Depois de 225 dias, finalmente, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados conseguiu votar o mais longo processo de cassação de mandato da história. Por 11 votos a 9, o colegiado recomendou a perda do mandato do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Agora, o caso segue para o aval do Plenário, em votação aberta, com uma escala anterior na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a quem cabe deliberar sobre os aspectos processuais no Legislativo - e não sobre o mérito da acusação. O parecer, assinado por Marcos Rogério (DEM-RO), concluiu que Eduardo Cunha quebrou o decoro parlamentar ao mentir sobre a manutenção de contas bancárias não declaradas no exterior durante um depoimento à antiga CPI da Petrobras. O relator também incluiu no texto provas coletadas pela força-tarefa da Operação Lava Jato. Cunha é réu na Justiça por suspeitas de lavagem de dinheiro desviado dos cofres da Petrobras para benefício próprio. "O caminho do dinheiro é revelador, mostra quem é o dono, quem tem as senhas, quem movimenta a conta, a quem o banco deve mandar correspondências e a quem deve prestar contas. Não é adequado premiar a esperteza em detrimento da verdade", disse o relator: "O deputado mentiu para criar um contexto político desfavorável à Operação Lava Jato e para atacar a Procuradoria-Geral da República. Utilizou a CPI da Petrobras como um palco para barrar as investigações, mentiu e omitiu informações". A defesa de Edurado Cunha repisou o argumento de que ele não é titular de contas bancárias, mas possui os chamados trustes - instituto jurídico no qual alguém transfere o controle de bens a um terceiro. "Por que o parecer do relator tem 90 páginas? Porque não tem uma linha, uma prova. Cadê o número da conta corrente em nome do meu cliente?" - disse o advogado Marcelo Nobre, enquanto exibia as quatro letras - cadê? - rabiscadas num pedaço de papel. "O relator insiste que cachorro é cavalo", emendou. Aliados de Eduardo Cunha afirmam que ele ainda detém cartas na manga, entre elas recursos que lotam a Comissão de Constituição e Justiça que podem anular todo o processo do conselho, levando a tramitação da representação à estaca zero. Também aguarda deliberação da CCJ parecer elaborado pelo aliado de Eduardo Cunha que traz a possibilidade de que a decisão do conselho seja revertida em plenário. O ponto alto da votação foi a fala de Tia Eron (PRB), a desconhecida deputada baiana que roubou os holofotes há uma semana por ser apontada como decisiva para selar o resultado. Tia Eron, sim, elevou o tom. Pediu a a palavra para dizer que não votaria sob as ordens de seu partido e atacou quem reclamou do seu sumiço na semana passada. "Não mandam nessa nega aqui! Nenhum dos senhores mandam", disse, com dedo em riste e semblante fechado. Mais tarde, votou pela cassação. Com o voto dela declarado, não foi necessário o tiro de desempate do do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), a quem já se sabia que deliberaria pela cassação. A exemplo das sessões anteriores, a gritaria entre os escudeiros de Eduardo Cunha e seus críticos atingiu altos decibéis e degenerou em baixaria. Wladimir Costa (PMDB-PA) provocou alvoroço ao afirmar que num grupo de "1 milhão de petistas, 999.999 são bandidos, ladrões e batedores de carteira". Petistas reagiram com gritos de "ladrão de rádios" dirigidos ao peemedebista, que é radialista. Em seguida, Wladimir Costa deixou claro que as sessões do colegiado muitas vezes mais parecem um picadeiro: fiel aliado de Eduardo Cunha, depois ouvir o voto de Tia Eron, anunciou que votaria inexplicavelmente a favor da cassação do amigo que defendera até poucos instantes. Àquela altura, o jogo já estava jogado. Ganhou o título de desqualificado do ano. Nesta terça, o Banco Central decidiu cobrar uma multa de 1,13 milhão de reais do peemedebista e sua mulher, a ex-jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, por manter recursos não declarados no Exterior. Ontem, a Procuradoria-Geral da República apresentou uma ação civil na qual sobra que Eduardo Cunha devolva 20 milhões de reais e tenha os direitos políticos suspensos por dez anos. A Operação Lava Jato investiga as contas secretas, suspeitas de servirem como um dos caminhos para mascarar o recebimento de propina no Petrolão do PT. O presidente da Câmara rechaça as acusações e afirma ser apenas beneficiário de um trust sobre o qual não tem o poder de realizar movimentações financeiras.
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