quinta-feira, 18 de julho de 2019

Empresas que distribuíram 76 bilhões de pílulas de opióides são alvo da maior ação civil dos Estados Unidos


As maiores empresas farmacêuticas americanas saturaram o País com 76 bilhões de analgésicos de oxicodona e hidrocodona de 2006 a 2012 no que consistiu na epidemia de drogas mais letal do país, fora de controle, segundo dados que constam na maior ação civil da história dos Estados Unidos. A informação vem de um banco de dados mantido pela DEA (Administração de Repressão às Drogas) que monitora o caminho de cada um dos comprimidos de analgésico vendido no país – de fabricantes e distribuidores a farmácias em todas as cidades. Os dados fornecem uma visão sem precedentes do surto de analgésicos legais que abasteceram a epidemia de opióides prescritos, o que resultou em quase 100 mil mortes entre 2006 e 2012. Apenas seis empresas distribuíram 75% dos comprimidos e pílulas durante esse período: McKesson Corp., Walgreens, Cardinal Health, AmerisourceBergen, CVS e Walmart, de acordo com uma análise do banco de dados feita pelo jornal Washington Post.

Três empresas fabricavam 88% dos opióides: a SpecGx, subsidiária da Mallinckrodt; Actavis Pharma; e Par Pharmaceutical, uma subsidiária da Endo Pharmaceuticals. A Purdue Pharma, que os autores da queixa alegam ter disseminado a epidemia nos anos 90, com a introdução do OxyContin, sua versão de oxicodona, ficou em quarto lugar entre os fabricantes, com cerca de 3% do mercado. O volume de comprimidos manipulados pelas empresas disparou à medida que a epidemia aumentava, crescendo cerca de 51%, de 8,4 bilhões em 2006, para 12,6 bilhões em 2012. Em contraste, doses de morfina, um tratamento conhecido para casos de dor severa, tiveram uma média ligeiramente maior que 500 milhões por ano durante o período. Essas empresas, juntamente com cerca de uma dezena de outras, estão sendo processadas em um tribunal federal em Cleveland por quase 2 mil cidades, municípios e condados sob a alegação de que elas conspiraram para inundar o país com opióides. 

As empresas culpam a epidemia pela prescrição excessiva por parte de médicos e farmácias e por culpa dos pacientes que abusaram dos medicamentos. As empresas alegam que estavam trabalhando para suprir as necessidades dos pacientes com prescrições legítimas, desesperados por alívio da dor. A base de dados revela o que cada empresa sabia sobre o número de comprimidos que estava enviando e distribuindo e, precisamente, o quanto elas estavam cientes desses volumes, ano a ano, cidade por cidade. Em um caso após o outro, as empresas permitiram que os medicamentos chegassem às ruas de comunidades grandes e pequenas, apesar dos persistentes alertas de que essas pílulas estavam sendo vendidas em aparente violação da lei federal e sendo desviadas para o mercado paralelo, de acordo com os processos judiciais.

Os queixosos há muito tempo acusam os fabricantes de medicamentos e os atacadistas de abastecer a epidemia de opióides produzindo e distribuindo milhões de analgésicos, ao mesmo tempo que faturavam bilhões de dólares. As empresas pagaram mais de US$ 1 bilhão em multas ao Departamento de Justiça e à Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos (FDA) por questões relacionadas aos opióides, e centenas de milhões a mais para fechar acordos nos Estados. Mas os casos anteriores abordaram apenas uma parte do problema, jamais permitindo que o público tomasse conhecimento do tamanho e abrangência do comportamento subjacente à epidemia. Os acertos monetários das empresas foram acompanhados por acordos que mantiveram tal informação oculta. 

As empresas farmacêuticas, junto com a DEA e o Departamento de Justiça, lutaram furiosamente contra o lançamento público do banco de dados, o Automation of Reports e o Consolidated Order System (relatórios emitidos automaticamente e sistema consolidado de pedidos), conhecido como Arcos. As empresas argumentaram que a divulgação dos “dados sobre as transações” poderia dar aos concorrentes uma vantagem injusta no mercado. O Departamento de Justiça alegou que a divulgação da informação poderia comprometer as investigações da DEA. Até agora, o litígio tem sido encaminhado sob segredo incomum. Muitos documentos e provas no caso foram selados sob ordem de proteção judicial. O sigilo finalmente foi suspenso depois que o Post e a HD Media, que publica o Charleston Gazette-Mail, em Virgínia Ocidental, travaram uma batalha legal de um ano pelo acesso a documentos e dados sobre o caso.

Na segunda-feira à noite,  Dan Polster, juiz distrital dos Estados Unidos, removeu a ordem de proteção para parte do banco de dados Arcos. Advogados dos governos locais que processam as empresas saudaram a divulgação dos dados. “Os dados fornecem informações estatísticas que ajudam a identificar as origens e a disseminação da epidemia de opiáceos – uma epidemia que milhares de comunidades em todo o país alegam ter sido provocada e inflamada por fabricantes de opióides, distribuidores e farmácias”, disse Paul T. Farrell Jr. da Virgínia Ocidental, conselheiro para os queixosos. Em declarações enviadas ao Post por e-mail na terça-feira, os distribuidores de drogas enfatizaram que os dados do Arcos não existiriam a menos que eles relatassem as remessas com precisão e colocaram em questionamento porque o governo não se esforçou mais para lidar com a crise. “Durante décadas, a DEA teve acesso exclusivo a esses dados, que podem identificar o volume total de substâncias controladas que são encomendadas, farmácia por farmácia, em todo o país”, disse Kristin Chasen, porta-voz da McKesson. Uma porta-voz do DEA se recusou a comentar o caso na terça-feira “devido a litígios em andamento”.

A Cardinal Health disse que aprendeu a partir de sua experiência, aumentando o treinamento e fazendo um trabalho melhor para “localizar, suspender e reportar pedidos suspeitos”, escreveu a porta-voz da empresa, Brandi Martin. A AmerisourceBergen ridicularizou o lançamento dos dados do Arcos, dizendo que este “oferece uma imagem muito enganosa” do problema. A empresa disse que seus controles internos tiveram “um papel importante em nos permitir, da melhor forma que pudemos, caminhar na corda bamba da criação de acesso apropriado aos medicamentos aprovados pela FDA, ao mesmo tempo em que combatemos o desvio de medicamentos controlados”.


Embora a Walgreens ainda distribua opiáceos, a empresa disse que não entrega substâncias controladas por prescrição para suas lojas desde 2014.  “A Walgreens tem sido uma indústria líder no combate a essa crise nas comunidades onde nossos farmacêuticos vivem e trabalham”, disse Phil Caruso, porta-voz da Walgreens. Mike DeAngelis, porta-voz da CVS, disse que as alegações dos queixosos sobre a empresa não têm mérito e a CVS está se defendendo agressivamente contra eles. Walmart, Purdue e Endo se recusaram a comentar a informação sobre os dados da Arcos.

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