Pela primeira vez na história do Brasil, um tribunal superior pode determinar que um processo relativo a um crime contra os direitos humanos saia da jurisdição de um Estado e seja julgado no âmbito da União. A ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do caso Manoel Mattos, assassinado em janeiro do ano passado, quer que o caso seja transferido da Justiça Estadual na Paraíba para a Justiça Federal em Pernambuco. Com isso, a apuração do crime e do funcionamento de um grupo de extermínio na divisa dos dois Estados será transferida para a Polícia Federal, bem como os cinco suspeitos de participação no assassinato deverão ser transferidos para presídio federal de segurança máxima. A vítima era advogado, defensor de direitos humanos, foi vereador pelo PT, e denunciava havia cerca de dez anos assassinatos de adolescentes, homossexuais e ladrões, por grupos de extermínio nos municípios de Pedras de Fogo (PB), Itambé e Timbaúba (PE). Segundo a relatora, a federalização deve ocorrer porque envolve grave violação aos direitos humanos; porque a Justiça e o Ministério Públicos locais não se opuseram; e porque a impunidade pode levar o Brasil a condenações futuras em fóruns internacionais, como já aconteceu por três vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA). O pedido de federalização, chamado de Incidente de Deslocamento de Competência, foi feito no ano passado pela Procuradoria-Geral da República. De acordo com a vice-procuradora-geral da República, Déborah Duprat, a federalização "não significa nenhum demérito para órgãos estaduais e não arranha sequer o pacto federativo". Na sustentação que fez durante o voto da relatora, ela destacou que apenas a União "pode ser responsabilizada de não cumprir um tratado e as obrigações ali previstas". Para Ophir Calvalcante, presidente do Conselho Federal da OAB, a Justiça Federal não sofre qualquer tipo de influência local, pois tem juízes e funcionários concursados e "não recebe qualquer tipo de verba nem qualquer benefício de governo estadual". Além do julgamento do assassinato de Manoel Mattos, a Procuradoria Geral da República queria que todas os processos sobre os grupos de extermínio na região fossem federalizados. Para a procuradora Deborah Duprat, Manoel Mattos "é a vítima mais notável" dos grupos de extermínio que atuam desde a década de 1990. "Manoel foi aquele que denunciou com mais veemência e por mais tempo", destacou. A ministra Laurita Vaz, no entanto, apenas acolheu em seu voto o pedido de federalização dos casos que já tivessem conexão comprovada com a morte do advogado. Apesar do voto da relatora, o Superior Tribunal de Justiça ainda não concluiu a decisão sobre a federalização. O desembargador Celso Luiz Limongi pediu vista do processo e, além dele, mais cinco ministros deverão votar.
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