Em outubro de 2012, um vídeo com pouco mais de três minutos, divulgado na internet, anunciava um projeto que prometia levar uma esperança a mais a pacientes que sofrem com uma das doenças que mais matam no País. Para reunir em um mesmo local, no Centro do Rio de Janeiro, ações de tratamento, prevenção e pesquisa, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) pretendia construir um moderno campus integrado. Com o ano de 2016 chegando ao fim, a construção deveria estar a pleno vapor, para que fosse concluída no início de 2018. O que se vê, porém, no terreno localizado próximo à Praça da Cruz Vermelha, atrás da atual sede, é entulho e mato alto. Por trás dessa história, está um enredo que vem se repetindo Brasil afora. Não bastassem estar envolvidas em denúncias de corrupção e formação de cartéis, empresas investigadas pela Operação Lava-Jato também têm deixado um rastro de obras paradas. Somente uma amostra detectou 11 grandes projetos estagnados, sem prazo para serem retomados. Há casos em que sequer há números precisos sobre o volume de gastos envolvidos, mas é possível dizer que essas construções já consumiram pelo menos R$ 55,7 bilhões. Além das próprias acusações de pagamentos de propinas, dificuldades financeiras enfrentadas pelas empreiteiras e até divergências contratuais com os órgãos públicos têm sido os principais motivos para o abandono dos canteiros. Embrenhados em trâmites burocráticos e com dificuldades de conseguir mais recursos, os entes envolvidos não conseguem retomar os trabalhos e tentam evitar o desgaste do que já foi construído. Além do novo Inca, a lista inclui rodovias, ferrovias, metrô, obras hídricas e até uma universidade. As consequências da interrupção afetam diretamente a população: com um trecho da transposição do Rio São Francisco abandonado pela construtora Mendes Júnior, a cidade de Fortaleza teme um colapso no abastecimento de água. Projetos como a usina de Angra 3, da Eletronuclear, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras, citados diretamente na Lava-Jato, já consumiram cerca de R$ 6,2 bilhões e R$ 46,5 bilhões respectivamente. Não há perspectiva de quando começarão a funcionar. Para o Campus Integrado do Inca, a contratada foi a Schahin Engenharia. O valor total previsto para o grandioso projeto era de R$ 526 milhões. Entre 2013 e 2015, de acordo com dados do Portal da Transparência, a empresa recebeu do Ministério da Saúde R$ 37,4 milhões. Investigada na Lava-Jato pela participação num esquema de propinas envolvendo a operação de um navio-sonda da Petrobras, a firma abandonou o projeto do Inca em abril de 2015, alegando dificuldades financeiras. Foi advertida e punida com a perda do direito de contratar com o poder público. Uma nova data para a sequência dos trabalhos do campus, porém, é uma incógnita. “A continuidade da obra depende da atualização do projeto e consequente realização de nova licitação, cujos trâmites já se iniciaram. O orçamento está sendo redimensionado”, afirma em nota o instituto. Outro projeto iniciado pela Schahin e que hoje em dia se limita a esqueletos de prédios é o campus da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu (PR). Após receber R$ 108 milhões, a empresa abandonou as obras em 2015 e ainda entrou em disputa judicial com a União para discutir valores contratuais. O governo federal, que vem pagando mensalmente R$ 733 mil para que a instituição possa exercer suas atividades em imóveis alugados, também cobra da empreiteira os prejuízos deixados pela não conclusão do campus. Em nota, a Schahin afirmou que “em função da crise financeira no Brasil e dos episódios que envolveram a Petrobras e seus fornecedores, foi levada a reestruturar seus negócios, encerrando suas atividades no campo da construção e da engenharia para concentrar-se na operação de serviços na área de petróleo”. Além do gasto já realizado, o prejuízo causado pelo abandono das obras é uma dor de cabeça a mais para os contratantes. Envolvida em denúncias não só do eixo principal da Lava-Jato como da Operação Pripyat, em que Polícia Federal e Ministério Público Federal apuram pagamento de propinas na construção de Angra 3, a Andrade Gutierrez abandonou o projeto da usina em setembro do ano passado. Desde então, a Eletronuclear estima um gasto de no mínimo R$ 6 milhões mensais apenas com a preservação de estruturas e componentes já instalados. “As obras civis e a montagem foram interrompidas em um momento crítico, com o Edifício do Reator e a Esfera de Contenção abertos”, afirma em nota o presidente interino da estatal, Bruno Barretto. Estatal que está no centro das investigações da Lava-Jato, a Petrobras tem no Comperj, em Itaboraí, seu principal exemplo de abandono. As obras que atraíram milhares de pessoas ao município fluminense foram sendo cada vez mais deixadas de lado, à medida que aumentavam as denúncias de corrupção. Em outubro do ano passado, um consórcio formado por Queiroz Galvão, Iesa e Tecna largou a construção da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). Sem dar prazo, a Petrobras diz ser essa a atual prioridade de construção. A Unidade de Lubrificantes e a Refinaria 2, que fariam parte do complexo, já foram definitivamente abortadas.
As obras paradas deixam esqueletos a olhos vistos. No Rio de Janeiro, estações inacabadas do corredor de BRT TransBrasil já foram incorporadas à paisagem de quem passa diariamente pela Avenida Brasil. A prefeitura, responsável pelo projeto, diz que já advertiu o consórcio — que tem OAS, Queiroz Galvão e é liderado pela Odebrecht — para que os trabalhos sejam retomados o quanto antes, mas não há prazo definido. A Odebrecht, que assinou um amplo acordo de delação premiada na Lava-Jato, alega, por sua vez, que “aguarda a regularização do contrato vigente para que as obras sejam retomadas”. Em Pernambuco, há obras viárias previstas para a Copa do Mundo que ainda não foram concluídas. A Mendes Júnior, que teve vários executivos presos ao longo da Lava-Jato, deixou por fazer o Corredor Leste-Oeste de BRT, que ligaria Camaragibe ao centro do Recife. Das 22 estações, apenas 15 funcionam. Já o Ramal da Copa, estrutura viária para ligar a Arena Pernambuco a um terminal integrado de transportes, só teve 60% de execução. Ambos os projetos serão novamente licitados, o que deve ocorrer ao longo de 2017, segundo o governo estadual.
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