Que coisa! Que quadra melancólica! Caetano Veloso voltou, em seu artigo dominical no Globo, à questão das biografias. Quanto mais escreve, mais se enrola. Quanto mais fala a respeito, menos claro se torna. Quanto mais tenta se explicar, mais evidencia que não sabe como sair do buraco em que se meteu. Querendo ou não — e ele já é maduro o bastante para saber que as palavras fazem sentido —, acabou revelando a real motivação de Chico Buarque nessa história toda. Transcrevo um trecho do artigo:
“A questão das biografias sempre foi essencial para Chico. Se entendi bem, ele tem mais interesse nisso do que em Ecad ou Procure Saber. Qualquer insinuação de barganha com Roberto Carlos para que este apoiasse as mudanças na gestão coletiva da arrecadação de direitos é injusta com todos nós — mas principalmente com Chico. O respeito à vida privada das pessoas — que é o que move Pedro Cardoso em suas falas públicas — sempre foi um tema que Chico teve no coração e externou em falas definidas. O próprio Chico chamou a atenção da Procure Saber para o fato de que a tomada de posição em conjunto poderia causar problemas de princípios para algum ou alguns de nós. Quem informa colunas de fofoca nem sempre sabe o que é dito nas reuniões. Eis o que me diz agora Chico: ‘Mais que a questão da privacidade do Roberto Carlos, eu queria tomar partido dele contra os ataques da imprensa estes anos todos. Também apanhei sozinho de toda a imprensa, 20 anos atrás, por ter criticado a crítica musical do país. Fui por isso chamado de censor, autoritário e até de stalinista. Desta vez, pelo menos, tive o prazer de falar no GLOBO, sem contestação, da censura espontânea da TV Globo nos anos 70.’ (…)”
Retomo
Quem conhece o meio assegura que Chico Buarque sabe cuidar do rico dinheirinho como poucos. É… Forço aqui a memória e constato que sua solidariedade com os oprimidos da Terra ou vítimas de catástrofes sempre se dá pela via de manifestos, abaixo-assinados, declarações — e, como se sabe, por meio de metáforas. É isto: Chico é mesmo um homem generoso, perdulário até, mas na profusão de metáforas e nas promessas de que “amanhã vai ser outro dia”. Um “outro dia” que, no seu universo utópico, santo Deus!, já chegou para Cuba ou para Angola, por exemplo. O primeiro país é um dos mais autoritários do mundo; o outro, um dos mais corruptos (ver post sobre um artigo do jornalista José Casado, publicado em “O Globo”). Isso à parte, Chico não é de sair por aí dando trinados em shows de solidariedade. Não acho que isso seja uma obrigação, deixo bem claro. Quem gosta de artista cantando de graça é Pablo Capilé, o amigo de Caetano Veloso, não eu. Mas sigamos.
Quem conhece o meio assegura que Chico Buarque sabe cuidar do rico dinheirinho como poucos. É… Forço aqui a memória e constato que sua solidariedade com os oprimidos da Terra ou vítimas de catástrofes sempre se dá pela via de manifestos, abaixo-assinados, declarações — e, como se sabe, por meio de metáforas. É isto: Chico é mesmo um homem generoso, perdulário até, mas na profusão de metáforas e nas promessas de que “amanhã vai ser outro dia”. Um “outro dia” que, no seu universo utópico, santo Deus!, já chegou para Cuba ou para Angola, por exemplo. O primeiro país é um dos mais autoritários do mundo; o outro, um dos mais corruptos (ver post sobre um artigo do jornalista José Casado, publicado em “O Globo”). Isso à parte, Chico não é de sair por aí dando trinados em shows de solidariedade. Não acho que isso seja uma obrigação, deixo bem claro. Quem gosta de artista cantando de graça é Pablo Capilé, o amigo de Caetano Veloso, não eu. Mas sigamos.
Caetano assegura que os artistas pró-censura não fizeram troca nenhuma com Roberto Carlos. Ou por outra: o “velho baiano” (segundo sua própria definição) jura que “não foi pelos 20 centavos”. Bem, então foi mesmo pelo ânimo de censurar. Releiam o parágrafo. Segundo diz o cantor, de tal sorte Chico sabia o que estava a defender que anteviu as reações negativas. Tinha, portanto, plena consciência do ponto de vista que estava adotado e de suas possíveis consequências.
E tudo por quê? Segundo se entende ali, porque Chico estava que era um “pote até aqui de mágoas”. Vinte anos depois, decidiu ser didático com aqueles que teriam reagido mal ao fato de ele ter “criticado a crítica”… Heeeinnn? Trinta e poucos anos depois, estaria reagindo ao fato de a Globo supostamente tê-lo banido de sua tela. Heeeinnn? Observem que Caetano, colunista de o Globo, também embarca na onda contra a emissora, permanentemente alimentada por extremistas e oportunistas. REITERO UM PONTO DE VISTA NESTA NOTA À MARGEM: não há, no mundo democrático, nenhuma emissora do porte da Globo que seja tão “progressista”, que esteja tão à esquerda. Até depredadores de laboratório, que destroem pesquisas com remédios contra o câncer, são tratados como pessoas respeitáveis, a exemplo do que se viu neste domingo no Fantástico.
Atenção, leitor!
Digamos que tudo fosse verdade. Digamos que Chico fosse realmente um artista muito maltratado pela imprensa. Digamos que a Globo o tivesse mesmo banido — não o contratando a peso de ouro em 1986, em companhia de Caetano, para uma série de programas… Digamos tudo isso! Pergunto: as questões pessoais de Chico Buarque e de Roberto Carlos são motivos fortes o bastante para que se passe a defender a censura prévia? Se há artista que não pode reclamar da imprensa e da crítica, convenham, é Chico Buarque — foi e tem sido mais protegido e mais paparicado do que o próprio Caetano. Este, um logólatra, sempre despertou uma reação negativa ou outra — tímidas, é verdade. O seu não engajamento explícito nas teses de esquerda lhe custou, em determinada fase, certa hostilidade. Mas isso é coisa do tempo do onça. É espantoso, é estupefaciente, é mesmo inacreditável que Chico, segundo revela Caetano, tenha uma visão ressentida da crítica. Deus do Céu! Tome-se sua obra literária de estreia, um troço ridículo chamado “Fazenda Modelo”. Tratava-se de uma tentativa canhestra de criar um “Animal Farm” com sinal invertido. Se George Orwell fazia uma crítica devastadora e genial ao comunismo, o nosso “poeta” decidiu demolir, de maneira patética, o capitalismo — esse rapaz nunca foi modesto, o que não é um mal em si — desde que o resultado se apresente. Nunca ninguém disse um “a” de negativo sobre esse livro e os outros. Muito pelo contrário. Ele foi “tornado” (se me permitem a construção estranha) o nosso maior “poeta”, o nosso maior “prosador”, o nosso maior “pensador”, o nosso “maior qualquer coisa boa que se queira”… Por ele suspiravam as moças — no tempo em que moças suspiravam. Ainda hoje, numa idade em que é normal se esperar mais sabedoria do que sex appeal, é o oráculo dos olhos verdes. Inteligente, bonito, talentoso, progressista, oracular e, como se sabe, “pegador”. Sem querer parecer fescenino, o que a crítica e o jornalismo deixaram de dar a Chico Buarque??? Em alguns casos, não faltou nada, nem a honra…
Digamos que tudo fosse verdade. Digamos que Chico fosse realmente um artista muito maltratado pela imprensa. Digamos que a Globo o tivesse mesmo banido — não o contratando a peso de ouro em 1986, em companhia de Caetano, para uma série de programas… Digamos tudo isso! Pergunto: as questões pessoais de Chico Buarque e de Roberto Carlos são motivos fortes o bastante para que se passe a defender a censura prévia? Se há artista que não pode reclamar da imprensa e da crítica, convenham, é Chico Buarque — foi e tem sido mais protegido e mais paparicado do que o próprio Caetano. Este, um logólatra, sempre despertou uma reação negativa ou outra — tímidas, é verdade. O seu não engajamento explícito nas teses de esquerda lhe custou, em determinada fase, certa hostilidade. Mas isso é coisa do tempo do onça. É espantoso, é estupefaciente, é mesmo inacreditável que Chico, segundo revela Caetano, tenha uma visão ressentida da crítica. Deus do Céu! Tome-se sua obra literária de estreia, um troço ridículo chamado “Fazenda Modelo”. Tratava-se de uma tentativa canhestra de criar um “Animal Farm” com sinal invertido. Se George Orwell fazia uma crítica devastadora e genial ao comunismo, o nosso “poeta” decidiu demolir, de maneira patética, o capitalismo — esse rapaz nunca foi modesto, o que não é um mal em si — desde que o resultado se apresente. Nunca ninguém disse um “a” de negativo sobre esse livro e os outros. Muito pelo contrário. Ele foi “tornado” (se me permitem a construção estranha) o nosso maior “poeta”, o nosso maior “prosador”, o nosso maior “pensador”, o nosso “maior qualquer coisa boa que se queira”… Por ele suspiravam as moças — no tempo em que moças suspiravam. Ainda hoje, numa idade em que é normal se esperar mais sabedoria do que sex appeal, é o oráculo dos olhos verdes. Inteligente, bonito, talentoso, progressista, oracular e, como se sabe, “pegador”. Sem querer parecer fescenino, o que a crítica e o jornalismo deixaram de dar a Chico Buarque??? Em alguns casos, não faltou nada, nem a honra…
E Caetano agora nos conta que Chico nem assim se contenta? Está em Paris escrevendo um livro novo, ficamos sabendo. Poderia ironizar aqui e dizer que o alarido dos nativos incomoda a profundidade do seu pensamento, mas soaria um tanto ressentido, né? Afinal, estou com Sêneca, e acho que o homem leva sempre o seu espírito, qualquer que seja o céu que o cubra. Já antevejo o lead dos críticos cuidadosamente escolhidos. Serão variações em torno do óbvio: “Chico pode emitir opiniões incômodas sobre biografias e direito à privacidade, mas o escritor que há nele se exacerba mais uma vez num livro em que a prosa fina e precisa revela…”. Seja lá o que revele, meu caro leitor, será, como sempre, um novo umbral da literatura. Lembro que houve quem considerasse “genial” (isto é: coisa de gênio) a letra “Mulher sem Orifício”…
Paula Lavigne
Caetano também se refere ao já lendário desempenho de Paula Lavigne no programa “Saia Justa”. Escreve:
“(…)
Os xingamentos e as distorções não podem esconder o fato de que sua beleza, seu carisma e sua sinceridade deram vida ao programa de TV a que foi. E que é sua coragem que a leva a pôr a cara a tapa. Nossos erros foram pescados e artificialmente conectados para nos desqualificar. Mas ela e eu, com nossos problemas privados, podemos ser força pública útil, mesmo em desacordo sobre o centro da discussão. (…)”
Caetano também se refere ao já lendário desempenho de Paula Lavigne no programa “Saia Justa”. Escreve:
“(…)
Os xingamentos e as distorções não podem esconder o fato de que sua beleza, seu carisma e sua sinceridade deram vida ao programa de TV a que foi. E que é sua coragem que a leva a pôr a cara a tapa. Nossos erros foram pescados e artificialmente conectados para nos desqualificar. Mas ela e eu, com nossos problemas privados, podemos ser força pública útil, mesmo em desacordo sobre o centro da discussão. (…)”
Eu aprecio pessoas que dão a cara ao tapa. É claro que sempre é necessário ver qual é a causa em nome da qual se tornam tão salientes e quais são os instrumentos de luta. Caetano já se manifestou algumas vezes a respeito e ainda não disse — como Paula não disse — quais são as ditas “distorções”. Ora, dar, de verdade, a cara ao tapa, nesse caso, seria defender, explicitamente, que os artistas estivessem protegidos de biografias por uma lei de exceção, que só valesse para eles. É claro que eu seria contra, mas me parece que seria mais corajoso e honesto. É uma questão análoga, na estrutura (o conteúdo é absolutamente distinto), ao debate sobre a legalização do aborto. É claro que me oponho ao mérito, como sabem. Como argumentador, enfrentando outros argumentadores, o que me incomoda em certos adversários é a trapaça intelectual. Ora, tenha a coragem, então, de dizer o que realmente pensam: enquanto o feto está no corpo da mulher, é um penduricalho dela. E fim de papo. Se ela quiser se livrar dele, que o faça. Acho uma barbaridade, sim, e lutarei contra até a última vírgula, mas avalio ser preferível esse ponto de vista ao daqueles que ficam especulando se é vida ou não, se sente dor ou não, se já é gente ou não… Porque sabem que, no fundo, defendem a morte, esforçam-se para transformar o feto em “coisa” para que fique mais fácil pregar o seu descarte. Assim, repudiando a tese, prefiro os que dão “a cara ao tapa”… Caetano, Chico, Paula — a “bela e carismática” — dizem não querer censurar a história do Brasil. Mas como fazer? Se o Artigo 20 do Código Civil for considerado pelo Supremo compatível com a Constituição, é o que vai acontecer. A única saída, então, para esses valentes é reivindicar a exceção: liberem-se as biografias, menos a dos artistas. Se Caetano Veloso e Chico Buarque enxergam um outro caminho, então digam.
Ah, Caetano…
O “velho baiano” reclama ainda:
“Sintomático que justo eu apareça com tanta frequência nas arengas. E que tudo tenha afinal caído sobre Paula Lavigne. Paula foi escolhida pelos conselheiros por causa de sua capacidade de fazer as coisas andarem. Não está ali por ser minha empresária ou por ter sido minha mulher. É quase apesar disso.”
O “velho baiano” reclama ainda:
“Sintomático que justo eu apareça com tanta frequência nas arengas. E que tudo tenha afinal caído sobre Paula Lavigne. Paula foi escolhida pelos conselheiros por causa de sua capacidade de fazer as coisas andarem. Não está ali por ser minha empresária ou por ter sido minha mulher. É quase apesar disso.”
Ah, eis aí o Caetano de sempre. Chama para si os holofotes — defende a censura, posa de black bloc, assina manifesto em favor dos grevistas do PSOL fantasiados de professores; escreve semanalmente sobre política — e depois diz ser “sintomático” que ele “apareça com tanta frequência nas arengas”… Não por acaso, e isto também é muito sintomático, a coisa se dá quando está com show novo e, parece, CD novo… Vai ver isso tudo também é mais uma prova da eficiência de sua empresária: Paula Lavigne. Afinal, convenham, Caetano andava um tanto fora do circuito. Voltou com tudo. Ele sabe que há um jeito de não ser personagem das arengas… Mas ele quer? Os dois mais laureados artistas brasileiros, que estão numa patamar, em muitos aspectos, superior ao de Roberto Carlos (para o qual muita gente torce o nariz; às vezes, com razão; às vezes, sem), reclamam de uma imprensa e de uma crítica que, para dizer pouco, sempre os trataram — e os tratam ainda — com subserviência. Se alguém se atreve a criticá-los por isso ou por aquilo (incluindo a defesa da censura), pesa sobre esse crítico a suspeita da inveja, do ressentimento e do, como é mesmo?, viés “reacionário”. Isso é que é cuspir no prato em que se come. Mas sabem o que fazem. Aqui e ali já vejo gente achando que há certo exagero nessa história toda, com crise de abstinência: não vê a hora de voltar a tratá-los como gênios da raça, acima das “arengas” meramente humanas. Para citar um exemplo e pôr o ponto final, Marcelo Rubens Paiva conseguiu escrever um texto no Estadão contra a censura sem citar o nome das duas estrelas. Mas deu um jeito de atacar este “blogueiro”. Faz ou não faz sentido? Bem pensado, acho mesmo que devemos todos ser gratos a Paula, Caetano, Chico… Tudo está claro a mais não poder. Por Reinaldo Azevedo
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