quinta-feira, 12 de maio de 2022

Verdades e mitos da dívida estadual - artigo do economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos

Um dos assuntos menos entendidos pela população é a dívida pública estadual do Rio Grande do Sul e o acordo geral de renegociação assinado com a União em 1998, até porque quem devia e podia esclarecê-lo parece torná-lo mais obscuro. Sobre esse acordo ouvem-se as mais absurdas afirmações, a maioria fruto de desinformação, que procuramos desmistificá-las nos quadros seguintes seguintes. Iniciamos pelas principais causas do crescimento da dívida, antes e após o acordo de 1998, conforme imagem acima.


A maioria da dívida pública estadual era formada por títulos, rolados diariamente no mercado financeiro, que implicavam altos custos ao erário, transformando grande parte do serviço da dívida em mais dívida. Entre 1983 e 1998 (ano do acordo), o serviço da dívida líquido foi em média 11,8%. Seu valor bruto foi de 36,4% da RCL. Por isso, a dívida multiplicou-se por 27,4 vezes em termos reais, em 28 anos, entre 1971 e 1998, efetuada para financiar os altos déficits primário que foram, em média, de 15,3% ao ano.

Os juros da década de 1990 foram muito altos, porque a União substituiu sua política monetária por dívida mobiliária. Após a implantação do Plano Real, para segurar a inflação, a taxa Selic chegou a ultrapassar 40%. 

A União pagou 26,5% de juros na captação dos recursos (taxa Selic) e emprestou a 6% + IGP-DI, que foi de 1,7% em 1998. De fato, 6% ao ano é uma taxa alta para os Estados suportarem, mas a União não está se locupletando ao cobrar essa taxa, como dizem, porque pagou um valor muito maior na captação do recurso. Todos os Estados fizeram praticamente o mesmo acordo, só que alguns com prazo de 15 anos, outros com taxas de juros maiores e com limites de pagamento diferentes de 13%, que foi o limite do Rio Grande do Sul, que financiou em 30 anos e com taxa de juros de 6% .




A afirmação de que a dívida era de R$ 9,5 bilhões, que foram pagos R$ 37 bilhões e ainda devemos R$ 73 bilhões, chega a ser risível, porque faz comparações com valores nominais no tempo, como se não existisse inflação. De lá para cá, os valores se multiplicaram por 4,2 vezes pelo IPCA e por 7,4 vezes pelo IGP-DI.

A verdade é que a dívida, embora tenha reduzido seu ritmo de crescimento que foi de 12,5% ao ano, até 1998, para 0,6% após, tendo como indexador o IGP-DI, que não é um índice bom para comparar, mas é o único que abrange todo o período considerado: 1971-1998.

No entanto, a dívida não caiu, por causa do limite de pagamento de 13% da receita líquida real (RLR), que, além da dívida decorrente da renegociação incluiu grande parte da operação Proes, mais oito operações anteriormente contraídas. Em 2001, foi acrescentada mais a dívida fundada do IPE, que foi renegociada e colocada como intralimite. Tudo isso importava em muito mais do que os 13% do referido limite, dando origem aos resíduos (ou parcelas de prestações não pagas (Slides 9 a 11).




Esse excedente de prestações não pagas ia para o saldo devedor, recebendo novamente juros e correção. E, para piorar, o indexador IGP-DI cresceu 35% acima da inflação. Os resíduos se formaram até agosto de 2013 (durante 16 anos). Em 2016, quando do novo acordo, estavam em R$ 31,3 bilhões, período em que o principal (intralimite mais extralimite) estava em R$ 26,1 bilhões. 


Após o acordo de 2016, os pagamentos passaram a ser pelo valor calculado, com correção pelo IPCA e juros de 4%.

Duas são as condições inafastáveis para que a dívida seja paga e sustentável: que as prestações sejam pagas integralmente, como demonstrado na situação hipotética de quadro acima, não importando que a taxa de 6,17%, seja maior do que a do crescimento hipotético da receita de 3%; isso não impede de zerar o saldo no final. Não havendo pagamento integral, conforme referido, a parcela não paga vai para o saldo devedor, e recebe novamente juros e correção e o saldo cresce indefinidamente. É o que acontecia com as prestações do antigo BNH e que aconteceu com a dívida do Estado, conforme referido antes.

A segunda condição é que seja formado superávit primário suficiente para pagar o serviço da dívida em todo o período. No caso do Estado do Rio Grande do Sul, nos últimos 20 anos, em apenas dois (2008 e 2021) seu montante foi suficiente para pagar a o serviço da dívida. Isso nos leva a crer que será formado superávit em montante suficiente para pagar a dívida é a grande redução que, com as reformas, deve ocorrer ao longo do tempo no crescimento vegetativo da folha, que antes anulava os incrementos da receita.

Com o Regime de Recuperação Fiscal, o serviço da dívida será pago escalonadamente por mais 9 anos, sendo zero no primeiro ano, 11,1% no segundo, 22,22% no terceiro e assim, consecutivamente, em progressão aritmética, até atingir 100% no final do 10º ano. A parir do 11º ano, em 2032, o serviço da dívida ficará alto, em torno de R$ 6 bilhões anuais ou R$ 500 milhões mensais, começando com 10% da RCL no 11°, decrescendo a cada ano, considerando que a receita cresça 3% ao ano. Lá por 2040 estará em menos de 8%, acabando com menos de 6% no final do período.

Somente quatro Estados são devedores de 78% da dívida. Se um desses Estados se julgar no direito de não pagar a dívida, os outros seguirão o mesmo caminho, passando a conta para os demais que devem bem menos. A mediana da razão Dívida/RCL está em 36%, ou seja, a metade dos Estados deve menos que esse percentual.

Por fim, passar a conta para União acaba estourando em todos, destacando que, ao contrário do senso comum, a carga tributária que resta a União, depois das transferências aos demais entes federados, é em torno de 15%, porque dos 50% que lhe cabem, 35% pertence à seguridade social, que ainda é altamente deficitária.

Finalizando, podemos dizer que acreditamos que, em condições normais, será formado o superávit primário, porque o grande impedimento para tal, o crescimento vegetativo da folha, tende a cair, pelo efeito das reformas e pelas vedações do Regime de Recuperação Fiscal, como também pela estrutura demográfica dos servidores inativos e pensionistas. Essas vedações é que poderão impedir a ação de governos populistas, mas que estarão livres para agir após sua vigência.

No entanto há variáveis que fogem à gestão estadual, como a legislação federal e as decisões do STF, como também os problemas decorrentes das mudanças climáticas. Os Poderes especiais também criam muitas despesas extras sem se preocupar com as finanças estaduais. Por tudo isso, o futuro do Estado é uma grande interrogação. (Por Darcy Francisco Carvalho dos Santos - em 2022/05/11)

Nenhum comentário: