O país encerrou o mês de agosto com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff e a posse do presidente Michel Temer, pondo fim a uma agonia de nove meses. Mas, diferentemente do dito popular, está longe de encerrar o desgosto. Na economia até se vêem sinais de que o poço tem fundo e dele é possível emergir. Já na política, a lama é movediça, cada vez mais densa e viscosa, com o agravante de que a própria Corte Suprema está no meio do lodo. O que se tem é um sistema em que se multiplicam absurdos. O país possui uma Constituição recente e gigante, com 250 artigos, e, creiam, acumula quase incríveis duzentas mil leis. Ainda assim, ou por isso mesmo, depende cotidianamente do STF. E não só para consertar a lambança que o presidente do colegiado, Ricardo Lewandowski, fez ao permitir o fatiamento do artigo 52 da Constituição na sessão de votação do impeachment, algo que está sendo contestado por mais de uma dezena de processos. O Supremo está em tudo. Delibera sobre a manutenção ou não de prisões preventivas e o bloqueio do aplicativo WhatApp; desde a liberação de pesquisas com células tronco à proibição do amianto crisotila. Disso, daquilo e muito mais. Diante de leis ultrapassadas, confusas e falhas, é quem dá as cartas. Manda mais do que o Executivo e o Legislativo e, consequentemente, desequilibra o que deveria ser paritário e harmônico. Isso não ocorre à toa. Por omissão, preguiça ou oportunismo, o Legislativo procrastina tudo aquilo que dele depende – aperfeiçoamento ou alterações constitucionais, leis complementares e até ordinárias. Por vezes, é cabresto do Executivo, que dele faz gato e sapato. Por outras, rebela-se, inventa do nada regras e leis. E acaba diante da Suprema Corte, como reclamante ou réu. Esse é o caso do fatiamento. O Senado é réu, cúmplice e parte. Um imbróglio kafkiano em que o Supremo, senhor da Constituição, terá de julgar uma inconstitucionalidade latente protagonizada e avalizada por seu presidente. Ainda como presidente do STF, cargo que passará para a ministra Carmen Lúcia no dia 12, Lewandowski também estrela outro julgamento-chave: a prisão de condenados em segunda instância. Aprovada pelo apertado placar de 7 a 4 em fevereiro deste ano, a questão é tida como fundamental para o combate à corrupção, mas foi afrouxada em duas decisões monocráticas. Em julho, assim como fizera o ministro Celso de Mello um mês antes, Lewandowski contrariou a maioria e decidiu suspender a execução provisória de prisão por crime de responsabilidade imposta a um condenado em segunda instância. Esse foi também o entendimento do ministro Marco Aurélio Mello, relator da matéria nesta fase, repetindo o voto que fizera há seis meses. O tema deverá voltar ao plenário esta semana. Com ele, o debate sobre a impunidade, amparada em mecanismos de protelação de cumprimento de penas a partir de infindos recursos a tribunais superiores. Um convite ao crime, em especial para aqueles que têm recursos para bancar advogados por anos a fio. Não dá para prever resultados nem para o disparate do fatiamento de um artigo constitucional - que se não for contido pode virar moda -, nem para a liberação de presos condenados pela segunda instância. Mas ambas impõem urgência ao Supremo. A Corte pode atuar como guincho no lamaçal ou chafurdar-se.
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