domingo, 23 de julho de 2017

PCC firma parceria com a organização terrorista libanesa Hezbollah e aumenta muito o seu poder financeiro

Que o Primeiro Comando da Capital, o temido PCC, ampliou os negócios para além das prisões paulistas já se tem notícia há pelo menos 10 anos. Que a facção criminosa cooptou integrantes das forças militares do Paraguai, isso não é novidade. O que não se sabia até agora era que os bandidos brasileiros trabalham numa espécie de parceria comercial com o Hezbollah, a organização terrorista islâmica paramilitar libanesa, com sede em Beirute, a mais de 10.000 km do Brasil. A partir de relatórios inéditos e entrevistas com integrantes de forças de segurança nacionais e estrangeiras, a relação entre os dois grupos é estabelecida para além de simples suposições, expondo o tráfico de drogas e armas, o contrabando — de produtos eletrônicos, cigarros, roupas e combustível — e a sonegação de impostos. Tudo negociado e movimentado a partir das fronteiras.

De acordo com um relatório apresentado pela Fundação de Defesa da Democracia (FDD) — ong americana que atua no combate a grupos terroristas —, o PCC, maior facção do crime organizado brasileiro, se aliou ao Hezbollah para elevar o poder financeiro. De acordo com o documento, o PCC está comprando drogas em países sul-americanos, como Paraguai e Colômbia, e repassando ao grupo que atua no Líbano. Segundo a FDD, as drogas são adquiridas por um baixo preço nas nações que fazem fronteira com o Brasil e vendidas por valor mais elevado ao Hezbollah. Além disso, a atuação central do PCC seria no contrabando de cigarros.

Os criminosos se aproveitam da imensa faixa de fronteira do Brasil com 10 países da América do Sul para entrar com produtos ilegais. São mais de 15 mil quilômetros em que graves problemas de vigilância permitem o comércio milionário do crime organizado. O cientista político Guaracy Mingardi, que atuou na Secretaria Nacional de Segurança Pública, investiga o PCC há mais de 20 anos. Ele conta que hoje a facção brasileira ganhou ramificações internacionais. “O PCC já é um grupo criminoso internacional. Ele tem escritório no Paraguai para o transporte de drogas e armas, e na Bolívia, onde os entorpecentes são comprados. Tem algumas ligações no Peru, na Colômbia. Muitas vezes, eles podem fazer esse transporte de mercadoria para a Europa e para o Oriente Médio. Já sabemos que ocorre há algum tempo”, destaca.

Na Bolívia, um quilo de cocaína custa cerca de R$ 10 mil. Já no Brasil, a mesma quantidade chega a valer mais de R$ 20 mil, sendo que muitas vezes é misturada com outros produtos para render mais e pode resultar num lucro de R$ 180 mil. Os representantes do Hezbollah compram a droga pelo preço vendido em território brasileiro, o que propicia um ambiente financeiramente favorável para a expansão do PCC. Por meio de pontos vulneráveis, o entorpecente entra no Brasil via terra, ar e rios.

O ponto mais crítico é na região de Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai. O país vizinho é usado como rota de escoamento da droga e de produtos ilegais, que vão parar nas grandes cidades brasileiras. Uma vez aqui dentro, a droga é enviada para o comércio nas cracolândias, em bocas de fumo de todos os Estados, em presídios e nas periferias. No entanto, parte dos entorpecentes trazidos pelo PCC já tem destino certo: segue para o Oriente Médio, comprada pelo Hezbollah. Essas atividades rendem à facção brasileira um orçamento anual de R$ 20 milhões. O dinheiro financia a compra de armas e o recrutamento de criminosos que atuam dentro e fora das prisões para manter o poder paralelo da organização.

No ano passado, o narcotraficante Jorge Rafaat Toumani, de 56 anos, foi assassinado a tiros de metralhadora .50, equipamento usado em guerras. Conhecido como o “Rei do Tráfico”, ele tinha imposto um pedágio para o transporte da droga entre os dois países. De acordo com a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, entre 30 e 40 veículos do PCC foram usados no ataque que matou Raffat. Na hora do crime, ele estava acompanhado por 30 seguranças e usava uma caminhonete blindada.

Os prejuízos com o contrabando não se limitam ao financiamento das organizações no Brasil e no Exterior. Esse tipo de atividade ilegal causa dano bilionário. O Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) aponta que somente o contrabando de cigarros provoca um impacto negativo de R$ 8,8 bilhões na economia brasileira. Em 2016, o levantamento da instituição mostrou que a pirataria e a sonegação de impostos, resultantes da entrada de produtos ilegais em território nacional, geraram um prejuízo de R$ 130 bilhões nos setores público e privado.


A relação simbiótica entre facções brasileiras e de países da América Latina é antiga, mas, como se vê, está se ampliando para grupos de países árabes. O general Theophilo Gaspar de Oliveira — militar experiente em assuntos relacionados ao combate ao tráfico de armas — citou casos de envolvimento de traficantes brasileiros, como Fernandinho Beira-Mar, que circulou pelo Paraguai antes de ser preso, em 2001, na Colômbia. “As facções ampliaram o poder para além das fronteiras”, diz o general, chefe do Comando Logístico do Exército, em Brasília. Uma das recomendações do militar é controlar com mais eficiência os armamentos produzidos no Brasil, estabelecendo sanções e restrições para países que revendem os produtos nacionais.

No ano passado, por exemplo, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou a fabricante brasileira de armamento Taurus por exportar ilegalmente um lote com oito mil armas para o iemenita Fares Mohammed Mana’a, que, de acordo com as Nações Unidas, é um dos maiores traficantes de armas do mundo. Na denúncia, os procuradores afirmam que as peças foram vendidas por R$ 2 milhões por dois executivos da companhia. As pistolas e revólveres comercializados sem autorização dos órgãos reguladores foram parar no Iêmen, sendo usados na guerra civil que assola o país.

A Taurus é a maior exportadora de armamento da América Latina. De acordo com o Ministério Público, estava preparada para enviar um segundo lote, de 11 mil armas. Em nota, a Procuradoria da República do Rio Grande do Sul informa que o processo continua em andamento na Justiça. No entanto, por conta do envolvimento com organizações internacionais, o caso está sob segredo de Justiça. 

Já a Taurus alega que todas as armas vendidas pela empresa são documentadas e seguem os protocolos exigidos pela legislação brasileira que regulam a comercialização. Em relação ao episódio do Iêmen, a empresa afirma que a conduta apurada pela Justiça se refere à ação isolada de dois ex-funcionários. Os lotes investigados teriam sido vendidos ao governo do Djibouti, nação do nordeste da África, e a Taurus afirma que “não teve na época motivos para desconfiar dos compradores”.

O general Theophilo destaca que o Brasil deveria seguir o modelo europeu e aplicar regras mais rígidas no controle do comércio dos artefatos. “Os países europeus estabelecem restrições quando uma arma deles é contrabandeada ou vendida. Por que não temos as mesmas regras para as nossas?”, questiona. Um dos casos mais rumorosos ocorreu ao longo de um processo de compra de metralhadoras HK, da Alemanha, para forças de segurança do Brasil durante os Jogos Olímpicos de 2016. Supostamente, algumas armas desse lote específico teriam ido parar nas mãos de integrantes do Cartel de Sinaloa, no México. Como o contrato envolvia um “suporte logístico” para reposição de peças, o Brasil ficou impossibilitado de importar produtos para as próprias armas, por imposição do país fabricante.

Atualmente, está prevista a atualização do regulamento para fiscalização de produtos controlados, o R-105, como é conhecido entre os militares. No texto, há um artigo que estabelece restrições de comércio para países que revendam armas brasileiras ou não consigam controlar o tráfico dos produtos. A minuta do novo regulamento circula, num bate e volta infindável, entre os gabinetes dos ministérios da Defesa e da Casa Civil há mais de um ano, sem data ainda para se transformar em regra. (LC e RS) (Correio Braziliense)

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