Ação contra supostos agentes da ditadura desrespeita a Lei da Anistia e os fundamentos básicos do direito penal
Por Reinaldo Azevedo - Ai, que preguiça! O Ministério Público Federal continua a torrar inutilmente o dinheiro dos brasileiros. A ação da hora, a cargo do procurador Andrey Borges de Mendonça, é tentar punir o médico aposentado João Henrique Ferreira de Carvalho, conhecido com o “Jota”, que teria atuado como um infiltrado no grupo terrorista ALN (Ação Libertadora Nacional), que era comandada pelo terrorista Carlos Marighella, o preferido de três entre três ignorantes de esquerda. Para lembrar rapidamente: esse grande herói é o autor do Minimanual do Guerrilheiro Urbano, que defende, entre outras delicadezas, o assassinato de qualquer homem fardado e ações violentas até em hospitais. Wagner Moura vai dirigir um filme sobre esse moralista. Tomara que ele seja o ator. O cara é bom. Eu o quero ainda mais convincente do que no papel de Pablo Escobar. Bandido herói por bandido herói, o nosso é mais complexo. Afinal, Escobar não tem uma legião de intelectuais vigaristas que o idolatram. Marighella tem. Sigamos. Jota é acusado, pelo valente Andrey, de responsável pelas mortes dos terroristas Arnaldo Cardoso Rocha, Francisco Emmanuel Penteado e Francisco Seiko Okama. Eles pertenciam à organização e teriam sido capturados e mortos em razão das informações prestadas pelo médico, que se fazia passar por um membro do grupo. Segundo o procurador, Jota sabia que as informações que ele passava levariam à morte do trio. Além do informante, o procurador denunciou pelo crime de homicídio qualificado os ex-policiais militares Beatriz Martins, a agente Neuza, e Ovídio Carneiro de Almeida, conhecido por “Everaldo”, que eram colaboradores do DOI-Codi. Calma que Andrey ainda não terminou. Ele quer que a acusação de triplo homicídio ainda seja agravada por “motivo torpe”, já que se trataria de eliminar inimigos políticos do regime para manter os militares no poder.
Então vamos pensar
Isso não é exercício de direito, cidadania ou legalidade. Comece-se pelo óbvio: ainda que tudo seja ou fosse verdade, as três pessoas, assim como os terroristas, foram beneficiados pela Lei 6.683, a Lei da Anistia, de 28 de agosto de 1979. Essa questão já chegou ao Supremo em 2010. O relator foi um ex-torturado, Eros Grau, que reiterou a sua validade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tentou meter o nariz na história. Não adiantou. Os acusados de crimes durante a ditadura, de um lado e de outro, foram anistiados. E ponto final. A lei que aprovou a Constituinte, diga-se, tinha como pressuposto a validade da anistia. Assim, o senhor Andrey, com a devida vênia, está apenas fazendo proselitismo e, claro!, pedindo para acender os holofotes. Os moços do MPF gostam de um estrelato, e todo mundo sabe disso. Esse não se veste de preto. Ele apenas conserva uma diligente barba de dois dias e uma mecha de cabelo caída sobre a testa. Nessa profissão, parece que é preciso ver e ser visto. Como as celebridades.
Mais absurdo ainda
A acusação é ainda mais absurda, conforme ensina a disciplina Massinha I do Direito Penal, porque está claro, pelos próprios termos da denúncia, que os três acusados não mataram ninguém, ainda que as pessoas tenham morrido na esteira de um conjunto de ações do qual eles também participaram. Se a acusação de triplo homicídio é estapafúrdia, defender a qualificação chega às raias da maluquice. Adoraria ver o doutor entrando no cérebro dos acusados, encontrar lá o impulso nervoso a provar: “Ah, eles sabiam que aqueles membros da ALN seriam mortos”. É claro que alguns imberbes — não é o caso de Andrey — se assanham. Afinal, parece que o procurador apenas está fazendo justiça. Poucos se darão conta de que ele finge que a Lei da Anistia não existe e que o STF ainda não deliberou a respeito de sua higidez. O mínimo que se espera de um membro do MPF é que argumente em favor da lei e que… siga a lei.
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