Em votação apertada (6 a 5), desempatada pela presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, a maioria dos ministros da corte decidiu, nesta quarta-feira (11), que medidas cautelares contra parlamentares – como o afastamento do mandato – precisam ser submetidas ao aval do Legislativo. O relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, votou pela improcedência – para ele, medidas cautelares determinadas pelo STF não devem ser submetidas ao Congresso. Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e o decano Celso de Mello seguiram o relator.
Já os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cármen Lúcia entenderam que a palavra final sobre o afastamento de um parlamentar cabe ao Congresso. Para as três legendas que ajuizaram a ação, uma vez determinadas contra parlamentares medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, o tribunal deve remeter os autos em até 24 horas para a respectiva Casa Legislativa avalizá-las ou suspendê-las.
A decisão do STF nesse julgamento tem impacto direto sobre o caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG), afastado do mandato pela maioria da Primeira Turma do Supremo no final de setembro. O caso gerou desgaste entre o Senado e o Supremo. Conforme o argumento dos partidos, que se baseiam em ao menos três mecanismos da Constituição, qualquer medida que atrapalhe o exercício do mandato de um parlamentar requer análise da respectiva Casa Legislativa.
Ao rebater o argumento de que a Constituição prevê que a prisão em flagrante de um parlamentar seja analisada pelo Legislativo dentro de 24 horas, Fachin afirmou que essa regra limita-se à prisão em flagrante e não alcança medidas cautelares alternativas, cujos objetivos são a manutenção da ordem pública, a preservação da investigação e da instrução penal e a interrupção da prática de crime. Esse dispositivo, segundo Fachin, "nem de longe confere ao Poder Legislativo o poder de revisar juízos técnico-jurídicos emanados do Poder Judiciário".
"Ao Poder Legislativo, a Constituição outorgou, pela regra de seu art. 53, § 2º, apenas o poder de relaxar a prisão em flagrante, forte num juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão, por parte do Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar referida imunidade para além dos limites da normatividade que lhe é própria, em ofensa ao postulado republicano e à própria independência do Poder Judiciário", afirmou Fachin em seu voto.
Segundo ministro a votar, Alexandre de Moraes divergiu do relator. Ele votou pela impossibilidade de o Supremo aplicar medidas cautelares que interfiram no exercício do mandato e no direito de ir e vir dos parlamentares. Caso a corte decida por tais medidas, pelo entendimento de Alexandre de Moraes, é necessário submetê-las ao Legislativo. Moraes disse que as imunidades parlamentares não são uma "jabuticaba brasileira", mas uma norma com 400 anos de tradição em países democráticos.
Segundo Moraes, na Inglaterra, por exemplo, instituiu-se a imunidade para evitar que parlamentares pudessem ser retirados de votações importantes no Parlamento de forma arbitrária sem terem sido condenados conforme os trâmites do devido processo legal.
"A diminuição de imunidades parlamentares se faz em momento de exceção, de tirania. A fortaleza da democracia também é a fortaleza do Poder Legislativo", disse Moraes. "Os parlamentares só podem ser afastados do mandato em uma hipótese: flagrante delito por crime inafiançável. E, mesmo nessa hipótese, quem resolve é o próprio Congresso. Não é uma norma isolada. A norma traz em si 400 anos de imunidades".
O ministro Barroso, em seguida, acompanhou o voto de Fachin. Ele trouxe à discussão elementos concretos sobre o caso de Aécio, que foi delatado por executivos da JBS e gravado negociando R$ 2 milhões, supostamente como propina. Barroso disse que, nesse caso, diante das provas reunidas, o STF reforçaria a "tradição" de só prender os peixes pequenos e deixar soltos os peixes grandes se não aplicasse alguma medida ao senador. A irmã de Aécio, Andrea Neves, um primo deles e um assessor parlamentar chegaram a ficar presos preventivamente por causa da delação da JBS, mas o tucano, não: "O que se impede com o recolhimento domiciliar noturno é que se frequentem baladas, restaurantes", disse Barroso. Para ele, portanto, a pessoa não deve levar a vida "como se nada tivesse ocorrido".
Em seu voto, a ministra Rosa Weber destacou que a imunidade parlamentar foi concebida para proteger o mandato, não o indivíduo. "Prerrogativa institucional não se confunde com privilégio pessoal. Não há, em um Estado Democrático de Direito, espaço para privilégios voltados para a satisfação de interesses pessoais de seus beneficiários". "Submeter ato do Poder Judiciário a escrutínio de outro Poder, o Legislativo, à revelia de comando constitucional, isso, sim, implicaria corromper o equilíbrio do delicado sistema de separação de Poderes", disse Weber.
De acordo com Luiz Fux, a imunidade parlamentar foi criada para evitar perseguição política, não para tratar de crime comum, mas que essa regra tem servido para proteger todos os atos dos parlamentares. "Não é possível que se possa impor ao Judiciário assistir passivelmente a prática de ilícitos em nome de garantias constitucionais intransponíveis", disse Fux.
Celso de Mello elogiou o voto de Fachin e destacou o precedente do plenário do Supremo que, no ano passado, afastou o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso no Paraná. Mello criticou ameaças recentes do Senado de descumprir determinações da corte, conforme noticiou a imprensa no caso de Aécio. "Um dos pontos para manter o convívio harmonioso situa-se no cumprimento de decisões judiciais", afirmou. E citou Ruy Barbosa (1849-1923): "Nossa Justiça é quem define quando os atos do Legislativo e do Executivo estão fora da Constituição. O Supremo é o Poder regulador."
Já Toffoli disse que, se o Congresso tem poder de analisar a prisão (medida mais gravosa), também tem poder de analisar cautelares que interfiram no exercício do mandato –"se pode o mais, pode o menos", afirmou. Para o ministro, medida cautelar que implique afastamento de mandato ou que crie embaraços ao seu exercício (como o recolhimento noturno) somente pode ser imposta em caso de flagrante de crime inafiançável ou em situações de "superlativa excepcionalidade". E, nesses casos, passar pelo crivo do Legislativo.
No entendimento de Lewandowski, a aplicação de medida cautelar que implique afastamento de um congressista exige que o Supremo remeta os autos ao Legislativo, em até 24 horas, para que seus pares analisem.
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