Um telescópio virtual do tamanho da Terra está pronto para conseguir a primeira fotografia de horizonte de eventos a 26 mil anos-luz de distância e de mais de 20 milhões de quilômetros de diâmetro. Cientistas acreditam estar prestes a obter a primeira imagem de um buraco negro. Eles construíram um "telescópio virtual" do tamanho da Terra ao ligar transmissores de rádio a partir de Boston, nos Estados Unidos, para pontos no Pólo Sul, no Havaí, nas Américas e na Europa. Há um grande otimismo de que as observações, a serem conduzidas entre 5 e 14 de abril, possam finalmente revelar a tão aguardada imagem. Na mira do chamado "Event Horizon Telescope" (Telescópio de Horizonte de Eventos ou EHT) estará o monstruoso buraco negro no centro da nossa galáxia. O objeto, catalogado como Sagittarius A, nunca foi diretamente observado. Mas acredita-se na sua existência devido ao movimento de estrelas próximas. Elas se movimentam em torno de um ponto no espaço a uma velocidade de milhares de quilômetros por segundo, sugerindo que o buraco tenha uma massa quatro milhões de vezes a do Sol. Porém, por mais gigante que pareça ser, o "horizonte de eventos" - ou a "borda" do buraco onde a força gravitacional é tão forte que nem a luz consegue escapar - não deve ter mais que 20 milhões de quilômetros de diâmetro. A uma distância de 26 mil anos-luz da Terra, o Sagittarius A é apenas um minúsculo ponto no céu. A equipe do EHT está, mesmo assim, bastante otimista. "Há uma grande emoção", disse o diretor do projeto, Sheperd Doeleman, do Centro para Astrofísica de Harvard-Smithsonian, em Cambridge, Massachusetts. "Estamos trabalhando no telescópio virtual há quase duas décadas e, em abril, vamos fazer as observações que esperamos ser as primeiras a trazer o horizonte de eventos do buraco negro em foco", disse ele. O truque do EHT é uma técnica chamada Interferometria de Longa Linha de Base (VLBI). Ela combina uma rede bastante ampla de radiotelescópios de vários pontos da Terra criando um telescópio virtual gigante capaz de produzir a resolução necessária para observar o buraco negro distante no espaço. O EHT tem como objetivo inicialmente chegar a uma precisão de 50 microarco-segundos. Segundo a equipe, isto significa que o telescópio conseguiria capturar a imagem de uma laranja na superfície da Lua vista da Terra. Eles ressaltam que ainda haverá anos de intenso trabalho, mas vêem pela frente a perspectiva de uma iminente descoberta. Os cientistas fazem uma idéeia do que esperam ver. Simulações baseadas nas equações de Einstein prevêem um anel brilhante no entorno de uma forma escura. A luz seria produzida por partículas de gás e poeira aceleradas em alta velocidade e destruídas pouco antes de desaparecer no buraco. Já a área escura seria a sombra que o buraco lança nesse turbilhão. "Agora, pode ser que vejamos algo diferente", disse Doeleman: "Nunca é uma boa idéia apostar contra Einstein, mas se observarmos algo muito diferente do que esperamos, talvez tenhamos que reavaliar a teoria da gravidade. Não acredito que isto vá ocorrer, mas qualquer coisa pode acontecer e esta é a beleza disso tudo". Ao longo dos anos, cada vez mais instalações de radioastronomia foram acrescentadas ao projeto. A última instalação estratégica a ser incluída foi o Observatório Alma (ou Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), no Chile. Inaugurada em 2013 no Deserto do Atacama, a estação abriga 66 antenas da sete metros de diâmetro cada. Esta tecnologia aumentou a sensibilidade do EHT em um fator de 10 - uma das razões para o otimismo dos cientistas. Mesmo assim, cientistas tiveram que instalar equipamentos especiais em todos os radiotelescópios envolvidas nas observações. Isto inclui grandes discos rígidos para armazenar volumes gigantescos de dados, e relógios atômicos para registrar tudo isso com precisão. Mas, antes, os discos rígidos precisam ser transportados para um grande centro de computação no Observatório Haystack, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) , localizado próximo a Boston, nos Estados Unidos. "Nossos módulos de disco rígido têm uma capacidade de cerca de 100 laptops padrão", diz Vincent Fish, do observatório. "Temos vários módulos em cada telescópio e temos numerosos telescópios na matriz. Então, no total, estamos falando de algo em torno de 10 mil laptops em quantidade de informação". É num computador complementar de Haystack que toda a informação será reunida. Foram desenvolvidos avançados algoritmos para interpretar dados das observações do EHT e transformá-los em imagens. Mas os resultados não virão rápido. Poderia levar até o final do ano, ou talvez até o início de 2018, para que a equipe divulgue a primeira imagem do buraco negro. Olhando para o futuro, os cientistas já pensam em como estender essas técnicas. Por exemplo, a matéria mais próxima ao "horizonte de eventos" e prestes a desaparecer no Sagittarius A deveria levar cerca de 30 minutos para completar a órbita. Katie Bouman, do Laboratório de Inteligência Artificial de Computação Científica do MIT, acredita que seria possível capturar esse movimento. "Queremos forçar a fronteira e tentar fazer filmes com essa informação", disse ela. "Talvez possamos ver o gás fluindo no entorno do buraco negro. Essa é realmente a próxima etapa do que estamos tentando alcançar com esses algoritmos de geração de imagens". Mas, antes de tudo, a equipe precisa de tempo bom em abril nas estações participantes. Se houver muito vapor d'água, o EHT vai ter dificuldade de enxergar através da atmosfera da Terra. Conseguir uma imagem do Sagittarius A seria um triunfo em si, mas o objetivo real é usar a capacidade de imagem para testar aspectos da Teoria da Relatividade. Se existem falhas a serem encontradas nas idéias de Einstein - e os cientistas suspeitam que existam explicações mais complexas para a gravidade esperando serem descobertas -, é no buraco negro que as limitações devem ser expostas. (BBC)
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