À frente de verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, sindicalistas se aproveitam da falta de transparência e fiscalização para enriquecer às custas do movimento sindical
A suposta greve geral que há alguns dias conseguiu parar várias localidades do País com o controle dos transportes urbanos expôs uma realidade nua e crua que começa a irritar toda a população. Atuando em tática de guerrilha, queimando pneus e destruindo ônibus, sindicalistas que faziam a manifestação – com participantes contados aos dedos – moviam-se na verdade com um objetivo específico. Qual seja: barrar a discussão no Congresso que visa modernizar a lei trabalhista. Esses pelegos de carteirinha, muitos dos quais nunca trabalharam, temem como golpe fatal à sua existência o fim do chamado Imposto Sindical, aquela famigerada taxa que todo trabalhador é obrigado a pagar anualmente e que banca hordas de desocupados, representantes de categorias que só aparecem no momento da rescisão de cada um, para tomar mais um dinheiro em comissão.
Assim, por décadas caminhou a articulação dessa turma. Especialmente nos últimos tempos, na era das gestões Lula e Dilma, a quantidade de sindicatos, associações de classe e representações de categoria, explodiu com o incentivo e as gordas subvenções do governo, que buscava arregimentar aliados para a sua causa de perpetuação no poder. A deposição da petista Dilma e o início da administração Temer, que pôs em andamento a reforma trabalhista, está provocando uma reviravolta nessa realidade, com chances de colocar um ponto final na farra da pelegagem, que tem muitos dos seus líderes hoje vivendo como autênticos marajás.
O descontrole do mundo extraordinário dos pelegos é tamanho que dezenas de escândalos por desvios vieram à tona, deixando evidente a falência desse sistema. Em 2008, a polícia chegou a flagrar um grupo de sindicalistas da cidade de Campinas, no interior de São Paulo, que, em troca de subornos, vendia os interesses da própria categoria de trabalhadores que diziam representar. No flagrante exibido aos expectadores, uma propina de R$ 100 mil era negociada em nome de funcionários de empresas de transporte coletivo da cidade. Há um mês os bandidos travestidos de sindicalistas – e com carteirinha para comprovar a função – eram monitorados pelo Ministério Público e pela polícia. Como esse, centenas de casos de deturpação da atividade são registrados, dando conta de fabulosas cifras e esquemas criminosos que passaram a prevalecer no sindicalismo.
Os pelegos, em sua maioria, vivem bem. Com estabilidade financeira e sem qualquer risco de desemprego. A missão de um sindicato deveria ser a de lutar pelo benefício dos trabalhadores. Mas, na prática, não é isso que vem acontecendo. Seus membros movem-se por interesses quase sempre pessoais. Mesmo quando travam ruas, promovem invasões, quebra-quebras e colocam seus carros de som para gritar palavras de ordem que escondem objetivos inconfessáveis. Controlados por dirigentes corruptos, esses sindicatos acabam por tirar o dinheiro do bolso do trabalhador para colocar no bolso deles. Os donos dessas siglas de aluguel usam as verbas para ganhar poder e fazer fortunas.
O Brasil tem hoje mais de 16 mil sindicatos, muito mais que outros países da Europa e América Latina. Em 2016, sindicatos, centrais sindicais, federações e confederações arrecadaram mais de R$ 3,5 bilhões com o imposto, que corresponde a um dia de salário anual do trabalhador, independente dele ser sindicalizado. Entre as entidades de classe, CUT (Central Única dos Trabalhadores) e Força Sindical estão no topo da lista, com R$ 59,8 milhões e R$ 46,6 milhões respectivamente. E os pelegos não querem perder esse quinhão. Verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, a direção dos sindicatos é cada vez mais cobiçada por eles. Eleições fraudadas, desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito não são pontos fora da curva.
A lei não obriga as entidades sindicais a prestarem contas de suas operações. Sendo assim, o dinheiro arrecadado pelos sindicatos – em grande parte dinheiro público – nem sempre é utilizado da maneira correta. Ele acaba, muitas vezes, no bolso de dirigentes que aumentam seu patrimônio de forma ilícita e exponencial. “A não prestação de contas é grave, já que isso é dinheiro público. O ideal é que os sindicatos prestassem contas espontaneamente, e não apenas quando obrigados pelo Ministério Público”, afirma Almir Pazzianotto, que foi ministro do Trabalho do governo José Sarney.
Em Niterói, no Rio de Janeiro, o piso salarial dos comerciários é de R$ 1.150,00. Um comerciário comum, portanto, vive uma realidade bem diferente da vivida pela presidente do SEC (Sindicato dos Empregados do Comércio), Rita de Cácia da Silva Rodrigues de Almeida. A frente da entidade, ela adquiriu, em menos de quatro meses, oito veículos de luxo e nove imóveis em diferentes cidades. Em 2014, uma operação da Polícia Civil a apontou como chefe de uma fraude milionária: com um salário de mais de R$ 50 mil, Rita faturava entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão mensais desviando dinheiro das taxas pagas pelos comerciários filiados. Seu filho, Chriszanto Gonzales, ainda receberia R$ 21 mil por mês para ser vice-presidente do sindicato. Ambos seguem nos cargos de presidência e vice-presidência da entidade, segundo o site do sindicato.
Os casos de sindicatos comandados por famílias não são raros. No Rio de Janeiro, o Sindicato dos Comerciários foi comandado pelos Mata Roma por quase 50 anos. Luizant Mata Roma foi nomeado interventor do sindicato em 1966. Só deixou o cargo quando morreu, em 2006. O posto foi assumido por seu filho, Otton da Costa Mata Roma. A entidade era um feudo familiar: sua folha de pagamentos incluía mais de 10 parentes. Em 2014, após investigações, o MP pediu o afastamento de Otton, acusado de nepotismo e desvio de dinheiro. Toda a antiga diretoria foi destituída porque não tinha legitimidade para estar à frente do sindicato.
Orlando Diniz O presidente da Fecomércio-RJ vive em um luxuoso apartamento no Leblon e desfruta de uma casa de praia em Mangaratiba
Os dirigentes de sindicatos, assim como grande parte dos trabalhadores brasileiros, parecem desejar desfrutar a vida à beira-mar. Na lista de bens de vários deles encontram-se casas de veraneio e até hotéis. Genival Beserra Leite é presidente do Sindeepres (Sindicato dos Empresários Terceirizados), entidade que arrecadou mais de $ 9,3 milhões em 2016 com a contribuição obrigatória. Em paralelo à vida de líder sindical, também é dono de um hotel e de uma pousada em Ilhabela, no litoral de São Paulo. Na pousada Mais Bella, a diária de uma suíte de luxo para quatro pessoas pode chegar a R$
3.420, dependendo da data.
Fábio Meirelles A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo, da qual é presidente, é investigada por nepotismo
Quem também gosta de passar o verão com os pés na areia é Orlando Diniz, presidente da Fecomércio-RJ que comanda ainda o Sesc-Rio e o Senac-RJ. Ele ostenta um apartamento de 400 metros quadrados no Leblon, avaliado em R$ 12 milhões, e uma casa de veraneio avaliada em R$ 5 milhões, em Mangaratiba. O comerciário é bastante próximo do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, preso pela Operação Lava Jato. Além de contratos milionários da federação com o governo, em 2014, e-mails trocados entre Cabral e Diniz revelaram pedidos pessoais do ex-governador ao presidente da Fecomércio-RJ, como a contratação de sua cunhada pelo Senac. Em um cenário onde o número de desempregados passa dos 14 milhões, a prioridade dos dirigentes sindicais passa cada vez mais ao largo dos direitos dos trabalhadores: se perdeu entre as casas de luxo do litoral brasileiro.
Com mais de 16 mil registros, Brasil é campeão em número de sindicatos. Já o Reino Unido tem apenas 168 sindicatos. A Argentina tem apenas 91 sindicatos. E a Alemanha só 16 sindicatos. Os Estados Unidos registram apenas 130 sindicatos. E a Dinamarca tem só 164. (IstoÉ)
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