É bem provável que a Corte dê uma de Salomão, só que, desta vez, dividindo mesmo a criancinha: vai ignorar todos os recursos e igualar o certo e o errado
Por Reinaldo Azevedo - O que eu acho que deveria acontecer no Supremo? Bem, se os senhores ministros decidirem seguir a Constituição, em vez de endossar o disparate de Ricardo Lewandovski, a senhora Dilma Rousseff estará inabilitada para a função pública por oito anos. E ponto. Ou por outra: o Supremo tem o controle de constitucionalidade do processo de impedimento do chefe do Executivo. O Senado vota como quiser, desde que seja de acordo com a Constituição, de que a Corte é a guardiã. “Ah, mas seria preciso fazer uma nova votação, uma vez que os 61 votos foram dados apenas para o impedimento, não para a inabilitação.” Discordo. Sessenta e um senadores resolvem que Dilma perdeu o mandato por crime de responsabilidade. A inabilitação é uma consequência dessa ocorrência. A votação seguinte, que manteve os direitos políticos de Dilma, simplesmente se deu fora dos parâmetros da Constituição. Não vale — ainda que feita sob o patrocínio e, segundo se apurou, a coordenação do próprio Ricardo Lewandowski, o que deveria lhe render, também a ele, o impeachment. Isso é o que eu acho que deveria acontecer, mas não é o que eu acho que vai acontecer — não, ao menos, no STF. A tendência é que prevaleça mesmo o vício da conciliação e a patacoada de que a palavra do Senado, como o juiz natural do presidente, é a última, sem apelo. Será um momento lindo a gente ver ministros que interfeririam até na formação de uma simples comissão na Câmara — ignorando o Regimento Interno da Casa e sem que houvesse qualquer imposição constitucional que justificasse a intervenção — a explicar que a Corte nada pode fazer quando a Constituição é estuprada pelo presidente do Supremo. O mais provável é que prevaleça a solução salomônica, só que, desta feita, com a divisão da criancinha ao meio, que, no caso, é a própria Constituição. A que me refiro? A defesa de Dilma decidiu entrar com dois recursos pedindo a anulação do julgamento. Já tratei do assunto aqui. A argumentação é de um ridículo sem-par. Já as ações que questionam o fatiamento estão assentadas na Carta Magna, que é absolutamente explícita: a perda do mandato implica a inabilitação. Nenhum juiz natural tem o direito de desrespeitar os códigos legais. Ao contrário: sua função é aplicá-los. Sendo explícitos, basta evocá-los; não sendo, é precioso que se os interprete. E, no caso, o Parágrafo Único do Artigo 52 da Carta é explícito a mais não poder: perdeu o mandato, a inabilitação vem como consequência. Não há arbitragem. Vamos ver. A condução das votações no tribunal será feita pela ministra Cármen Lúcia, com fama de austera. No dia 10 de setembro, termina o lamentável biênio de Ricardo Lewandowski à frente do STF. O ministro se mostrou mais reverente à corporação do que à Constituição e não conseguiu, na reta final do julgamento e do seu período à frente da Presidência do STF, ignorar as suas afinidades eletivas. A irresponsabilidade de Lewandowski, num momento como o que vivemos, é assombrosa. Notem: estivesse eu aqui a cobrar que um ministro do Supremo ignorasse o texto constitucional para “salvar o país”, então vocês poderiam me tomar por um canalha. Mas eu estou fazendo justamente o contrário: defendo que se cumpra a Constituição. E penso que canalhice é rasgá-la.
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