Um dia histórico para a república italiana. Foi em tom triunfalista, e com calorosos acenos ao novo governo brasileiro, que a Itália recebeu Cesare Battisti após 38 anos de fuga do terrorista condenado à prisão perpétua pelo homicídio de quatro pessoas no final dos anos 1970. Para o italiano de 64 anos, a epopeia que se estendeu por países como França, México, Brasil e Bolívia, onde foi preso no final de semana, terminou na manhã desta segunda-feira no aeroporto de Ciampino, em Roma. No ato final de um dos mais longos e complexos casos da diplomacia italiana, o governo no poder há sete meses aproveitou o embalo do midiático evento para reforçar a imagem de linha-dura também presente no Brasil de Jair Bolsonaro. Giuseppe Conte, o discreto premiê, foi efusivo nos agradecimentos a Bolsonaro no pronunciamento que fez horas depois da chegada de Battisti. "A mudança de governo no Brasil foi determinante para esse resultado. Eu falei com Bolsonaro e o agradeci muito", disse. Matteo Salvini, ministro do Interior e líder da Liga, também conversou com o brasileiro por telefone e o exaltou em entrevistas e nas redes sociais. Os dois se aproximaram em setembro, durante a campanha eleitoral, quando começaram a trocar afagos no Twitter e o então candidato declarou apoio à extradição do terrorista.
Sobre o governo do autodeclarado socialista Evo Morales, que por fim autorizou a expulsão de Battisti e abreviou o seu retorno, também houve agradecimento, mas o nome do boliviano nem sequer foi mencionado pelos ministros do governo italiano. "Nosso objetivo foi fazer o vôo mais rápido e seguro para a Itália", acrescentou Giuseppe Conte, sobre o fato de Battisti não ter passado pelo Brasil, como queria o governo Bolsonaro. A expulsão também desobrigou a Itália a cumprir os termos do processo de extradição determinados pelo Supremo Tribunal Federal. A corte autorizou a extradição do italiano, mas a condicionou ao cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro - que veta a prisão perpétua e estabelece 30 anos como a pena máxima. "Ele ficará preso pelo resto dos seus dias", declarou Salvini. O Ministério da Justiça italiano confirmou que Battisti cumprirá a pena de prisão perpétua. Como escapava da Justiça havia 38 anos, ele não terá direito aos benefícios de regressão da pena - que no seu caso começaria após cumprir dez anos - nem a possíveis acordos de colaboração premiada, instrumento que possibilitou a sua condenação.
Battisti vai passar os primeiros seis meses em isolamento, também previsto para os condenados à prisão perpétua. Ele foi transferido na tarde desta segunda-feira para um presídio em Oristano, na Sardenha, ilha italiana a 45 minutos de vôo de Roma. Inaugurada pelo estado italiano em 2012, a penitenciária de segurança máxima abriga em cinco alas cerca de 250 presos condenados por crime organizado (máfia) e terrorismo. No futuro, não é improvável a sua transferência para Milão. Um dos magistrados responsáveis por condená-lo, baseado na cidade, já avisou que pretende interrogar Battisti numa ação que acaba de abrir para apurar a rede de italianos que deu proteção a ele nas últimas décadas. Sua chegada a Roma envolveu uma forte esquema de segurança e até desviou o trânsito em algumas ruas da capital. Battisti desceu do avião com um leve sorriso que logo conteve -não tão escancarado como na sua prisão no Rio de Janeiro, em 2007. Segundo os agentes de polícia que o acompanharam desde a Bolívia, o italiano estava tranquilo, contou detalhes de sua fuga do Brasil e dormiu boa parte das 15 horas de voo até a Itália. Depois, agradeceu o tratamento recebido.
A oposição de centro-esquerda também saudou o retorno do terrorista. A única manifestação pró-Battisti foi vista em uma faixa estendida ao lado do Coliseu, em Roma, que pedia sua liberdade e anistia. Cesare Battisti reconhece ter feito parte do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos grupos responsáveis pelos crimes do período conhecido como "anos de chumbo", entre os anos 70 e 80 - período em que o governo eleito enfrentou grupos armados de direita e esquerda. O italiano, contudo, nega os crimes e diz ser vítima de uma perseguição, sendo condenado à revelia por uma delação firmada por um antigo companheiro do PAC. Após fugir da prisão em 1981, ele se refugiou na França, onde viveu alguns anos antes de se mudar para o México. Ele voltou para Paris na década seguinte, onde viveu até 2004 protegido por uma legislação aprovada pelo governo François Mitterrand, que não reconhecia a lei italiana antiterrorismo.
Naquele ano seu status de refugiado foi revertido por decisão do então presidente francês, Jacques Chirac. No Brasil, onde ele foi preso em 2007 e depois receberia refúgio, sua condição também foi alterada com a mudança do governo. Com a prisão de Battisti, comemorada na Itália por políticos de diferentes colorações, o governo anunciou que continuará a trabalhar pela extradição de outros condenados por terrorismo nos "anos de chumbo" que continuam no exterior - pelo menos 50 pessoas continuam refugiadas em países como França, Suíça, Argentina e Nicarágua, segundo centro de pesquisa dedicado à luta armada dos anos 70.
Na década de 1970, Cesare Battisti se envolveu com grupos de luta armada de extrema esquerda. Entre 1977 e 1979, o grupo PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), ao qual ele era ligado, cometeu os assassinatos do agente penitenciário Antonio Santoro, do joalheiro Pierluigi Torregiani, do açougueiro Lino Sabadin e do agente policial Andrea Campagna. Battisti é condenado como executor por estes crimes.
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