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sábado, 10 de outubro de 2020

Sefarad: acendendo a luz de nossa herança - L'dor vador - artigo de Denise Sabino Villanova

Sefarad, ou "a expulsão Sepharadi", por intolerância, injustiça, aconteceu em 1492. Ao escrever este relatório, minha intenção era registrar e tornar públicas as histórias de muitas famílias judias no mundo, que foram privadas de praticar sua fé e a de seus antepassados. Foi um exercício rico, uma descoberta através de muitas memórias e documentos, coletando informações, na esperança de que isso faça as pessoas verem pelo que os antepassados dos Bnei Anussim passaram.

Pesquisar sobre Sefarad parece trazer o renascimento de velhos valores que nunca deveriam ter sido apagados, porque constituem uma herança, um rico e importante legado cultural. História difícil de escrever, a de um povo que foi submetido a tanta violência por diferentes grupos humanos, um povo que deixou tudo para trás: documentos, livros e até mesmo sua fé, que os monarcas católicos também tentaram tirar deles. Tudo o que podiam fazer era passar seus hábitos e valores de geração em geração, oralmente, até mesmo hoje.

Quem são os Sephardim? Como chegaram ao século 21?

Os Sephardim eram, em primeiro lugar, judeus que se estabeleceram na Espanha e em Portugal, na Península Ibérica. Mas depois de serem expulsos de lá, o termo é usado para judeus do Marrocos, Grécia, Itália e Turquia, entre outros países. 

Algumas pessoas, sem saber onde posicionar grupos judeus da Síria, também os chamam assim, mas isso não é correto, já que são Mizrahim. 

Os Sephardim chegaram à Península Ibérica após a destruição do Segundo Templo, em Jerusalém, pelo general romano Tito, por volta do ano 70 da Era Comum, embora algumas fontes digam que chegaram até mesmo antes disso. 

Durante séculos, os Sephardim viveram alguns períodos de paz e outros de muitas torturas na Península Ibérica. Muito antes de sua expulsão, os judeus foram objeto de conversões em massa e massacres em várias ocasiões.

No século VIII, precisamente em 711, o muçulmano Tariq bin Ziad invadiu o que hoje conhecemos como Espanha, com seu exército mouro, passando pelo Estreito de Gibraltar, para tomá-lo dos visigodos, estes convertidos ao catolicismo. 

Os judeus, sempre tão humilhados pelos cristãos, não tinham nada a perder, então eles foram a favor da invasão. Eles provavelmente pensaram que, se pela lei cristã, estavam sendo tão maltratados, não poderia ser pior sob as leis muçulmanas. 

Mas os cristãos, que século após século perseguiram os judeus, os puniram à forca, os rejeitaram, os mataram, os julgaram, condenaram, tentaram apagar sua fé, tiraram as crianças e livros sagrados de suas casas, consideraram os judeus traidores pelo apoio à invasão muçulmana. 

A invasão acabou sendo muito boa para o povo judeu. Os muçulmanos precisavam de mentes desenvolvidas para trabalhar para eles, para construir uma sociedade que fosse - e foi - um modelo de referência para o resto da Europa. Dessa forma, os judeus tornaram-se astrônomos, médicos, matemáticos, financistas, por exemplo, e floresceram socialmente. 

Esta fase foi chamada de "Idade de Ouro". Durou até 1492, quando os cristãos retomaram o último reino governado pelos muçulmanos, Granada, em 2 de janeiro (desde 722). O rei Fernando II de Aragão e a Rainha Isabel I de Castela, casal chamado de "os monarcas católicos", assinaram o Decreto de Expulsão no Palácio de Alhambra em 31 de março de 1492 (de acordo com o calendário hebraico, 9 Av, 5252 - um dia de luto, pela queda de Jerusalém) que deu aos judeus quatro meses para partir. Eles assinaram o decreto pensando que os judeus não iriam embora, mas se converteriam. 

Na verdade, alguns se converteram ao catolicismo. Mas mais ou menos trezentos mil judeus colocaram sua esperança em D'us e deixaram a Espanha, "a pé, jovens e velhos, pequenos e mulheres, em um dia, de todas as províncias do rei, onde o vento os levava, eles partiram, sem forças", nas palavras do rabino Isaac Abravanel, uma ilustre vítima desta expulsão.

Eles levaram apenas o que podiam: comida para a viagem e algumas roupas. Tiveram que deixar suas casas, negócios e cemitérios; alguns ainda conseguiram vender suas propriedades, mas por muito pouco dinheiro. Seus bens foram confiscados. Eles não podiam carregar jóias, nem moedas de ouro ou prata.

Após a expulsão, vinte mil judeus chegaram a Salônica, na Grécia. De trinta a quarenta mil foram para Constantinopla (hoje Istambul, na Turquia) e muitos se espalharam pelas ilhas gregas. Vinte mil foram para o Marrocos e numerosos grupos se estabeleceram na Holanda ou Inglaterra. Alguns deles, em seguida, dirigiram-se para as Américas. 

A expulsão destruiu suas escolas e seus livros e apenas sua memória permaneceu, sua tradição oral. O Sultão Beiyazit II enviou navios para receber os judeus que quisessem ir para a Turquia. Relatos mostram que eles partiram com grande dignidade, cantando para D'us, confiando nele. Desta forma, séculos de grande contribuição intelectual e econômica para a sociedade espanhola foram amargamente encerrados. Em um segundo momento, os judeus foram expulsos de Portugal também, em 1497.


Ao contrário dos aristocratas, até a Era Napoleônica, as pessoas na Europa Oriental não tinham sobrenomes. Os países conquistados por Napoleão (Rússia, Polônia e Alemanha) tiveram que adotar sobrenomes a partir de 1788, para organizar a arrecadação de impostos. Depois de sua derrota, muitos voltaram a usar o nome anterior como "filho de". Como exemplo, temos Mendelson, Jacobson, Abramovitz - dependendo do país, o sufixo que indica "filho de" pode ser: son, sen, vic, vitch, vitz, sky, ski, escu para os Ashkenazim. 

O mesmo se aplica aos Sephardim, com sufixos como ez, es e eira; por exemplo: Fernandez, Suarez - Soares , Silveira, Oliveira. 

Em hebraico, "ben" é usado para dizer "filho de". Um sobrenome modificado nesse sentido é, por exemplo, Avinbruch, que seria realmente Avin ben Baruch. Outro exemplo, o sobrenome Lehms, originário da Bélgica, deu origem a Lemes em Portugal. E Reyes passou a ser Hayes no Reino Unido.

Ao longo dos séculos, muitos judeus tiveram que mudar seus sobrenomes para esconder suas identidades. Eles optaram por nomes topográficos (Prado, Braga, por exemplo), árvores e nomes de animais (por exemplo, Oliveira, Pereira, Pinto, Lobo), de modo que outros judeus de qualquer lugar pudessem se reconhecer. Para a sociedade, eles eram católicos e em suas casas, judeus.

Pedro Álvares Cabral era judeu, mais um dos "novos cristãos", e veio ao Brasil no ano 1500. Sua delegação também incluiu judeus de Belmonte. Provavelmente porque na cidade de Belmonte há uma comunidade judia até hoje, que na época incluía Pedro Álvares Cabral. Seu pai era Fernão Álvares Cabral e sua mãe Isabel Gouveia, uma mulher judia. Ele era um dos cinco filhos e seis filhas da família Cabral. Ele foi batizado como Pedro Álvares de Gouveia, certamente para esconder sua origem judaica, que ficava muito evidente no sobrenome de seu pai, Cabral, derivado de um animal, a cabra, um codinome usado pelos católicos para identificar novos-cristãos. 

Muito mais tarde, supostamente depois da morte de seu irmão mais velho, que ocorreu em 1503, ele começou a usar o sobrenome de seu pai. Álvaro Gil Cabral era o bisavô de Cabral, um comandante militar da fronteira. Nobre português, um dos poucos que permaneceu leal ao rei Dom João I durante a guerra contra o rei de Castela. Como recompensa a essa lealdade, Dom João deu a Álvaro Gil a propriedade da disputa hereditária de Belmonte, onde hoje fica a comunidade judaica mais importante de Portugal, conhecida como "a comunidade judaica de Belmonte".

A Inquisição em Portugal foi até 31 de março de 1821, enquanto na Espanha foi até 1834. Cerca de quarenta mil pessoas foram acusadas. Os judeus convertidos pela força começaram a vir para o Brasil, mais especificamente para Recife, no século XVI. Em Recife há a primeira sinagoga das Américas, Kahal zur Israel, A Rocha de Israel, criada em 1637. 

O Brasil também teve séculos de Inquisição, mas os réus não foram mortos no país; eram enviados para Portugal e executados lá. 

Após o fim da ocupação holandesa no Brasil (1630-1657), muitos dos judeus que estavam em Recife foram para Curaçao ou Suriname, locais de colonização holandesa. Além disso, numerosos grupos mudaram-se para Nova Amsterdã, como foi chamada, antes, a hoje Nova York. Eles formaram o primeiro núcleo judaico dos Estados Unidos. 

Hoje há cerca de três milhões de Sephardim em todo o mundo, e compõem 20% do total de judeus do mundo, cerca de quinze milhões. Mas um estudo da Universidade de Leicester na Inglaterra, juntamente com a Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, determinado através da análise dos cromossomas na população ibérica, diz que entre 20 a 25% dos habitantes da península ibérica tem genética de conversos e marranos - palavras pejorativas para os Sephardim, ou seja, que vieram da Espanha e Portugal. Por sua vez, a renomada University College Londres afirma que 25% da população na América Latina é descendente dos judeus ibéricos e que, infelizmente, eles não têm ideia disso, não estando cientes de suas origens interrompidas pela expulsão.

Alguns disfarces usados pelos judeus no Brasil para escapar da Inquisição:

▪ Na época de Iom Kipur devemos jejuar. Para não mostrar que estavam em jejum, os convertidos tinham um palito na boca, algo comum na época, para mostrar que eles tinham acabado de comer alguma coisa.

▪ Na época de Pesach, só se pode comer matzah, ou seja, pão sem fermento, por oito dias. É uma memória de quando eles fugiram às pressas da escravidão no Egito, e o pão permaneceu sem fermentação. Os convertidos, durante Pesach, diziam a um médico que tinham dores estomacais para que o médico receitasse matzah como um remédio, para comer por alguns dias.

▪ Para as refeições os convertidos, cripto-judeus, usavam uma mesa com uma gaveta. Muitos pensavam que isso era usado para guardar talheres, mas na verdade foi usado para esconder o que eles estavam comendo, para o caso de que alguém pudesse visitar a família sem avisar. Nessas situações, eles tiravam um salame de dentro da gaveta e colocavam-no sobre a mesa. Desta forma, o visitante pensaria que os proprietários da casa estavam comendo carne de porco e eles, portanto, não seriam judeus.

Como sepharadi, entendemos mais profundamente o que nossos ancestrais passaram, desesperadamente tentando permanecer fiéis a D'us. Sentimos sua dor e a mesma fé que nunca os deixou. Cada um deles está presente em nossas vidas, em nossos genes e células. Não podemos mais recuperar o que foi materialmente tirado de nós, mas podemos recuperar o que nos foi tirado espiritualmente e essa resistência, força, busca e luta faz o povo judeu ser eterno, por milênios. 

A Inquisição condenou os judeus e os transformou em "novos cristãos", termo dito erroneamente, porque eles eram judeus forçados a se converter, não cristãos-novos. Guiados por seus princípios sagrados, sempre mantiveram sua identidade. Ser judeu não é limitado pela nacionalidade de uma pessoa. A identidade judaica é, principalmente, um legado cultural.

Qual é o futuro do judeu sepharadi ou o que significa ser um sepharadi? Em primeiro lugar, não há tal coisa como um "ex-irmão", "ex-irmã" , "ex-pai", "ex-filha", por exemplo. Então, não há "ex-judeu." Não há "retorno" ao judaísmo para os Sephardim. Os descendentes dos judeus Sephardim não estão realmente voltando para a fé de seus antepassados: estão reconectando-se com sua verdadeira identidade. Um retorno implica que algo pertencia a alguma coisa antes. E se assim foi, será sempre assim. 

Espiritualmente, um coração judeu está sempre desperto para este reencontro e de alguma forma, mesmo depois de estar espiritualmente adormecido por um tempo determinado, este coração desperta para buscar o mais profundo sentido da vida e suas raízes. Negar o direito de sangue que uma pessoa possui, impedindo-a de ser judia, não permitindo-lhe ser capaz de seguir todas as mitzvot, é também negar-lhe o seu direito de honrar seus ancestrais. Negar aos que foram forçados à conversão os direitos que possuem através de seu sangue judaico é tão injusto hoje, como o foi em 1492, quando eles foram expulsos de Sefarad.

Somos todos nossos pais, nossos avós, nossos bisavós e todos os nossos ancestrais antes deles, geração após geração. A resiliência de nossos ancestrais nos trouxe aqui. É uma grande responsabilidade poder dar-lhes de novo sua voz, devolver a dignidade aos muitos que foram silenciados pela força bruta, para que suas histórias não sejam esquecidas. Há algo maior que nos une: nossa Emunah, a identidade judaica, nossa essência, nossa neshama. 

O que um judeu de qualquer etnia faz afeta toda a comunidade. Da mesma forma, o que uma comunidade fizer afetará, também, um judeu, mesmo que seja só um. É por isso que temos que nos proteger, ficar unidos, de modo a não ter que passar por atrocidades e intolerâncias novamente. Unidos somos mais fortes, para a eternidade de nosso povo, com nossa história de coragem, amor e compromisso que nos une por mais de cinco mil anos. Am Israel Chai! O povo judeu vive! A chama, sempre, é você e sua alma judia.

Denise Sabino Villanova é Mestre em Cultura Britânica e Francesa (Leibniz Universität Hannover, Alemanha) e Doutoranda pela Universidad de Salamanca, Espanha.

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