O Ministério Público Federal ajuizou nos últimos dias na 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo um conjunto de 27 denúncias resultantes da segunda fase da Operação Boca Livre, realizada pelo Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União. A investigação apontou que recursos deduzidos dos impostos de grandes empresas que se apresentaram como “patrocinadoras”, em vez de destinados a finalidades culturais, foram aplicados fraudulentamente pelo grupo Bellini Cultural em eventos corporativos privados seus e das patrocinadoras, bem como em publicações de obras literárias de cunho meramente institucional. As irregularidades eram praticadas com o conhecimento e a concordância das companhias envolvidas. Mais do que isso, promoviam até festa de casamento milionário em Jurerê Internacional, Florianópolis.
A investigação do Ministério Público Federal iniciou em 2011, quando o órgão recebeu uma denúncia anônima, apontando fraudes cometidas pelo grupo Bellini Cultural, dirigido por Antonio Carlos Bellini Amorim, que figura como acusado em todas as 27 denúncias. O empresário era o responsável pela assinatura de todos os projetos culturais das empresas do conglomerado a serem financiados por meio da Lei Rouanet e costumava divulgar ao mercado que o grupo era o quinto maior arrecadador de recursos para projetos fiscalizados/administrados pelo Ministério da Cultura.
Em 2013, após a Controladoria Geral da União exigir a fiscalização dos projetos, o Ministério da Cultura bloqueou repasses para duas empresas do grupo Bellini, que passou então a diversificar a apresentação dos projetos, terceirizando-os para outras empresas e emitindo notas fiscais frias por meio de firmas de funcionários ou laranjas, por exemplo, para burlar as inspeções e forjar a execução das propostas. Nas denúncias mais recentes oferecidas pelo MPF, além de Bellini, são denunciados seus filhos, funcionários da empresa, parentes do produtor cultural que eram sócios de outras empresas do grupo e os responsáveis pelos projetos em cada uma das empresas patrocinadoras envolvidas.
As fraudes do grupo Bellini dividiam-se em cinco modalidades: superfaturamento, elaboração de serviços e produtos fictícios, duplicação de projetos, utilização de terceiros como proponentes e contrapartidas ilícitas às empresas patrocinadoras. Na primeira fase da operação, por exemplo, o Ministério Público Federal detectou que, enquanto os desvios aumentavam, parte do dinheiro de projetos culturais chegou a ser usada para o casamento de um dos filhos de Bellini, Felipe, na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis.
Além da publicação de livros corporativos, para serem doados como brinde para empresas parceiras e clientes, eventos corporativos fechados eram promovidos com os recursos públicos. “Esses eventos de marketing corporativo-institucional eram realizados em lugar dos próprios projetos culturais originariamente concebidos, não apresentando nenhum viés cultural. Veiculavam apenas a marca das empresas e o logotipo do Ministério da Cultura, como forma de conferir àquele evento privado a falsa aparência de ser o próprio projeto cultural aprovado pelo órgão. De outro lado, os verdadeiros projetos culturais, ou não eram executados, ou o eram de forma forjada, com repetição de cenários já utilizados em iniciativas anteriores e com prestação de contas por meio de notas frias, o que gerou, na maioria dos casos, a sua desaprovação pelo MinC”, afirma a procuradora federal Karen Kahn, responsável pela investigação. “Não se trata apenas de uma questão tributária, envolvendo o aproveitamento indevido de isenção pelas patrocinadoras. O valor defendido pela Lei Rouanet é o do acesso e da democratização da cultura, que restou absolutamente fraudado, violado e obstruído, justamente por conta da atuação das diversas associações criminosas que se constituíram entre o Grupo Bellini e as supostas patrocinadoras, com desvios e apropriação de recursos públicos federais”, conclui ela.
Por tais infrações, diretores e colaboradores do grupo Bellini e diretores e representantes das empresas patrocinadoras são acusados pelo Ministério Público Federal de praticar os crimes de estelionato contra a União e associação criminosa ou quadrilha ou bando (a depender do ano em que o evento foi realizado, pois este último tipo penal foi mudado em 2013). As patrocinadoras, que aportaram recursos para a execução de mais de 27 projetos culturais, obtiveram para si, além da sua própria e exclusiva autopromoção com os eventos corporativos financiados pela Lei Rouanet, benefícios fiscais, de onde se extraiu a sua corresponsabilidade.
Foram denunciados pelo Ministério Público Federal diretores das seguintes empresas e instituições patrocinadoras: Atacadão, Banco Pine, Cipatex, Dow, Elekeiroz, Akzo Nobel, Banco Concórdia, Banco Fibra, Biolab, Bradesco, Esporte Clube Pinheiros, BRF, Cisa Trading, Correias Mercúrio, Foroni, Fosfértil, Furukawa, Givaudan, Magna, Prysmian, Rassini, Termomecânica, Têxtil Canatiba, Ingram, Yokogawa, Wabco, Volvo e Volkswagen.
Ao receberem a contrapartida indevida, as empresas lucravam triplamente, pois, além da redução no Imposto de Renda, realizavam seus eventos corporativos com dinheiro que deveria ter saldado impostos ou se revertido em cultura de fato e ainda divulgavam suas marcas para clientes. Alguns dos eventos eram extremamente luxuosos. A Furukawa, por exemplo, transformou sua atividade corporativa num evento enogastronômico no Dom, um dos mais renomados restaurantes de São Paulo. Enquanto isso, cidades do interior e periferias de grandes cidades ficavam privadas de atividades culturais, e bibliotecas públicas não recebiam os livros que deveriam receber. Em cultura, o investimento máximo realizado pelo grupo Bellini não passava de uma fraude chamada de “contrapartida social”, que consistia geralmente na apresentação de uma orquestra ou uma peça de teatro sem qualquer divulgação relevante, para públicos pequenos. Em alguns casos, uma pequena fração dos livros era distribuída de forma completamente aleatória. As denúncias do Ministério Público Federal foram encaminhadas à 3ª Vara Federal de São Paulo por dependência. Foi esta vara federal que determinou a realização da primeira e da segunda fase da Operação Boca Livre.
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