2.4. Sobre o exame dos pedidos de liminar. Reconhecendo a presença da inequívoca verossimilhança do direito e o perigo na demora, este juízo examina cada uma das providências liminares requeridas pela associação-autora (fls. 57-58) e Ministério Público Federal (fls. 1133-1135):
2.4.1. Sobre o pedido de embargo judicial da obra e suspensão de todas as licenças expedidas (item V-a-1 de fls. 57; item IX-a e IX-c de fls. 1133-v), a liminar deve ser deferida porque são irregulares o licenciamento ambiental e a instalação do empreendimento naquele local, não observando área de preservação permanente existente, não sendo precedidos de EIA/RIMA, e não adotando providências eficazes para preservação daquele ecossistema, da vegetação nativa e fauna silvestre, como examinado nesta decisão.
Defiro liminar para: (A) determinar o imediato embargo judicial do empreendimento Playa Vista, no município de Xangri-lá; (B) determinar a imediata suspensão das licenças ambientais expedidas pela FEPAM em favor do empreendimento (LP 695/06 de fls. 130-131; LI 811/07 de fls. 784-786; LI 952/07 de fls. 162-164; e outras que nestas tenham se baseado) e de seus efeitos, nos termos desta decisão.
2.4.2. Sobre o pedido de interdição do empreendimento (item V-a-2 de fls. 57; item IX-b de fls. 1133-v), a liminar deve ser deferida porque não subsistem as licenças ambientais concedidas ao empreendimento e não pode prosseguir a implantação do condomínio sem observância da legislação ambiental vigente. Se as licenças ambientais não são regulares e a área é de preservação permanente, não é possível permitir construções ou edificações no local, salvo quanto àquilo que seja essencial e necessário à proteção das dunas.
Defiro liminar para: (C) determinar a imediata interdição do estabelecimento na área de preservação permanente que ali existe ou existia, seja quanto aos campos de dunas frontais, seja quanto à faixa marginal do curso d'água que existe ou existia no empreendimento antes da intervenção, determinando que o empreendedor se abstenha de realizar novas alterações ou intervenções na área, salvo quanto à manutenção das dunas conforme plano de manejo devidamente aprovado.
2.4.3. Sobre o pedido de notificação do Oficial do Registro de Imóveis (item V-a-3 de fls. 57; item IX-d de fls. 1133-v) e sobre o pedido de proibição da alienação de lotes do empreendimento (item V-a-4 de fls. 57; item IX-e de fls. 1133-v), a liminar deve ser deferida para evitar sejam comercializados lotes irregularmente construídos, uma vez que o licenciamento ambiental do empreendimento não foi regularmente realizado. Se não deferida essa providência quanto ao Registro de Imóveis, terceiros poderiam ser prejudicados com a aquisição de lotes no condomínio, assumindo responsabilidade que pertence ao empreendedor. Além disso, essas providências são consequência da interdição da construção na área de preservação permanente.
Defiro a liminar para: (D) determinar ao réu-empreendedor que se abstenha de negociar, comercializar, alienar, vender, prometer vender ou transferir o domínio ou posse dos lotes projetados sobre a área do empreendimento; (E) determinar ao réu-empreendedor que apresente no prazo da contestação a relação dos lotes que já tenham sido comercializados, com respectivos adquirentes (nome e endereço), data e valor de comercialização; (F) determinar ao Oficial de Registro de Imóveis de Capão da Canoa que se abstenha de registrar quaisquer aquisições ou compromissos de compra e venda relacionados ao empreendimento discutido (matrículas 66.643, 66.644 e respectivos desdobramentos).
2.4.4. Sobre o pedido de colocação de placas junto ao empreendimento (item V-a-5 de fls. 58; item IX-f de fls. 1134), a liminar deve ser deferida para dar ciência a eventuais interessados na aquisição de lotes que o empreendimento se encontra judicialmente embargado. Essa publicidade é essencial para evitar prejuízo a terceiros que tenham intenção de adquirir lotes naquele local, considerando que o licenciamento é irregular.
Defiro liminar para: (G) determinar ao réu-empreendedor que coloque pelo menos três placas (junto ao empreendimento, na Av. Paraguassu, uma placa no início do empreendimento, uma placa no final do empreendimento e outra placa no showroom do empreendimento), com dizeres em tamanho grande e legíveis à distância, informando que se trata de "área embargada por ordem da Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre no processo 2009.71.00.003729-8 - Proibido edificar, suprimir vegetação ou promover modificações no local - Área de preservação permanente", devendo o réu-empreendedor comprovar a colocação das placas no prazo da contestação e zelar pela permanência dessas placas enquanto persistir o embargo; (H) determinar ao réu-empreendedor que informe a existência deste processo e respectivas restrições, em todos os meios de comunicação e peças de publicidade em que divulgar o empreendimento.
2.4.5. Sobre o pedido de suspensão do licenciamento do empreendimento (itens IX-a, IX-b e IX-c de fls. 1134), a intervenção deste juízo por liminar deve se limitar ao essencial para cumprimento da legislação vigente e proteção ambiental. No caso, a suspensão das licenças ambientais e o embargo do empreendimento parecem suficientes para impedir que ampliação do dano ambiental já causado, ou que surjam construções e edificações no empreendimento, ou que os lotes sejam comercializados e transferidos para terceiros de boa-fé. As providências até agora deferidas são bastante gravosas para as atividades do réu-empreendedor, que vê frustrada a possibilidade de instalar e fazer operar o empreendimento que vinha irregularmente construindo. Não é necessário impedir que o réu-empreendedor, querendo e observando a legislação, regularize o licenciamento junto aos órgãos competentes. Do contrário, estariam paralisadas por completo as possibilidades do réu-empreendedor, enquanto não julgada definitivamente a ação civil pública. É mais prudente permitir que o empreendedor, se assim o quiser e se observar todos os requisitos legalmente vigentes (como reconhecido nesta decisão), possa regularizar o empreendimento sem precisar aguardar o trânsito em julgado desta ação civil pública. Obviamente, para regularizar o licenciamento, o réu-empreendedor deverá observar o que foi reconhecido nesta decisão, a saber: (a) as áreas de preservação permanente não podem sofrer intervenção e devem ser recuperadas ao estado anterior à intervenção do réu-empreendedor, inclusive quanto ao curso d'água discutido nesta ação; (b) o licenciamento ambiental deve ser feito novamente, precedido de EIA/RIMA, considerando os impactos do empreendimento e dos demais condomínios instalados na mesma área afetada pelo condomínio do réu; (c) o empreendedor deverá adotar todas as providências e cuidados necessários para proteção do ecossistema local, da fauna silvestre e da vegetação nativa, inclusive recuperando integralmente a situação anterior à intervenção no empreendimento; (d) o empreendedor deverá observar todos os demais requisitos, exigências e restrições da legislação vigente. Além disso, considerando que a intervenção do IBAMA é supletiva, considerando que o IBAMA também não adotou providências para prevenção e repressão às infrações ambientais havidas no local do empreendimento, e considerando que nada indica que a FEPAM (controlada de perto pelo Ministério Público Federal e prestando contas a este juízo) venha novamente desrespeitar a legislação vigente e proceder licenciamento irregular, não parece conveniente agora transferir o licenciamento do empreendimento para o IBAMA, como requerido pelo Ministério Público Federal (item IX-c de fls. 1134).
Indefiro os pedidos de liminar dos itens IX-a, IX-b e IX-c de fls. 1134, mantendo a possibilidade de regularização do licenciamento junto à FEPAM, desde que observadas as condições e restrições especificadas nesta decisão.
2.4.6. Sobre o pedido de intimação da CEEE e CORSAN (itens IX-h e IX-i de fls. 1135), a liminar deve ser deferida para impedir que sejam realizadas ligações de luz ou água no local do empreendimento, uma vez que a implantação do condomínio foi embargada judicialmente. Os motivos declinados pelo Ministério Público Federal nas recomendações encaminhadas a CORSAN e CEEE (fls. 1229-1234 e 1235-1242) são suficientes para indicar a conveniência no deferimento das providências, que irão garantir o adequado cumprimento da decisão nesta ação civil pública.
Defiro liminar para: (I) determinar a expedição de ofício à CEEE e à CORSAN para que não procedam novas ligações de luz e água no local do empreendimento.
2.4.7. Sobre a manutenção do manejo das dunas, como foi dito anteriormente, ainda que o empreendimento tenha sido embargado e a implantação do condomínio esteja suspensa, o réu-empreendedor continua responsável pela manutenção e manejo das dunas existentes no local, evitando que maiores danos sejam causados ao local e construções vizinhas. Embora não exista pedido expresso, fica implícito que o réu-empreendedor não pode abandonar o empreendimento, deixando sem adequado manejo as dunas em que interferiu. É conveniente que essa responsabilidade fique explicitada, afastando qualquer dúvida sobre a responsabilidade quanto à manutenção das dunas. Obviamente que a ação do réu-empreendedor deve estar devidamente licenciada junto aos órgãos competentes, cabendo à União e ao IBAMA indicar providências complementares que devam ser implantadas pelo réu-empreendedor, na forma da legislação vigente. É conveniente então este juízo (J) reconhecer a responsabilidade do réu-empreendedor pela manutenção e preservação da área de dunas, cabendo-lhe adotar as providências necessárias à proteção e preservação das dunas, ainda que o licenciamento tenha sido anulado, e atender ao que for exigido pelos órgãos ambientais, pela União e pelo IBAMA quanto àquelas dunas.
2.4.8. Sobre a multa diária por descumprimento (itens V-a-1, V-a-2 e V-a-4 de fls. 57; itens IX-h de fls. 1134 e IX-g de fls. 1135), deve ser estabelecida multa para evitar o descumprimento dos termos da medida liminar. A fixação da multa está legalmente prevista (arts. 273-§ 3º e 461-§ 4º do CPC, e art. 12 da Lei 7.347/85). No momento, não é possível fixar a multa com base no valor médio de comercialização dos lotes do empreendimento porque este juízo não tem ainda como calcular esse valor. É mais apropriada a fixação de multa com base nos valores pedidos pelo autor, reexaminando esse valor caso ocorra descumprimento (arts. 273-§ 4º e 461-§ 6º do CPC). Decido então (K) fixar em R$ 500.000,00 o valor da multa diária para o caso de descumprimento de cada uma das providências liminarmente determinadas, revertendo esse valor em favor do Batalhão Ambiental da Brigada Militar.
2.5. Sobre as provas requeridas pelo Ministério Público Federal. Embora este não seja o momento adequado para saneamento do processo e deferimento de provas (os réus ainda não apresentaram suas contestações), é conveniente examinar desde já alguns dos pedidos de provas formulados pelo Ministério Público Federal porque isso agilizará a instrução do feito e não prejudicará a ampla defesa dos réus. Examino estes pedidos:
2.5.1. Sobre a requisição do processo administrativo FEPAM 18487-05.67/04-4 (itens V-a-6 de fls. 58 e IX-g de fls. 1134), a íntegra do licenciamento ambiental discutido é relevante para instrução do processo e controle da atuação do órgão licenciador estadual. Determino à FEPAM que apresente nos autos, no prazo da contestação, cópia integral do processo administrativo 18487-05.67/04-4.
2.5.2. Sobre a requisição dos originais de imagens e fotos (item IX-d de fls. 1134-v), as imagens serão relevantes para identificação da área alterada pelo empreendimento. As cópias trazidas aos autos não são claras e não permitem adequada identificação do que está retratado nas imagens. A licença de instalação 811/2007-DL consta dos autos e não é necessária sua requisição. Determino à FEPAM que apresente nos autos, no prazo da contestação, os originais das fotos e imagens que constam de fls. 75-77, 91-95, 121-123, 127, 410-411, 419-421, 427-430, 458-461, 466-468, 510-549, 564-575 e 623, bem como do levantamento aerofotográfico realizado na região do empreendimento em 1998 (figura 8.4 do plano de manejo).
2.5.3. Sobre a requisição de documentos do réu-empreendedor (item IX-e de fls. 1134-v), examino separadamente cada um dos itens requeridos. Quanto aos itens e-1 e e-2 de fls. 1134-v, julgo prejudicados os pedidos porque as matrículas 71.034 a 71.147, e o registro da incorporação já constam do anexo 15 apresentado pelo réu-empreendedor, cabendo apenas determinar a respectiva juntada aos autos. Quanto ao item e-3 de fls. 1134-v, determino ao réu-empreendedor que, no prazo da contestação, apresente cópias coloridas ou os originais das fotos constantes do Diagnóstico de Manejo das Dunas do Empreendimento Playa Vista (fls. 230-249). Quanto ao item e-4 de fls. 1134-v, julgo prejudicado o pedido porque já constam plantas de localização do condomínio e suas confrontações estão indicadas, tendo a União condições de identificar o imóvel e suas confrontações com o que consta dos autos.
2.5.4. Sobre a requisição de informações ao IPHAN (item IX-f de fls. 1134-v), é oportuno oficiar ao IPHAN para prestar as informações referidas pelo Ministério Público Federal, já que se trata de questão relevante a ser considerada no licenciamento. Determino a expedição de ofício de requisição ao IPHAN para que, em 30 dias, (a) encaminhe todos os documentos e procedimento administrativo existente em relação ao empreendimento Condomínio Residencial Playa Vista, Município de Xangri-lá, ou ao empreendedor Metagon Incorporações e Loteamentos Ltda, inclusive os relatórios elaborados pelo Setor de Arqueologia do IPHAN; (b) preste informações sobre notificação do empreendedor Metagon Incorporações e Loteamentos Ltda. e embargo do empreendimento. O ofício deve ser instruído com cópias de fls. 403-403 e 1091-1093. Porto Alegre, 02 de junho de 2009.
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