Acostumado às rodas de negociação que cercam as delações, o empreiteiro José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, uma das empresas do cartel do petrolão, subiu à sala de reuniões do Ministério da Transparência, em Brasília, na terça-feira, dia 11, para discutir algo diferente. Diante de quatro procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) e outros quatro integrantes da cúpula do ministério, Antunes acelerou o passo para firmar um acordo de leniência – espécie de colaboração premiada para empresas, que implica o pagamento de multa e confissão dos delitos cometidos pela companhia. A recompensa, valiosa, é a possibilidade de voltar a ter contratos com o poder público, dos quais a Engevix está afastada desde que foi flagrada no petrolão. Na conversa, Antunes detalhou uma enxuta lista de negociatas que apresentara semanas antes aos técnicos e atiçara a curiosidade do governo Michel Temer. Constam relatos de pagamento de propinas para obtenção de contratos em quatro órgãos públicos. ÉPOCA teve acesso ao conteúdo, que revela uma peculiaridade: a existência de duas empresas sob comando tucano no Estado de São Paulo, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a estatal que constrói moradias populares, e a Dersa Desenvolvimento Rodoviário, estatal das rodovias paulistas, responsável pela obra ícone dos governos tucanos em São Paulo, o Rodoanel Mário Covas. Antunes também falou sobre propinas pagas em contratos com a estatal federal de ferrovias Valec e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), ligado ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação. Na proposta, Antunes aponta condutas ilegais cometidas por executivos da empresa durante a gestão do PSDB em São Paulo, nos governos de Geraldo Alckmin e José Serra. Ainda não consignados na proposta, os valores da propina, segundo fontes oficiais envolvidas na negociação, ultrapassam os R$ 20 milhões. Além da Engevix, a Odebrecht relata pagamento do mesmo tipo aos governos tucanos – e no mesmo período. Nas planilhas da Odebrecht apreendidas pela Polícia Federal há referências a pagamentos por contratos da Linha 2 do metrô de São Paulo, feitos em 2004 e em 2016, mesmo período em que a Engevix relata repasses por negócios na CDHU. A oferta de Antunes chama a atenção pelas novidades paulistas, mas também pelas ausências. Em abril, ÉPOCA revelou os anexos da proposta de delação que o empreiteiro fizera à Lava Jato. Os documentos continham revelações sobre negócios para lá de suspeitos de um amigo do presidente Michel Temer com a Eletronuclear; sobre o presidente do Senado, Renan Calheiros(PMDB-AL); e sobre o ex-marido da ex-presidente Dilma Rousseff, além de outros políticos com foro. Como não lhe foi pedido em Brasília que falasse disso, Antunes calou-se. No documento que apresentou ao Ministério da Transparência, Antunes conta que os cinco contratos celebrados pela Engevix com a CDHU, que começaram em 2002 e perduraram por mais de uma década, foram intermediados pelos lobistas João Adolfo e Milton Pascowitch, donos da Jamp. Trata-se da mesma empresa de fachada usada como lavanderia de dinheiro para os contratos firmados pela consultoria do ex-ministro José Dirceu. Foi por meio dessa empresa que a Engevix entregou R$ 10 milhões de propina ao PT por contratos com a Petrobras. A história da Engevix com a Jamp em São Paulo começou antes de a empreiteira cair nas graças do PT. No ano passado, a Polícia Federal encontrou mais de 30 contratos de gaveta firmados entre a Engevix e a Jamp para a prestação de serviços de fiscalização em projetos da CDHU nas residências e escritórios dos irmãos Pascowitch. Para cada contrato, havia pagamentos que variavam de R$ 30 mil a R$ 1 milhão à Jamp. Os irmãos Pascowitch, apesar de engenheiros, jamais tiveram uma obra registrada. No entanto, tornaram-se responsáveis por cada consórcio firmado entre a Jamp e a Engevix. Entre 2007 e 2010, a Engevix levou dois contratos da CDHU por R$ 33 milhões. Nesse mesmo período, a Jamp recebeu R$ 4,9 milhões para prestar serviços à companhia estadual em nome da empreiteira. O serviço para o qual a Engevix foi contratada e atribuiu competência à Jamp era o de verificar problemas técnicos em casas de lotes CDHU. Mas a Jamp nunca teve sequer 10 funcionários. Em 2013, ano em que recebeu mais de R$ 2 milhões da Engevix, a Jamp não tinha nenhum vínculo empregatício. Era fachada para propina.
A parceria entre Engevix e Jamp no governo de São Paulo já havia sido mencionada por Antunes e por seu sócio Gerson Almada e pelo próprio Milton Pascowitch em depoimentos ao juiz Sergio Moro em 2015. “O relacionamento com o senhor Milton Pascowitch realmente começou por meio do irmão dele, José Adolfo Pascowitch. Ele foi, durante muitos anos, funcionário da Comgás e posteriormente da Sabesp. Aí desenvolvemos um relacionamento profissional”, disse Almada. Questionado por Moro sobre o início de seus negócios com a Engevix, Milton Pascowitch contou história parecida. “Nós disputamos uma licitação na qual minha empresa, junto com meu irmão, não tinha a capacitação financeira nem os atestados técnicos. Nós propusemos à Engevix e entramos juntos com ela para disputar um lote de gerenciamento de habitações populares da CDHU”, afirmou o lobista também em 2015. As investigações mostram que a Jamp era uma empresa de fachada, pela qual os irmãos recebiam e repassavam pagamentos ilegais. Até serem pegos pela Lava Jato, os irmãos Pascowitch integravam um grupo restrito da alta sociedade paulistana. O pai, Paulo, fez fortuna em São Paulo e fundou o Banco Áurea, nos anos 1970, guardião de um dos maiores acervos de arte moderna brasileira à época. A família tinha proximidade com os governos estaduais desde os tempos de Adhemar de Barros, na década de 1950. Já a Engevix, até cair nas graças do PT, era próxima do PSDB. Quando o trio José Antunes Sobrinho, Gerson Almada e Cristiano Kok assumiu a empresa e tentou aproximação com o governo federal para abocanhar contratos com a Petrobras, teve dificuldades, pois a Engevix era considerada pelos petistas uma “empresa amiga do PSDB”, diz um antigo executivo. Essa é uma das razões pelas quais a Engevix demorou algum tempo até conseguir fazer parte do cartel do petrolão, diferentemente de UTC e OAS. Um dos responsáveis por quebrar a resistência foi o ex-senador Delcídio do Amaral. No caso da Dersa, Antunes afirmou ao Ministério da Transparência dispor de informações sobre pagamentos em dinheiro feitos à empresa estadual desde 2005, na gestão de Dario Rais Lopes. Ao todo, foram dez contratos. Com o avanço da Lava Jato em 2014, a Engevix teria suspendido os repasses em dinheiro e sofrido retaliações, segundo o empreiteiro. Os principais contratos firmados pela Engevix com a estatal são os que envolvem o trecho norte do Rodoanel Mário Covas, e que são alvo de investigação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Como os repasses à Dersa não foram feitos por meio do lobista Milton Pascowitch ou da Jamp, as informações sobre o caso não foram coletadas pela força-tarefa. Os outros dois órgãos citados por Antunes, Valec e Dnit, são antigos conhecidos da Engevix, desde a época de fundação da empresa, nos anos 1960. No caso da Valec, porém, Antunes propôs detalhar apenas os repasses feitos durante a gestão de José Francisco das Neves, o Juquinha, como presidente da empresa, entre 2006 e 2011. Segundo o empreiteiro, pagava-se pedágio de 5% para levar contratos com a estatal de ferrovias. Patrocinado pelo PMDB de Goiás, Juquinha foi afastado da Valec após denúncias de irregularidades e chegou a ser preso em 2012, acusado de lavagem de dinheiro. Antunes também se dispôs a relatar, no acordo de leniência, os pagamentos feitos ao lobista Sérgio Sá, preso em 2007 durante a Operação Navalha, acusado de fazer tráfico de influência para beneficiar empreiteiras em obras do Dnit. À época, grampos mostraram Sá negociando benefícios em favor da Engevix. O então presidente, Cristiano Kok, negou que a empreiteira tivesse pago propina para conseguir o contrato da BR 020. Em 2007, a Engevix escapou. Agora, Antunes está disposto a contar o que o Ministério Público não descobriu. Desde que assumiu o comando do Ministério da Transparência, o ministro Torquato Jardim concentra as negociações da leniência nas mãos de um grupo reduzido de servidores da Pasta e da Advocacia-Geral da União (AGU). Jardim trocou, logo nos primeiros dias de gestão, o comando da área responsável por conversar com as empreiteiras e exonerou insatisfeitos com o governo Temer. Para o ministro, o movimento era estratégico para evitar “contaminações políticas”. O diretor da área de infraestrutura, Wagner Rosa, vem ganhando mais espaço na Pasta. Há discordâncias internas, por exemplo, sobre a participação da AGU nos acordos. Mas tem prevalecido a decisão de Rosa. Caberá a ele, portanto, definir se as informações prestadas por Antunes sobre o governo tucano interessarão ao ministério e se serão suficientes para que a empreiteira consiga seu perdão e possa voltar a receber aquele dinheiro público que deseja.
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