domingo, 22 de outubro de 2017

Ministro Marco Aurélio Mello diz que Polícia Federal também pode fazer acordo de delação premiada


O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, sustenta que a Polícia Federal, e não apenas o Ministério Público Federal, pode fazer acordo de delação premiada com interessados em colaborar em qualquer etapa de uma investigação criminal. O voto do ministro, relator de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o alegado direito da Polícia Federal de fazer acordo de delação, está pronto e deve liberado para ser incluído em pauta ainda esta semana. A partir daí, caberá a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, definir a data de votação do caso. 

A decisão do plenário do Supremo sobre o assunto deverá por fim a uma longa queda-de-braço entre Ministério Público e a Polícia Federal. Desde o início da Operação Lava-Jato, procuradores e delegados travam uma surda batalha em torno da primazia da delação. Procuradores entendem que negociar acordo de delação é uma atribuição exclusiva do Ministério Público. Isto porque a instituição é titular da ação penal e, nesta condição, seria a única autorizada a indicar o tamanho da pena a ser aplicada a um criminoso.

Delegados, entretanto, discordam. Para eles, a lei 12.850 (lei sobre organizações criminosas) abre para a polícia a possibilidade de fazer acordo de delação, sem fazer qualquer distinção entre os papéis da instituição e do Ministério Público neste quesito. "O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal", diz o artigo 4º da lei, em vigor desde 2013.

Marco Aurélio não vê problema algum em acordos conduzidos pela polícia. Para ele, um delegado pode, sim, oferecer benefícios a um investigado em troca de colaboração da mesma forma que faz um procurador. Nos dois casos, a palavra final é sempre de um magistrado. O ministro entende que acordos negociados pela polícia tem validade também porque conta também, ainda que indiretamente, com a participação do Ministério Público. Antes de ser homologado, o acordo é submetido ao Ministério Público, que deve dizer se concorda ou não com os benefícios sugeridos pela polícia.

O ministro já expressou este ponto de vista no plenário do Supremo e reproduziu este entendimento no voto a ser apresentado esta semana. O ministro emitiu o voto a partir de uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) ajuizada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot justamente contra o artigo 4º da lei 12.850. Não será surpresa se a tese do ministro tiver acolhida da maioria dos colegas de corte. Alguns ministros consideram que o Ministério Público teve poderes ampliados com a Constituição de 1988 e com a própria decisão do Supremo de reconhecer na instituição a atribuição de conduzir investigações criminais. Agora teria chegado o momento de "conter" essa expansão. 

As divergências sobre quem deve ou não negociar acordo de delação começaram logo no início da Lava-Jato quando a Polícia Federal obteve a colaboração da doleira Nelma Kodama, uma das cúmplices do doleiro Alberto Youssef, contra a vontade dos procuradores da força-tarefa de Curitiba. Delegados e procuradores divergiram fortemente quando a Polícia Federal interrogou e fez acordo de colaboração com o marqueteiro Duda Mendonça, isto depois da oferta de delação ter sido rejeitada duas vezes por procuradores em São Paulo e Brasília. O caso agora está pendente de decisão do Supremo.

As diferenças, aparentemente apenas disputa por espaço entre duas instituições, podem ter reflexos nos resultados gerais da Lava-Jato. Não por acaso, delegados fizeram, inclusive em relatórios formais, duras críticas a acordos de delação de executivos da Odebrecht e da JBS, firmados sem a participação da Polícia Federal. Em contrapartida, procuradores reclamam de uma suposta falta de vontade da polícia de aprofundar determinadas investigações. 

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