quarta-feira, 23 de maio de 2018

Um mês da morte do desembargador Cristovam Daiello Moreira, o pai das escolas da magistratura no Brasil e na América Latina



Na próxima sexta-feira se completará o primeiro mês da morte do desembargador aposentado gaúcho Cristovam Daiello Moreira, aos 88 anos, em Porto Alegre. Ele foi velado no auditório da Escola de Magistratura da Ajuris, que ele fundou. E se afastou da escola justamente quando ela foi encampada pela entidade associativas. O juiz aposentado Luiz Francisco Correa Barbosa, que foi seu discípulo, amigo e professor logo na fundação da escola, declarou: "Desde que fui expulso da Ajuris, em 1984, por ter movido uma Ação Popular contra o Convênio AJURIS/CAIXA ECONÔMICA ESTADUAL RS, para tomada de empréstimos particulares a juízes associados, tomados dos depósitos judiciais sem correção monetária, nunca mais havia entrado em qualquer dependência da Associação. Ninguém me barrou, mas achei que era devido. O velório aconteceu em dependência de quem se apropriou da idéia do Daiello e de que, com Ruy Rosado de Aguiar Júnior, fomos seus fundadores e primeiros professores, passando a chama-la de Escola de Magistratura “da AJURIS”. Erro: era do Daiello". Continua Luiz Francisco Correa Barbosa: "Além de seus 10 filhos (ela dizia que eu era seu 11º), encontrei velhos companheiros da Magistratura gaúcha. Mais do que isso: fui seu aluno no curso de Direito e ele me estimulava a ingressar na Magistratura. Acabei seu Assistente na disciplina de Processo Penal. Me inscreveu, sem minha autorização, no concurso de Juiz de Direito. Fui barrado com outros dois candidatos (o Geraldo Nogueira da Gama – depois, Secretário do Interior e Justiça) e o Newton Müller Rodrigues, depois Chefe de Polícia, ambos do governo Collares, por sermos “comunistas”, segundo alguém que não se identificava. Nenhum de nós jamais fomos comunistas. E tínhamos certidões negativas do Polícia Política, documento exigido à época para inscrição no Concurso. Mas, Geraldo e eu tínhamos sido processados, julgados e absolvidos naquela Auditoria do Exército (daí a certidão negativa da Polícia) e Newton era filho do grande trabalhista Milton Serres Rodrigues, prefeito de Encruzilhada do Sul, pelo PTB e depois deputado estadual, tido como organizador dos “Grupos de 11”. Suficiente para a época. Eles não recorreram da exclusão. Afinal, na época a sessão administrativa (secreta, com decisão imotivada e de votação anônima, do Pleno do Tribunal de Justiça em sessão administrativa) não tinham elementos para recorrer, apenas dizia: “indeferiram, por maioria ou unanimidade” ou “deferiram”. Recorri, apenas xingando, “...um Tribunal que se diz de Justiça...” Surpresa: deram provimento, por unanimidade. Aprovado, tomei posse em separado, no último dia do prazo, no gabinete do presidente do TJ, Pedro Soares Munhoz, que só então descobri que fora colega de minha mãe em uma escolinha rural do interior do Uruguai, onde foram alfabetizados e que esteve presente (o que eu não sabia – Tu não és o Pedro? Claro, e tu pareces a Mozinha! Sim, e aí...). Assinado o Livro de posse, perguntei ao presidente: Então agora sou um de vocês? Claro! Pois, quero ver o processo de inscrição no Concurso para averiguar algumas coisas. Ele deferiu e descobri tudo. Não revelo quem fez aquilo contra nós, embora já tenha feito aos atingidos, os “comunistas”, para preservação da memória do fofoqueiro. Pois o Daiello é o pai e patrono de todas as Escolas de Magistratura da América de língua hispânica e até nos Estados Unidos estava organizando, quando brigou com alguém lá importante e não mais retornou. Filho de um juiz nordestino, que foi desembargador do Rio Grande do Sul (importados por Borges de Medeiros, vários deles, como André da Rocha, para tentar pacificar a disputa infindável entre maragatos e chimangos e dar credibilidade às decisões judiciais de então), honrou a Magistratura e foi além disso, figura humanitária e homem adiante de seu tempo, Cristovam estava ligado à fundação da Faculdade de Direito de Caxias do Sul, com Bisol (ambos foram juízes por lá), de escolas naquela cidade e, em Porto Alegre, a obras de recuperação do Manicômio Judiciário, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, da Casa Menino Jesus de Praga, sempre sem alarde, perdemos um grande brasileiro. Dele levo o galardão de além de seu aluno, ter sido seu amigo". 

Conhecido por ser um dos grandes entusiastas da magistratura gaúcha e nacional, Daiello se dedicou, nos últimos anos de vida, a estudar e a auxiliar na assistência a crianças com deficiências cerebrais e motoras graves e permanentes. Filho do também desembargador Maurílio Alves Daiello e de Jovita Guimarães, Daiello iniciou a carreira como oficial administrativo de 1951 a 1954. Em 1955, ingressou como pretor, jurisdicionando na comarca de Cachoeira do Sul. Aprovado no concurso para juiz de Direito em 1957, atuou nas comarcas de Tupanciretã, São Francisco de Paula, Caxias do Sul e Porto Alegre. Foi promovido ao Tribunal de Alçada em 1977 e a desembargador do Tribunal de Justiça em 1979, onde atuou na 1ª Câmara Cível e na 1ª Câmara Criminal. Exerceu a função de Corregedor-Geral da Justiça no biênio 1988/1989 e aposentou-se em 20 de dezembro de 1995. Em 1994, fundou o Instituto do Excepcional, localizado no bairro Partenon, que, por algum tempo, prestou relevantes serviços a crianças com deficiências cerebrais e motoras graves, deixado para publicação um livro inédito de pesquisas relacionadas ao tema. 

Eu, jornalista Vitor Vieira, editor de Videversus, até hoje guardo as cópias de livro (desses usados para registro de atas de assembléias de condomínios) utilizado pela Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) para anotação das inscrições de juízes à tomada dos empréstimos altamente subsidiados obtidos na antiga e extinta Caixa Econômica Estadual. Esses empréstimos eram concedidos na proporção dos valores encaminhados pelos juízes para a conta de depósitos judiciais. Em uma época de inflação a mais de 80% ao mês, como acontecia no início da década de 80, os juízes tomadores dos empréstimos a custo zero saíam da agência bancária com a dívida já quitada. Foi assim que muitos construíram suas magnífícas casas, enviaram filhos e filhas para estudar na Europa e viajaram muito. Nesse livro estão as assinaturas de todos os juízes e desembargadores que pediram e obtiveram aquele dinheiro infame. Mais tarde o esse convênio foi anulado. 

Daiello, Ruy Rosado de Aguiar Junior e Luiz Francisco Correa Barbosa, naquele começo dos anos 80, começaram a dar aulas praticamente em um cúbiculo transformado em sala de aula, localizado no prédio da esquina da rua Jerônimo Coelho com a Praça da Matriz, em Porto Alegre. O prédio é conhecido até hoje como Forte Apache. Hoje é um lugar luxuoso, após uma intensa reforma, e pertence ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Quando Daiello, Ruy Rosado e Barbosa começaram a dar aulas no local, a sala ficava sobre as cavalariças do antigo Forte Apache. Ha muitas histórias indignas na magistratura gaúcha (como a daquele desembargador que assinava ordens de prisões políticas em branco em Bagé, nos primeiros tempos do regime militar, e que tomou uma bofetada na cara desferida por colega que o acusou disso, na salinha da sede da Ajuris no segundo andar do antigo Palácio de Justiça da capital gaúcha), mas certamente há muitas histórias de grande dignidade e de grandes serviços prestados à causa pública, à Justiça, no Rio Grande do Sul. E o nome de Cristovam Daiello deve ser inscrito nessa galeria. 

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