Um dos últimos grandes julgamentos de abusos cometidos durante a ditadura militar argentina (1976-83) chegou ao fim nesta sexta-feira (27) com o veredito do caso Condor. Devem receber sua sentença 18 ex-militares acusados de participar de ações conjuntas de repressão envolvendo troca de inteligência e de agentes entre Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. A Operação Condor foi uma aliança entre os governos militares de países da América do Sul, acertada numa reunião em novembro de 1975, em Santiago — com o Brasil passando a fazer parte do bloco logo depois. O símbolo escolhido para nomear o pacto foi o da imensa ave que sobrevoa a região andina do continente. "Por um tempo, os EUA apoiaram essas operações, e é de lá que têm saído os principais documentos para investigá-las", disse o historiador americano John Dinges (autor de "Operação Condor", que trabalha com arquivos desclassificados (sem sigilo) em Washington: "Os países sul-americanos deveriam aportar mais dados que estão em poder de suas próprias Forças Armadas, antes que seja tarde demais".
No julgamento que acaba agora, foram investigadas as desaparições de 108 pessoas (argentinos, uruguaios, paraguaios, bolivianos e um peruano) na Argentina. É o primeiro julgamento conjunto de casos relacionados à Operação Condor e o único a ultrapassar as fronteiras da Argentina — das 108 vítimas, 93 são estrangeiras. Uma das coisas reveladas na investigação, segundo o promotor Pablo Ouviña, é que o Condor possuía centros clandestinos em Buenos Aires apenas para receber prisioneiros estrangeiros, como a oficina Automotores Orletti, usada para prender e torturar principalmente os prisioneiros uruguaios. Iniciado em 2011, o atual processo fez uso de depoimentos de vítimas e testemunhas em distintos casos de desaparições, para evitar sobreposição de depoimentos. Para driblar as leis de anistia que seguem em vigor em alguns países, como o Uruguai, fez-se o uso da figura do "delito permanente" (que considera que o crime que continua sendo cometido), pelo fato de os corpos das vítimas em questão jamais terem sido encontrados. Por isso, casos célebres em que se conhece o paradeiro dos cadáveres não puderam ser incluídos. Entre eles, o do assassinato do general chileno Carlos Prats, em 1974. Membro do governo deposto de Salvador Allende, Prats foi morto em Buenos Aires.
Também ficou de fora, pelo mesmo motivo, a execução do diplomata Orlando Letelier, outro aliado de Allende, vítima de uma bomba colocada no carro em que viajava, em Washington, em 1976. Para montar a acusação, usou-se também documentação do Arquivo do Terror do Paraguai, documentos dos EUA sobre Chile e Argentina que já tiveram o sigilo removido, da Anistia Internacional, da Vicaría de la Solidariedad de Santiago e da Comissão da Verdade do Brasil. "Creio que é um processo que abre precedente para que se julguem outros grupos de crimes parecidos durante as ditaduras latino-americanas. Apesar de concentrar-se nesse número limitado de casos, fizemos uso de recursos legais não usados antes e reunimos muita documentação", explica Ouviña. A demora em chegar a uma sentença final deixou associações de direitos humanos angustiadas. Afinal, muitos dos listados inicialmente como réus (havia 31) morreram, devido à sua idade avançada, como o próprio general Jorge Rafael Videla (1925-2013). Entre os ainda vivos que ocupavam posições importantes na repressão estão o argentino Reynaldo Bignone (88), Santiago Omar Riveros (92) e o uruguaio Manuel Cordero (78). O fato de a causa Condor chegar a um veredicto dilui temores das lideranças dos grupos de direitos humanos de que a transição entre o kirchnerismo e o governo de Mauricio Macri, que tomou posse em dezembro, reduzisse o ritmo dos julgamentos de direitos humanos. Sob Néstor e Cristina Kirchner (2003-15), houve impulso para processar os crimes da repressão e a derrubada de leis de anistia e indulto. Macri disse que não interviria nos casos em andamento, e de fato tem agido assim. "
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