O depoimento de duas horas e meia ao Ministério Público Federal na quinta-feira (21) já chegava à metade quando o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), preso há mais de dois anos, quis deixar claro o seu novo espírito ao procurador Sérgio Pinel, membro da força-tarefa da Lava Jato. "Dr. Sérgio, eu quero colaborar com vocês. Quero ser parceiro do Ministério Público", disse. Pinel achou por bem expor a visão da Procuradoria sobre o novo comportamento do réu de 29 ações penais e condenado a quase 200 anos de prisão por corrupção no governo do Rio de Janeiro. "Nem por hipótese esse depoimento significa qualquer tipo de tratativa para delação premiada. A lei já tem previsão para quem confessa. A confissão tem que ser irrestrita do objeto da investigação. É diferente da colaboração, em que ele deve colaborar não só sobre aquele fato investigado, mas mesmo sobre aqueles que o órgão investigador sequer tem conhecimento", afirmou o procurador. A fala reflete a desconfiança com que a força-tarefa da Lava Jato fluminense vê a decisão de Sérgio Cabral em confessar seus crimes. Procuradores suspeitam que o ex-governador assume fatos que já lhe são imputados, adicionando alguns detalhes, para proteger a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo e ocultar bens acumulados e ainda não localizados pelos investigadores.
Desde que foi preso sob acusação de cobrar 5% de propina nos grandes contratos do Estado, há dois anos e três meses, o ex-governador vinha negando ter cobrado suborno a empresários. Reconhecia, contudo, ter se apropriado de sobras de caixas dois de campanha eleitoral. A confissão faz parte da nova estratégia de defesa após a entrada do advogado Márcio Delambert no caso, o quinto desde novembro de 2016. A intenção é que Sérgio Cabral assuma crimes, detalhe seus participantes e contribua com novas informações a fim de reduzir futuras penas. A possibilidade de se fechar um acordo de delação no curto prazo é vista como remota. O primeiro depoimento dado ao Ministério Público Federal foi na investigação sobre o envolvimento do ex-secretário Régis Fichtner. O objetivo foi colaborar com a apuração antes da denúncia, a fim de demonstrar sua disposição em esclarecer os fatos. Sérgio Cabral já havia feito um movimento para reduzir sua pena há sete meses, quando, junto com Adriana Ancelmo, abriu mão de seus bens para leilão -os recursos, dessa forma, poderiam ser transferidos de imediato ao estado. A medida, contudo, foi feita sem confissão até aquele momento.
Adriana Ancelmo já foi condenada em quatro ações penais e já soma 36 anos e 1 mês de pena. Ela é acusada de auxiliar o marido na lavagem de dinheiro por meio de seu escritório de advocacia e com a compra de joias. Em depoimento ao juiz Marcelo Bretas nesta terça-feira (26), ele afirmou que enganou a mulher ao pedir que dinheiro de propina fosse repassado ao seu escritório. "A Adriana tinha o escritório dela e eu contaminei esse escritório quando eu pedi o repasse de caixa dois, que ela não sabia, para o dono da Rica (empresário Alexandre Igayara). Eu contaminei. Ela insistiu comigo e questionou para saber por que estava sendo utilizado. Eu enganei e a prejudiquei. E ela entrou como orcrim (organização criminosa) de uma maneira que me dói o coração", afirmou o emedebista. A versão parece inverossímil para os investigadores. Sérgio Cabral ainda não explicou como ela permitiu a entrada de recursos sem a prestação de serviço correspondente. O escritório de Adriana Ancelmo segue sob investigação por ter recebido dinheiro de outras empresas vinculadas ao Estado, como a Fecomércio.
A ex-primeira-dama está em liberdade, usando tornozeleira eletrônica. Ela já foi condenada em segunda instância no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) e aguarda a análise de recursos para eventual início de cumprimento antecipado da pena. Procuradores também desconfiam do esgotamento dos recursos acumulados por Sérgio Cabral. Além de suspeitar do ocultamento de valores, investigadores insistem que as jóias mais valiosas adquiridas pelo casal ainda não foram encontradas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário