Em mais um aceno aos Estados, o governo deve retomar as discussões sobre o projeto que permite ao setor público vender créditos de dívidas parceladas por contribuintes, a chamada "securitização". O relator da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR), já concluiu seu parecer, e há a possibilidade de a iniciativa ser apreciada logo na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) como item extrapauta.
O Palácio do Planalto, no entanto, quer mais tempo para discutir a proposta com o Ministério da Fazenda. Assim, o governo evita levar para o plenário eventual embate em torno do texto. Dentro da área econômica, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é contra a medida por considerar que não faz sentido vender um crédito já parcelado, cuja cobrança é mais fácil e previsível.
O princípio da securitização é a venda dos direitos sobre esses débitos tributários ou não tributários já parcelados pelos contribuintes e que seriam recebidos ao longo dos anos pelo ente público. A cessão dos créditos permite que a União ou o Estado embolse esses recursos de forma imediata, mas, em troca, precisa dar um "desconto" no valor de face dessas dívidas para que o comprador aceite recebê-las em parcelas.
A avaliação entre técnicos da PGFN é de que, se o desconto exigido pelos investidores for muito alto, o dinheiro arrecadado agora pode ser muito pouco perto do que seria com a cobrança do parcelamento, tornando a operação menos atrativa aos olhos do setor público.
No caso dos Estados, cálculos preliminares da PGFN encaminhados no ano passado para a assessoria técnica do Senado indicam que eles têm um potencial de venda de R$ 60,5 bilhões de dívidas que foram parceladas. Considerando um desconto estimado de 50%, a arrecadação dos governos estaduais poderia atingir R$ 30,2 bilhões. "Trata-se de iniciativa de impacto positivo para as finanças dos entes federativos, que poderão ter, com a nova legislação, um caminho para minimizar os efeitos nefastos da crise fiscal", diz o relatório de Jucá.
Em jantar com governadores no mês passado, o governo do presidente Michel Temer sinalizou com a promessa de votação da medida no plenário do Senado até 17 de junho, quando começa o recesso parlamentar. Depois disso, o projeto ainda precisaria ser apreciado pela Câmara.
O relatório de Jucá, que é líder do governo no Senado, manteve dispositivos que já constavam no parecer de seu antecessor na relatoria, senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Entre eles está a descaracterização da securitização como operação de crédito. Esse ponto é considerado, pelos apoiadores da medida, necessário para afastar questionamentos sobre possível violação à Lei de Responsabilidade Fiscal e a eventual insegurança jurídica decorrente disso - inclusive para operações que já foram realizadas por alguns Estados.
Com isso, o parecer diz que a arrecadação obtida com a venda dos créditos parcelados será considerada receita de capital proveniente de venda de patrimônio. Essa receita, no entanto, não poderá financiar despesas correntes, salvo se houver lei específica para destinar esses recursos a regimes de previdência.
Antes, o parecer de Bauer previa a destinação obrigatória de 70% das receitas da securitização para os regimes de previdência e dos outros 30% para investimentos. Essa previsão não consta no relatório de Jucá. A justificativa do novo parecer é a de que a vinculação da receita em porcentuais específicos poderia ser questionada por inconstitucionalidade diante do princípio de autonomia federativa.
Foi mantida, entretanto, a previsão de que a obrigação do pagamento da dívida será do contribuinte - ou seja, o ente público que ceder o crédito será isento de responsabilidade, compromisso ou dívida com a empresa privada ou o fundo de investimento que adquiri-lo. Essa era uma preocupação da PGFN, a de que a União ou os Estados pudessem ser vistos como "fiadores" do crédito e, em caso de inadimplência, cobrados por ele.
O relatório, por sua vez, prevê que a Fazenda Pública ou o órgão de administração respectivo terá "prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que se tenham originado os direitos cedidos". O novo texto ainda diz que a securitização não pode ocorrer quando os valores dos créditos estão sujeitos à partilha com entes subnacionais. O ente tampouco poderá descumprir as vinculações constitucionais ou legais dos recursos.
A proposta veda que instituições financeiras controladas pelo ente que está cedendo os créditos de adquiri-los, seja na compra primária, seja no mercado secundário. Isso não impede, porém, que a instituição atue na estruturação da operação. Para impedir que determinado governo promova o "esvaziamento" das receitas futuras, a operação de securitização só pode ocorrer até 180 dias antes do fim do respectivo mandato. A exceção é quando os recursos obtidos com a venda dos créditos forem integralmente recebidos depois desse prazo, ou seja, no mandato seguinte.
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