O político paulista Michel Temer, de 75 anos, deu início ao capítulo culminante de suas quase cinco décadas de vida pública às 17 horas desta quinta-feira, quando se pronunciou pela primeira vez como presidente da República, depois do afastamento de Dilma Rousseff do cargo, como consequência da abertura do processo de impeachment contra ela no Senado. No setor Leste do Palácio do Planalto, o mesmo de onde Dilma proferiu seu derradeiro pronunciamento à imprensa, Temer falou a jornalistas por 30 minutos e mostrou que, ao menos no discurso, está ciente das tarefas que precisa abordar com urgência. Quando Dilma venceu as eleições, em 26 de outubro de 2014, os efeitos corrosivos da Operação Lava Jato sobre a reputação dos políticos, associados aos erros colossais na gestão da economia, faziam com que seu segundo mandato tivesse início num cenário de tempestade perfeita. Esse cenário permanece, e não há nada no horizonte que autorize uma euforia cega. A Constituição Federal prevê que o julgamento de Dilma leve no máximo seis meses, ou 180 dias, depois dos quais ela pode ser reempossada ou afastada definitivamente. No Senado, a previsão é que o processo dure menos tempo, cerca de quatro meses. Temer sabe que, na prática, dispõe de prazo ainda mais exíguo para alcançar feitos básicos nos campos da política e da economia. Na primeira esfera, ele precisa angariar apoio entre a população e assegurar uma base de sustentação no Congresso. A rejeição a Dilma nunca se traduziu em apoio a Temer: pesquisa Datafolha divulgada em 18 de abril mostra que a rejeição ao vice é um traço comum aos grupos pró e contra o impeachment. Levantamento do mesmo instituto de 9 de abril mostra que o porcentual de brasileiros que defendem a saída dele é igual ao dos que defendem a de Dilma: 60%. O afastamento da presidente impopular não deu a seu vice um capital de simpatia que ele possa esbanjar. Não à toa Temer reiteradamente repetiu nesta quinta-feira, em seu discurso de posse, o quão urgente é a pacificação nacional. E falou em fazer um governo de "salvação nacional". "O diálogo é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios para avançar e garantir a retomada do crescimento", afirmou o presidente interino. A necessidade de conquistar o brasileiro comum é ainda mais premente quando se leva em conta que o PT, agora na oposição, deve mobilizar bases e sindicatos para tornar difíceis todos os dias de seu governo, e que o entorno de Dilma promete inclusive manter um "gabinete paralelo" em Brasília, para questionar as medidas que ele tomar e vender a ideia de que está em curso o desmonte das políticas sociais implementadas pelo partido em seus treze anos de poder. Temer salientou não apenas que manterá programas sociais, como o fez, segundo suas palavras, em letras garrafais. "Sabemos todos que o Brasil ainda é um país pobre. Portanto, reafirmo que vamos manter o Bolsa Família, o Pronatec, o Fies, o Prouni, o Minha Casa Minha Vida, entre outros projetos que deram certo": E prosseguiu: "Precisamos acabar com a crença de que, assumindo outrem, destrói-se o que foi feito. Vamos prestigiar o que deu certo". Quanto à consolidação de uma base de apoio, Temer mostrou a utilidade dos muitos anos despendidos no dia a dia da política: antes mesmo do "discurso de posse", seu ministério já estava formado - a lista com os nomes saiu assim que Dilma foi oficialmente notificada de seu afastamento. Não se trata de um ministério de "notáveis", muito menos blindado contra o fisiologismo. Mas ele veio com uma vitória simbólica: o novo presidente em exercício conseguiu acomodar as pressões e demandas dos partidos que se aliaram a ele (até segunda ordem) num gabinete com 22 pastas, 10 a menos que o de Dilma. Ao longo de todo discurso, Temer salientou a importância de governar com o apoio do Congresso. Temer ainda reforçou o compromisso com sistemas que coíbam desvios e se comprometeu com o prosseguimento da Lava Jato. No entanto, pelo menos três nomes da nova Esplanada estão às voltas com a operação, incluindo um dos mais próximos do presidente interino, o senador Romero Jucá é alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal por suspeitas de integrar a quadrilha do petrolão, pedir propinas, disfarçadas de doações eleitorais, em obras da usina nuclear de Angra 3 e ainda aparece em trocas de mensagens com empreiteiros da OAS como responsável por possíveis emendas em uma medida provisória de interesse do grupo. Mesmo que se deixem de lado os problemas estruturais da economia brasileira, ligados, por exemplo, à estrutura tributária ou da Previdência Social, a crise instaurada por Dilma Rousseff não tem solução imediata. Como diz o jargão do mercado, índices ruins de inflação, crescimento econômico e desemprego já estão "contratados" para os próximos meses. Mas há uma tarefa que Dilma foi incapaz de realizar, embora ela esteja ao alcance de um presidente: fomentar um clima de confiança entre investidores, empreendedores, trabalhadores e consumidores. De fato, a tragédia brasileira no momento atual pode ser descrita em boa parte como fruto de uma crise de confiança, consequência, sobretudo, do aumento descontrolado de gastos da máquina pública nos anos Dilma. Por isso foram positivos os trechos do discurso em que ele assumiu o compromisso de reequilibrar as contas públicas, mandou recados ao mercado e aos setores produtivos e tratou das chamadas Parceria Público Privadas como forma de incentivar a criação de empregos, o que reflete o caráter liberal do manifesto econômico Ponte Para o Futuro, lançado pelo PMDB no mês passado. Temer também mandou recados aos setores produtivos e afirmou: "Não podemos mais falar em crise. É preciso trabalhar". Foi auspiciosa ainda a coragem de tocar já no ato de posse em um tema tão urgente quanto complicado: a reforma da Previdência. Já nesta sexta-feira os novos ministros anunciarão suas primeiras medidas, sobretudo relacionadas à economia. Será o início de fato de seu governo. E como afirma o presidente em exercício: "O presente e o futuro nos desafiam".
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