terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Ameaça de embargo dos Estados Unidos pode terminar de destruir o setor petrolífero da Venezuela

A administração Trump está ameaçando com um embargo contra o petróleo venezuelano, algo que tem o potencial de arrasar a Arábia Saudita da América do Sul. Mas a Venezuela, dona das maiores reservas de óleo cru do mundo, está arrasando sua maior indústria sozinha. um tempo em que especuladores diziam, brincando, que bastava um homem com uma pá para encontrar petróleo nas grandes planícies do leste da Venezuela. Atualmente, porém, parece que a ditadura comuno-bolivariana não consegue fazer a indústria funcionar. A grande área de extração situada perto de Punta da Mata, no leste do país, que antes produzia 400 mil barris diários de óleo, hoje está cheia de plataformas quebradas e operários ociosos e famintos. Situada a 290 quilômetros a leste de Caracas, a área está parcialmente paralisada desde o verão. De suas 30 plataformas, apenas seis estão em operação, devido à falta de manutenção e peças de reposição. Muitos operários petroleiros ociosos estão trabalhando como guardas de segurança.


E por bom motivo. Em declínio há 15 anos, nos últimos meses a indústria petrolífera venezuelana entrou em queda livre, contribuindo para o caos econômico e social do país. A área rural rica em óleo cru virou uma terra sem lei, dominada por bandidos. A três horas ao sul desta cidade industrial, um bando de criminosos recentemente assaltou outra plataforma da PDVSA, a gigante petrolífera estatal. Os bandidos amarraram os operários e roubaram seus celulares, antes de levar aparelhos de ar condicionado e equipamentos de cozinha dos trailers da empresa. “A PDVSA está em ruínas”, disse o petroleiro Luis Centeno, líder sindical da área de Punta da Mata. Sob o sol da manhã, ele estava sentado ao lado de um bando de cães esqueléticos e de uma plataforma quebrada: “A empresa está morrendo". A corrupção, a falta de investimentos e a fuga dos técnicos especializados no setor petrolífero, de importância fundamental para o país, criaram uma situação que se tornou insustentável.

Segundo relatório da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), no mês passado a produção petrolífera venezuelana alcançou o nível mais baixo em três décadas: 1,6 milhão de bpd (barris por dia), uma queda de 20% em relação a janeiro de 2017 e menos de metade do que era na década de 1990. A dor de cabeça da Venezuela é um problema para o mundo. A queda acentuada na produção venezuelana, dizem especialistas, exacerba a alta global dos preços do petróleo, que resultou em aumentos no preço da gasolina nos Estados Unidos e outros países. Na Venezuela, problemas crônicos de produção obrigaram o governo a começar a importar gasolina. “A incompetência da Venezuela está empurrando os preços do petróleo para cima”, disse Russ Dallen, sócio gerente do banco de investimentos venezuelano Caracas Capital.

Desde o ano passado, quando foi feito um expurgo de executivos vistos como não sendo inteiramente leais ao ditador Nicolás Maduro, a estatal petrolífera é presidida por Manuel Quevedo, general militar sem experiência anterior no setor do petróleo. Quevedo diz que está tomando medidas para frear a queda livre na produção. Mas a situação negativa na Venezuela pode em breve ficar muito pior. Maduro, o sucessor escolhido a dedo do esquerdista Hugo Chávez, morto em 2013, é candidato à reeleição em abril para um segundo mandato de seis anos. A oposição vê a eleição antecipada como o ponto culminante de uma manobra cuidadosamente orquestrada para conservar o ditador no poder.

No ano passado, após eleições que fortaleceram os socialistas de Maduro mas foram criticadas por diversas irregularidades, a administração Trump aplicou sanções a várias autoridades do país, incluindo Maduro, e restringiram fortemente o acesso do governo venezuelano ao sistema financeiro dos Estados Unidos. Durante viagem que fez à América Latina este mês, o secretário de Estado Rex Tillerson sugeriu que uma “opção nuclear” pode ser iminente – em outras palavras, restrições dos Estados Unidos às importações de petróleo venezuelano e às exportações dos diluentes que a Venezuela necessita para tornar seu óleo cru espesso e pesado mais vendável.

Um alto funcionário dos Estados Unidos, que por questões diplomáticas exigiu anonimato para falar, disse em entrevista que vários departamentos americanos – incluindo os de Estado, de Energia e do Tesouro — estão fazendo um estudo para avaliar o impacto possível dessas medidas restritivas. Se Maduro não mudar de posição em relação às eleições de abril ou não se comprometer a promover uma eleição transparente com monitores internacionais, um embargo será muito provável, segundo o funcionário. 

O bufão Maduro mostrou postura de desafio. “A Venezuela tem um mercado internacional para seu petróleo e substituirá os Estados Unidos por outros países”, ele disse. “Seria muito lamentável se fosse cometido tal erro. Posso lhe dizer que isso custaria a carreira de Donald Trump". Muitos países latino-americanos temem que um embargo possa agravar a crise humanitária venezuelana e perturbar o fornecimento regional de petróleo. Mesmo assim, há apoio crescente na região à adoção de medidas mais duras. 

A receita petrolífera responde por 90% das reservas de divisas do governo venezuelano. Cerca de 40% do óleo produzido no país vai para a China e Rússia para saldar dívidas ou é doado a Cuba, a aliada principal do país. Com isso, os Estados Unidos, arqui-inimigo da Venezuela, é seu maior comprador de petróleo por dinheiro. 



Um embargo dos Estados Unidos “entregaria a PDVSA ainda mais às mãos da Rússia e China, que passariam a controlar seu fluxo de caixa”, disse Francisco Monaldi, especialista em energia venezuelana, da Universidade Rice. A PDVSA já está tão quebrada que credores vêm apreendendo carregamentos de óleo venezuelano na costa de Curaçao e outras ilhas do Caribe. Se o governo americano deixar de importar da Venezuela, essa ação pode levar o país para mais perto de uma moratória em grande escala de sua dívida, algo que pode convertê-lo em pária econômico. Com menos a perder, dizem especialistas, Maduro poderia expulsar as empresas petrolíferas ocidentais que ainda atuam no país, confiscando os bens delas.

A Venezuela informou à Opep que em janeiro sua produção subiu para 1,77 milhão de bpd, mais que o 1,62 milhão de bpd de dezembro. Mas uma análise publicada pela organização baseada em fontes secundárias – incluindo a Administração de Informações Energéticas dos Estados Unidos — mostrou uma erosão maior em janeiro, para 1,6 milhão de barris por dia. A decadência da PDVSA começou anos atrás. A maioria dos especialistas considera que ela começou no final de 2002, quase quatro anos após a chegada de Chávez ao poder. Executivos e operários da PDVSA desafiaram as iniciativas de Chávez para politizar a empresa e lançaram uma grave geral. Chávez reagiu demitindo metade da força de trabalho da PDVSA e contratando novos funcionários. Sob sua direção, os lucros da empresa foram redirecionados para o custeio de programas sociais, e os interesses petrolíferos internacionais foram parcialmente nacionalizados. A queda dos preços globais do petróleo ocorrida nos últimos anos agravou a crise na estatal.

A PDVSA está de joelhos, pelo menos por enquanto. Guillermo Morillo, ex-gerente da estatal e hoje trabalhando sobre um plano de recuperação dela, disse que serão necessários até US$ 100 bilhões (R$ 323 bilhões) em investimentos para levar a produção de volta ao nível de 2009. A produção nos Estados orientais, o coração petrolífero da Venezuela, caiu 34% apenas no ano passado, segundo cifras oficiais da PDVSA e estimativas de especialistas. Na cidade de Morichal, 560 quilômetros a leste de Caracas, dezenas de plataformas fora de operação e máquinas carregadeiras enferrujadas estavam ociosas num dia recente em uma das principais usinas de extração de petróleo no cinturão petrolífero do Orinoco. Ali perto, uma placa desbotada trazia a palavra “pátria” quase ilegível, com uma foto desbotada de Maduro. Um mecânico da PDVSA de uniforme – um macacão vermelho — estava sentado sobre uma barra de concreto, tendo trabalhado apenas metade do dia numa plataforma próxima. Seu salário semanal vale um quarto de dólar no mercado negro e não cobre três refeições por dia. Às vezes ele fica sem almoço. Seu trabalho ficou quase impossível, disse o mecânico, pedindo anonimato por temer represálias do governo. Com hiperinflação de 13.000% ao ano e a moeda nacional, o bolívar, valendo quase nada, a importação de ferramentas e peças de substituição virou um luxo que a PDVSA não tem como custear. Sem essas ferramentas e peças, disse o mecânico, acidentes passaram a fazer parte do dia-a-dia.

Recentemente, ele contou, um motorista estava transportando equipamentos num caminhão velho da estatal quando o veículo morreu, capotando perto de um rio e deixando o motorista com braços e costelas quebrados. “Nossas condições de trabalho viraram inumanas”, disse o mecânico. “Se continuarmos assim mais um ano, vamos morrer.”

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