quinta-feira, 26 de julho de 2018

General ex-presidente da Funai se torna conselheiro de mineradora no Pará

Sem consultar a CEP (Comissão de Ética Pública) do Palácio do Planalto ou se submeter ao sistema de quarentena do governo, o general reformado do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas foi anunciado para o conselho de uma mineradora de ouro apenas quatro meses depois de deixar a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio). A empresa tem interesses conflitantes com indígenas e depende de uma autorização consentida de duas etnias para iniciar o empreendimento no Pará, atualmente suspenso por ordem judicial. Em comunicado ao mercado nesta segunda-feira (23), a mineradora canadense Belo Sun Mining anunciou que o general aceitou ser membro do "conselho consultivo de assuntos indígenas e ambientais" da empresa.

A mineradora respondeu nesta quarta-feira (25) que o general "ainda não recebeu remuneração pela indicação e seu contrato foi assinado com a vigência condicionada ao término da quarentena ou aprovação da Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto". A consulta, contudo, não havia sido feita até o anúncio da empresa.

A passagem de ocupantes de altos cargos da administração federal, incluindo a presidência da Funai, para a iniciativa privada é regulada por uma lei de 2013, que prevê a necessidade de o interessado consultar a CEP por meio de um formulário eletrônico disponível na internet. A consulta deve indicar o cargo público ocupado e suas principais atribuições, eventual "acesso a informações privilegiadas", e o emprego pretendido na iniciativa privada. A partir desses dados, a CEP estabelece se há potencial conflito de interesses e decide sobre imposição ou não da quarentena, o que impediria "a autoridade de exercer a atividade privada pelo período de seis meses, a contar da data de sua exoneração do cargo público, fazendo jus a remuneração compensatória".

A mina de Belo Sun pretende ser o maior empreendimento do gênero no país. A empresa reconheceu que o militar já visitou o local do empreendimento a convite da mineradora e que manteve contato com comunidades indígenas. "O general apenas realizou visita ao local onde o projeto deve se instalar. 'Visitei, a convite da empresa, o local previsto para o projeto, e pude observar o grande interesse dos membros das comunidades locais e indígenas da chegada do empreendimento na região, que certamente, quando aprovado, vai gerar empregos, desenvolvimento local e fortalecimento do território, melhorando a qualidade de vida e o bem estar daquelas populações'", afirmou a Belo Sun.

A Belo Sun pretende criar, no estado do Pará, a maior mina de ouro do país, mas o empreendimento está suspenso por decisão judicial de primeira instância da Justiça Federal a partir de ação civil pública movida pela Procuradoria da República no Pará. A suspensão foi confirmada pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, em Brasília. O maior temor de indígenas e indigenistas é o rompimento da futura barragem de rejeitos da mina, o que poderia provocar um acidente como o de Mariana (MG) e afetar diretamente pelo menos duas etnias, os jurunas e os araras.

A contaminação poderia surgir de duas pilhas de rejeito estimadas em 75 e 85 metros de altura, "equivalentes a prédios de 23 e 28 andares", que serão mantidas em bacia de contenção localizada a cerca de 1,5 km do leito do rio Xingu. Além disso, a exploração do ouro prevê uma série de microexplosões ao longo de mais de 12 anos. Em carta aberta de terça-feira (24), indígenas jurunas rechaçaram a possibilidade de participar de uma negociação com representantes da Belo Sun, pois entendem que o protocolo de consulta defendido pelos indígenas não está sendo respeitado. "A consulta tem que ser feita pelo órgão do estado que é responsável pela decisão de autorizar ou não a mineradora Belo Sun. [...] Consultores contratados por empresas não são as pessoas certas para falar sobre a obrigação de consulta", diz a carta. "Não estamos dispostos a permitir que o governo passe por cima de nossos direitos. Também não permitiremos mais empreendimentos na Volta Grande do Xingu sem nos consultar de acordo com nosso protocolo de consulta", disseram os índios.

A Volta Grande do Xingu é a região impactada pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, inaugurada por Dilma Rousseff (PT). A advogada Biviany Astrid Rojas Garzón vê com preocupação a contratação do general pela mineradora. "No cargo de presidente da Funai, ele negociou questões com os indígenas da região, inclusive sobre demarcação de terras. É claro que dá um peso diferente nessa interlocução. Agora o mesmo presidente do órgão indígena defende os interesses de uma mineradora", disse a advogada. Na mensagem à reportagem, a Belo Sun afirmou que o conselho consultivo, onde o general exercerá cargo, "é estritamente de natureza consultiva, opinativa e multidisciplinar". "Não há outras responsabilidades além de comentar e opinar sobre itens relacionados a questões ambientais, indígenas e sociais que afetam a empresa. O papel principal do general Franklimberg Ribeiro é aconselhar o CEO [executivo] e o Conselho de Administração canadense sobre as políticas e questões de seus investimentos, para viabilizar as ações da Belo Sun Mining em seus projetos na Amazônia em conformidade com a legislação e realidade socioeconômica vigente no país". "Não há interferência direta do conselho no Projeto Volta Grande, apenas o aconselhamento e avaliações externas no processo em curso, quando solicitado pela alta direção da empresa".

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