. Desde 2010 eu falo dos dois legados, e digo que nós queremos governar com os melhores dos dois partidos.
A senhora está dizendo que institucionalmente é bom para o país preservar esses personagens, esses dois ex-presidentes que foram importantes, ou a senhora está dizendo que acha que o Lula pessoalmente não tem nada a ver com os rumos da campanha presidencial? Eu quero que Lula e Fernando Henrique voltem a ser sujeitos da nossa história. Eles, que tiveram de pagar o preço de ser tutelados pela Velha República, que voltem à cena política brasileira para estabelecer a contribuição da Nova República. É isso que eles devem fazer. Nós temos de entender que há algo de sério acontecendo no Brasil. A sociedade brasileira avançou muito mais que os partidos, que as lideranças. A sociedade está à frente. Por vinte anos as pessoas esperaram que a política mudasse. Agora, ela resolveu mudar os políticos. Mas o novo sempre se estabelece em cima de algo que já existia. As sociedades avançam quando são capazes de institucionalizar suas conquistas. Quando tudo é fulanizado, partidarizado, não se vai a lugar nenhum. O Lula fez um gesto, manteve o Plano Real, o principal legado do governo FHC. Quem vier agora tem de manter o legado da inclusão social, mas também abordar o novo desafio, que é o de recuperar a credibilidade para as instituições políticas. E para isso é mais fácil conversar com Lula e Fernando Henrique, por suas histórias, do que com Sarney e outros que incorporam e sustentam as velhas práticas.
A senhora e o ex-presidente Lula se falaram neste último mês? Não.
É sabido que a senhora tem uma ligação afetiva muito forte com o Lula. É verdade que sua filha Moara recebeu esse nome em homenagem a ele? Moara significa liberdade em tupi-guarani. Era o nome de um jornalzinho estudantil da minha juventude. Eu decidi dar esse nome à minha filha durante um voo num monomotor minúsculo, durante a campanha presidencial do Lula contra o Collor. Eu estava apertada entre duas pessoas, com um barrigão enorme de grávida, e o bebê não parava de chutar. Alguém disse, para aliviar a tensão: "Essa menina gosta de voar". Eu escolhi o nome naquela hora, e foi, sim, uma homenagem ao Lula, porque aquela campanha foi muito dura, havia muitos ataques. Mas, independentemente disso, eu não sou uma pessoa que quer reescrever a história. Eu vou continuar falando das pessoas que admirei no passado com admiração, mesmo que elas possam ter me decepcionado no presente, algumas delas.
As pontes com o PSDB não estão sendo dinamitadas nesta campanha, tanto pelo lado da candidatura Aécio Neves quanto pelo seu lado, que rejeita a aproximação com lideranças importantes do partido? Quando eu trago a cena o legado do PT e do PSDB, essa é a melhor ponte para o diálogo. São eles que estão vocalizando desconstruções e preconceitos contra mim. Eu queria debater programas, mas nem Dilma nem Aécio apresentaram os programas deles. Como eles não têm programa, estão atacando como estratégia de defesa. É um modo de não chamar atenção para esse grave problema, que é ser candidato sem ter programa.
A senhora tem dito que quer somente um mandato. É possível implementar o seu programa em quatro anos? E se medidas importantes estiverem inconclusas? Quatro anos é o suficiente para começar.
A senhora, então, só quer começar? Eu só quero um mandato. Quem disse que eu sou a única que pode implementar nosso programa? PT e PSDB tinham projetos de vinte anos. Veja o que aconteceu. A alternância de poder é fundamental e um mandato é suficiente para você dar sua contribuição.
O compromisso dos quatro anos, então, está escrito na pedra. Sim. São quatro anos. E a sociedade vai decidir se depois disso continua o PSB, a Rede, o PT, o PSDB. O que eu quero é reabrir o diálogo político num Brasil que está cindido.
A senhora às vezes fala dos movimentos sociais como se fossem entes puros. Mas muitos deles vivem numa simbiose clara com os partidos fortes, o PT especialmente. Eles se deixam cooptar e estão satisfeitos com isso. A senhora não idealiza demais esses movimentos? Há dois extremos que não são bons. Um, é o que deixa os movimentos sociais à margem, como fez o PSDB. O outro, é o de cooptá-los, como fez o PT. Os movimentos sociais são importantes. Eles trazem contribuições relevantes para a democracia. Não existe governo onipotente, onipresente, onisciente, capaz de enxergar tudo e de acoplar todos os movimentos sociais a si. O que nós defendemos é a liberdade para essas entidades, independentemente do seu alinhamento ideológico. Isso vale também para governantes em todas as esferas da administração. A ideia mesquinha de que um político eleito pelas suas convicções ideológicas tem de ficar à míngua porque não é do meu grupo tem de ser abandonada. Nós vamos trabalhar com os prefeitos e governadores legitimamente eleitos.
A senhora entrou nesta campanha com um capital de 26% de votos, e continua mais ou menos nesse patamar. Como dar um salto com a estrutura de que a sua coligação dispõe?Em 2010 eu entrei com 12% e terminei com 19, quase 20%. É possível dar esses saltos, já aconteceu. A Dilma e o Aécio têm estruturas fenomenais, ela em especial. Mas mesmo assim eu estou em primeiro lugar no Rio de Janeiro, em São Paulo, em praças muito importantes. Há um brasileiro que encontra nas nossas propostas aquilo que está procurando. Porque a nova política está aí, quer queiram, quer não queiram.
Mas permanece o fato de que seu capital eleitoral não cresceu neste mês de campanha. Sua coligação dispõe das armas necessárias para blindá-la dos ataques e, ao mesmo tempo, fazer sua mensagem chegar ao eleitor que ainda está indeciso? Se for amadorístico se orientar pelos valores e não dizer qualquer coisa dos adversários, então nós vamos continuar sendo amadores. O marketing é uma ferramenta. A sociedade não pode votar no marqueteiro, não é ele que vai governar. Eu tomei uma decisão: vou ganhar ganhando, não vou ganhar perdendo, ou seja, fazendo o mau combate.
E perder ganhando, a senhora quer? Eu vou ganhar ganhando. Quem vai perder perdendo são aqueles que lançam mão de qualquer arma. É a pior forma de perder.
Passado pouco mais de um mês, a morte de Eduardo Campos, que a tirou da condição de vice para encabeçar a chapa do PSB, lança alguma sombra sobre a sua campanha? Mais do que qualquer ataque, a parte mais difícil da campanha foi a morte do Eduardo. Porque você não tem como se preparar para o imponderável. O nosso projeto já estava em andamento fazia dez meses. Eu já havia aberto mão completamente do papel de protagonista. Toda a nossa narrativa tinha a ver com a liderança do Eduardo, com as experiências do Eduardo e, sim, com o partido de Eduardo, o PSB, com sua história de sessenta anos. Felizmente, havia um polo estabilizador para a nossa aliança, que era o programa político. Ele contemplava as propostas da Rede, que são aprofundar a democracia, manter as conquistas institucionais corrigindo os erros e encarar o desafio de um novo modelo econômico que não vire as costas para a questão da sustentabilidade. Isso permitiu que eu voltasse ao centro da batalha.
Como a senhora ficou sabendo da morte de Eduardo Campos? Nós nos vimos pela última vez na noite anterior ao acidente, no Rio de Janeiro. Em vez de embarcar com ele para um compromisso em Santos, eu voltei diretamente para a minha casa em São Paulo, porque tinha de gravar programas de campanha à tarde. Havia várias pessoas comigo, assessores, gente da família. Primeiro veio a notícia de que um avião tinha caído em Santos. Ficamos todos impactados, começamos a ligar para o Eduardo e os outros que estavam com ele, porque sabíamos que o voo já devia ter chegado. Alguém conseguiu falar com o Rodrigo Molina [secretário particular de Campos] e houve um momento de alívio, até percebermos que ele não estava no avião, havia retornado a Pernambuco em companhia de Renata, da mulher de Eduardo. Depois surgiu a imagem de um helicóptero acidentado, e foi outro suspiro de alívio. Eu pensei comigo: “Como nós somos egoístas, eu aqui alegre porque não foram os nossos amigos, mas houve gente que morreu.” Mas isso também durou pouco, porque obtivemos a confirmação de que o prefixo da aeronave acidentada era o mesmo do avião do Eduardo. A primeira coisa que eu disse foi: “Meu Deus, e a Renata?” Porque eles eram unidos demais, eles eram siameses. Passaram dias antes de eu falar com ela. Foi só no sábado. Eu pensava, se essa mulher desmoronar, tudo à nossa volta desmorona junto com ela. Mas quando eu finalmente consegui falar com ela, tentando balbuciar alguma palavra de força, ela estava tão inteira que foi o contrário que aconteceu. Ela começou a nos dar força. Com isso começamos a nos reagrupar.
Como está sendo esta campanha para sua família? Meus filhos já são adultos, e todos cresceram me vendo fazer o bom combate. Os mais velhos, quando eu ainda vivia no Acre, passaram muitos momentos de apreensão quando eu saía de casa de ônibus para me envolver na política. Para eles, me ver diante de qualquer situação é fácil. Eles me conhecem, e é muito bom ver quem te conhece redobrar a aposta em você diante de cada mentira ou ataque. Meus filhos são testemunhas vivas de que o que nós dizemos é o que nós vivemos.
Uma das suas filhas é estudante de jornalismo. O que a senhora diz a ela sobre liberdade de imprensa? Liberdade de imprensa é para falar a verdade, e que os seus leitores tirem suas conclusões dos fatos que você corretamente apurar. Digo a ela também que quando der uma opinião, que seja a sua opinião de fato.
Quais, a seu ver, são as palavras que melhor a definem neste momento? Fé e determinação. A fé para remover as montanhas que eu não tenho como escalar, e a determinação para escalar todas as montanhas que eu não devo transferir para a fé.
A perspectiva de ocupar um desafio tão grande quanto a presidência lhe dá algum medo?Meu compromisso é maior que qualquer medo que eu possa sentir. Mas uma pessoa que não tenha medo deve ser internada, porque é louca. O medo é uma defesa natural contra os perigos.
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