A sociedade brasileira deu sinais de incremento da sua intolerância neste ano de 2007, quando houve um significativo aumento do número de ações judiciais movidas contra jornalistas. Quando isto ocorre, é sinal evidente que, ao menos uma parte da sociedade, está interessado em manter o clima de impunidade, e que não quer ver jornalistas mostrando para todos o que está acontecendo. Por exemplo: o jornalista Vitor Vieira, editor de Videversus, continua proibido pelo juiz gaúcho Hilbert Maximiliano Akihito Obara, de noticiar qualquer fato referente ao deputado estadual Alceu Moreira (PMDB), que deverá ser o presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul em 2008. Mais do que isso, o jornalista está proibido de dar entrevista, escrever, falar em rádio ou televisão, fazer comentário, qualquer coisa, que envolva o deputado estadual Alceu Moreira (PMDB). Apesar de ter apresentado, no dia 17 de dezembro (segunda-feira), sua defesa prévia e o pedido de urgente revogação da liminar concedida ao deputado estadual Alceu Moreira (PMDB), a juíza Cláudia Maria Hardt, titular da 18ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre não se manifestou durante toda a semana. O curioso, no caso desta ação, é que ela é promovida por um deputado estadual do PMDB, partido que capitaneou a luta contra a ditadura militar no País, e que mais se empenhou na realização de uma Constituinte, na qual foram inscritos os direitos à informação, à liberdade de imprensa e de livre pensar e criticar. O deputado estadual Alceu Moreira, que quer presidir o Parlamento gaúcho, desonra esta tradição do PMDB. O artigo de Lourival J. Santos, publicado no site Consultor Jurídico, é o seguinte: “Este texto sobre Direito e Imprensa faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina. Em 2007, queremos, antes de qualquer consideração mais técnica sobre a liberdade de imprensa, realçar, como ponto a nosso ver relevante, que os litígios de natureza política capitanearam, em número e valor, as demandas envolvendo o campo da liberdade de expressão sem censura nem restrição. Isto pelo fato de ter sido a classe política neste ano, representada por partidos ou por exercentes de cargos públicos em todas as esferas, a provocadora dos maiores e mais retumbantes furos jornalísticos de que se tem notícia na história política recente do País. A cada escândalo político denunciado pelos órgãos de comunicação — e o período enfocado foi bastante pródigo nesse terreno — a exemplo do caso do mensalão, os envolvidos voltavam-se contra as publicações de imprensa divulgadoras das respectivas notícias, via de regra tentando calá-las ou, em outras investidas, inculcá-las de delituosas e falseadoras da verdade. A conseqüência disso tudo foi o sensível crescimento do número de processos criminais e civis contra a imprensa em relação aos anos anteriores. Há excelente texto publicado na edição de outubro deste ano do jornal Folha de S.Paulo, intitulado “Brasil tem recorde de ações contra jornalistas”, no qual o jornalista Márcio Chaer, autor de levantamento sobre o número de ações, com competência, critica as investidas cada vez mais agressivas contra a imprensa, como se as liberdades públicas, de informação e de crítica, consagradas pela Constituição Federal como valor fundamental do estado democrático de direito, pudessem ser freadas por interesses particulares. Outra característica marcante em 2007 foi a consolidação da tendência de crescimento de processos de natureza criminal contra a imprensa em relação aos anos anteriores, dominados pelas reclamações por dano moral. Não que o volume das ações cíveis, de um modo geral, tivesse encruado e, por conseguinte, cedido espaço às criminais. O crescimento do volume das ações criminais, principalmente no campo das divulgações sobre fatos e atos políticos, no nosso entendimento, deveu-se ao fato de os reclamantes terem eventualmente concluído que procedimentos judiciais desse naipe possam se constituir em maiores e mais eficazes ameaças contra os veículos de comunicação que pretendam intimidar. É a materialização da crença popular de que o ataque é a melhor defesa. Por outra, hoje prevalece, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a orientação de que o arbitramento do valor da condenação por dano moral deverá ocorrer sempre com moderação e razoabilidade, para se evitar abusos e exageros. Essa tendência, que entendemos ser a mais consentânea com o sistema legal pátrio, que não contempla a natureza punitiva da ação cível na espécie, acrescida do rigoroso e bem-vindo controle exercido pelo Superior Tribunal de Justiça sobre os valores indenizatórios por danos extrapatrimoniais, certamente também serviu de incentivo à opção pelos procedimentos criminais. Em trabalho publicado há alguns anos sobre esse tema, destacamos que há ainda no Brasil, e isto vige nos dias atuais, certa resistência em admitir, com naturalidade, a liberdade de imprensa sem censura, muito embora seja conceito pétreo consagrado pela Constituição de 88. Pensamos ser tal resistência motivada pelo longo período de opressão vivido pela sociedade brasileira durante o regime ditatorial militar, principalmente no decênio em que vigeu o tristemente célebre AI5, durante o qual os direitos da pessoa foram invadidos e violentados de forma torpe e brutal, e o cidadão coagido a ocultar suas idéias e ideais de vida e de liberdade, cumprindo-lhe apenas pensar somente para si, sem externar os seus pensamentos ou, como bem escreveu o poeta à época, obrigado a falar de lado e a olhar para o chão. Entendemos ser esse pesaroso episódio político, que causou tantos prejuízos à geração de então e seqüelas nas pósteras, o motivo pelo qual hoje, duas décadas após a promulgação da Carta Democrática de 1988, ainda haja tantas manifestações favoráveis ao cerceamento da liberdade jornalística, como se certas facções da sociedade não soubessem lidar bem com o valor básico e estrutural da democracia, que é a liberdade de expressão. Aliás, o povo brasileiro, infelizmente, é um tanto neófito em termos de democracia, já que são poucos os períodos em que ela se fez presente no Brasil republicano. Karl Marx, nos seus famosos discursos de Dusseldorf em favor da liberdade de imprensa, já alertava para o risco de que pessoas, por força de serem impedidas de gozar a liberdade, se habituassem a enxergar a liberdade como ilegal: “Na medida em que as pessoas são obrigadas a considerar ilegais os artigos livres, acostumam-se a considerar o ilegal como livre, a liberdade como ilegal, e o legal como o não livre. Por isso, a censura mata o espírito político”. Abstraindo os casos insidiosos e oportunistas, a pouca vivência democrática da sociedade talvez seja a principal justificativa para que ainda persistam repetidas e indesejáveis tentativas de censura à palavra no País. Em 2007, o Poder Judiciário, no terreno da liberdade de imprensa, destacou-se como instituição digna de encômios, tendo sido raros os casos de julgamentos conflitantes ou desatenciosos com os princípios constitucionais que consagram a liberdade de informação sem censura ou licença, não tendo ocorrido, ao que nos consta, como em anos passados, qualquer decisão judicial que eventualmente possa ser classificada como ato de censura. Algumas decisões foram emblemáticas e deverão ser indicadas como exemplo desta postura firme do Poder Judiciário contra as tentativas, principalmente na área política, de calar as críticas da imprensa ou de atemorizar os veículos jornalísticos. Exemplo disso é a decisão da Suprema Corte do País, na pessoa do seu ilustre ministro Joaquim Barbosa, que recebeu a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os integrantes do popularmente chamado “Mensalão”, nos autos de inquérito iniciado a partir de sérias denúncias de corrupção feitas pela imprensa. Foram numerosos os casos que demonstram a firmeza e acuidade do Judiciário ao tratar do tema liberdade. Dentre eles citamos como símbolo um que ilustra bem o que foi dito a respeito da qualidade das decisões. Trata-se de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de Aracajú, Sergipe, contra Diogo Mainardi, sob a alegação de que este teria praticado ofensas preconceituosas e discriminatórias contra os nordestinos, pelo fato de o famoso articulista, com seu estilo jornalístico personalíssimo, ácido um tanto jocoso, ter se referido ao povo sergipano. Sua Excelência, o ilustre juiz federal Ricardo Cezar Mandarino Barretto, da 1ª Vara de Aracajú, em emblemática sentença, demonstrando equilíbrio e sensibilidade na análise das questões jornalísticas examinadas, julgou improcedente a ação, arrematando a decisão com as palavras que nos permitimos citar : “De minha parte, enquanto me agradar, continuarei assistindo ao Manhattan Connection e lendo as crônicas do Sr. Diogo Mainardi e, sempre que me for dado, assegurar que ele possa dizer o que pensa. É o que importa. Aproveito e convido-o, se ainda não o fez, para visitar Sergipe. Não se arrependerá”. O que foi dito acima a respeito do Judiciário, infelizmente não pode ser estendido aos outros poderes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é ligada ao Ministério da Saúde, sob a alegação de estar policiando a propaganda de produtos medicinais, alimentos, bebidas, etc., têm praticado reiteradas invasões no setor jornalístico e informativo, autuando e tentando impedir a divulgação de notícias nesse âmbito. Não são poucos os mandados de segurança impetrados e ganhos em razão de tais posturas inconstitucionais. É também de conhecimento público que o Ministério da Saúde, utilizando-se da Anvisa, tem-se manifestado contra a participação de artistas ou de pessoas famosas em propagandas de bebidas alcoólicas. Sem entrar no mérito da questão, não há dúvida de que qualquer tentativa nesse sentido será conflitante com a liberdade de expressão e com o direito, também constitucional, do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Também há um caso recente em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, por força de instrução interna, editada com o objetivo de fiscalizar a atividade de analistas de valores mobiliários, extrapolou os limites de sua competência ao instituir normas de conduta para disciplinar o trabalho de jornalistas e órgãos de imprensa, cujo ofício consistisse na divulgação periódica de notícias opinativas sobre a evolução e tendências do mercado mobiliário. Tal postura, manifestamente inconstitucional, foi contestada, veementemente, por associações de classe, dentre elas a Associação Nacional dos Editores de Revistas, da qual participamos. Também não são raros os projetos de lei em trâmite no Congresso, originários tanto do Executivo quanto do Legislativo, reveladores da intenção de se criar restrições à liberdade de imprensa. Como estamos falando em liberdade de imprensa, não podemos deixar de citar, com entusiasmo, o resultado do referendum na Venezuela, que revelou a posição equilibrada daquela sociedade contra a tentativa do governo local de repristinar provectas práticas autocráticas, que todos nós sabemos serem letais à liberdade de comunicação, já tão vigiada e perseguida naquele país. Preocupa o fato de que haja no Brasil posições políticas de relevo aplaudindo os “ideais democráticos” do atual governo venezuelano”. O editor de Videversus comenta: a Emenda Nº 1 da Constituição dos Estados Unidos, aprovada em 1787, e em vigor até hoje (quanta diferença para uma sociedade formada por botocudos) é uma parte da Declaração de Direitos (Bill of Rights) dos Estados Unidos da América. Ela impede, textualmente, o Congresso dos Estados Unidos da América de infringir seis direitos fundamentais. O Congresso é impedido, desde a promulgação da Constituição norte-americana, em 1787, de: estabelecer uma religião oficial ou dar preferência a uma dada religião (a "Establishment Clause" da primeira emenda, que institui a separação entre a Igreja e o Estado); proibir o livre exercício da religião; limitar a liberdade de expressão; limitar a liberdade de imprensa; limitar o direito de livre associação pacífica; limitar o direito de fazer petições ao governo com o intuito de reparar agravos. A Primeira Emenda apenas desautoriza explicitamente o Congresso a respeito destes pontos. Contudo, ao longo do tempo, os tribunais asseguraram a extensão destas premissas a qualquer ramo do poder judicial e executivo. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América assegurou que a XIV emenda da Constituição dos Estados Unidos da América incorporasse a primeira emenda contra qualquer ação dos Estados em particular. O texto da Primeira Emenda da Constituição norte-americana, é o seguinte (em inglês, para que os botocudos possam incrementar a sua educação): "Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances” (agora em português, para os botocudos menos dispostos à aprendizagem: "O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o livre exercício das mesmas; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas").
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