É claro que se está diante de uma óbvia estratégia: transformar o ex-presidente numa pobre vítima do juiz
Por Reinaldo Azevedo - A esta altura, a estratégia é clara demais para que a gente não a aponte. Resta evidente que os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não veem outra saída para defender seu cliente que não politizar o caso ao máximo, exacerbando o confronto com o juiz Sérgio Moro. É óbvio o esforço para caracterizar uma suposta questão pessoal entre o Moro e Lula. O chefão petista sofreu dois contratempos sérios nesta terça-feira. Em ambos os casos, os advogados divulgaram notas com críticas muito duras ao magistrado — num deles, note-se, Moro não tem nada a ver com o peixe. Ou com o sapo barbudo. Lembro que a defesa do petista já decidiu recorrer ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, acusando o juiz de perseguir seu cliente. Vamos ver. Os doutores haviam recorrido à 13ª Vara Federal de Curitiba com um instrumento chamado “Exceção de Incompetência”. Alegavam que os casos relativos ao sítio de Atibaia e ao tríplex do Guarujá aconteceram em São Paulo e estão, portanto, fora da alçada de Moro. O juiz refutou a alegação. E, no caso, com uma argumentação cristalina. “A hipótese investigatória com a qual trabalha o Ministério Público Federal, pelo que se depreende de suas anteriores manifestações e dá resposta à exceção, é a de que o ex-presidente teria responsabilidade criminal direta pelo esquema criminoso que vitimou a Petrobrás e que as supostas benesses por ele recebidas — doação simulada de apartamento, benfeitorias no sítio e no apartamento e remuneração extraordinária das palestras — estariam vinculadas a ele, representando vantagem indevida auferida pelo ex-presidente". O juiz lembra ainda que, se a hipótese é correta ou não, isso depende da investigação. Não cabe o recurso agora. Em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira escrevem: “Ainda agindo como acusador, Moro afirma que a ‘hipótese acusatória’ coloca o ex-presidente Lula como ‘arquiteto do esquema criminoso’. A acusação não é suportada por qualquer elemento concreto". E há a outra dor de cabeça desta terça. O ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de inquérito para saber se Lula e outras sete pessoas, incluindo Dilma Rousseff, buscaram obstruir as investigações da Lava-Jato e, portanto, o trabalho da Justiça. Reitere-se: a decisão foi de Teori Zavascki, a pedido da Procuradoria Geral da República, e o elemento principal que determinou o pedido foi a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral. Mais uma vez, a defesa do ex-presidente divulgou uma nota. E, de novo, Moro se tornou o alvo. Lá se lê: “O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva jamais praticou qualquer ato que possa configurar crime de obstrução à Justiça. Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que observado o devido processo legal e as garantias fundamentais. Se o Procurador Geral da República pretende investigar o ex-presidente pelo teor de conversas telefônicas interceptadas, deveria, também, por isonomia, tomar providências em relação à atuação do Juiz da Lava Jato que deu publicidade a essas interceptações — já que a lei considera, em tese, criminosa essa conduta". Parece mais do que claro que o objetivo principal das notas é menos asseverar a inocência de Lula — isso é o esperado — do que colocá-lo como uma vítima de Moro. É claro que se trata de uma escolha perigosa. E isso nos leva a supor que seja a única possível. Se os advogados de Lula considerassem altas as chances de seu cliente se livrar das acusações, entendo que outra deveria ser a postura. Que sentido faz esse confronto com o juiz? Parece, no entanto, que a avaliação é bem outra. Sendo assim, restou como caminho único o confronto, de modo que, diante da possibilidade eventualmente alta de uma futura condenação, já se vai construindo preventivamente a figura de um mártir. Mais: trata-se de dois advogados experientes. Eles certamente sabiam que o recurso seria negado por Moro porque os casos do sítio e do tríplex não estão descolados do conjunto de elementos que compõem a Lava-Jato. Ao contrário: as duas empreiteiras que atuaram nas respectivas reformas estão no centro das investigações. E ainda: é evidente que, dadas a delação de Delcídio e conversas que vieram à tona, não restava ao Ministério Público alternativa que não fosse o pedido de abertura de inquérito, que Teori não teve como recursar. As notas e os ataques a Moro servem apenas ao propósito de conferir verossimilhança a uma suposta perseguição pessoal. Trata-se de uma ação que tem mais a ver com a política e a opinião pública do que com o direito. É claro que os advogados têm o direito de tentar essa saída. E a gente tem o dever de apontar o truque.
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