O ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e de outros suspeitos de envolvimento em supostas fraudes na contratação do consórcio Estaleiro Rio Tietê pela Transpetro em 2010. Renan, aliado do governo fundamental para o futuro do processo do impeachment da presidente Dilma Rousseff, indicou o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, e exercia grande influência nas atividades da subsidiária da Petrobras, de acordo com o Ministério Público. Teori, relator das ações da Lava-Jato no Supremo, autorizou a devassa nas contas do presidente do Senado e de Sérgio Machado a partir de um pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, num dos inquéritos que tramitam na corte. A quebra do sigilo compreende o período de 1º de janeiro de 2010 a 1º de abril de 2014. O ministro rejeitou, no entanto, pedido do procurador-geral para a realização de busca e apreensão na residência oficial de Renan, em Brasília, por considerar não havia indícios suficientes para medida tão extrema. Renan transformou-se nesta semana na peça-chave da crise política do país, após o STF dar mais poder ao Senado ao definir o rito do impeachment de Dilma. O Supremo decidiu que, assim como no processo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o Senado tem o poder de rejeitar um eventual afastemo da presidente pela Câmara dos Deputados. Nos últimos meses, Renan, alvo de mais de uma investigação na Lava-Jato, aproximou-se do Palácio do Planalto e tem atacado publicamente o vice-presidente Michel Temer e outros colegas de partidos que trabalham pelo impeachment de Dilma. Na última terça-feira, policiais federais e procuradores vasculharam 53 endereços de investigados na Lava-Jato, entre eles a residência oficial do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). Teori rejeitou o pedido de busca na casa de Renan, mas autorizou a devassa nas contas do senador e buscas em endereços relacionados às investigações contra o senador. Os documentos apreendidos estão sendo analisados por peritos. A partir dos laudos e do resultado das quebras de sigilo, o procurador-geral deverá decidir se apresenta ou não denúncia contra Renan. O senador responderia ainda a outros quatro inquéritos no STF no âmbito da Lava-Jato. Ele não quis comentar a quebra de sigilo. A Procuradoria-Geral da República suspeita que Renan, Machado e outros agentes públicos receberam propina para facilitar a vitória do consórcio Estaleiro Rio Tietê numa licitação destinada à renovação da frota de barcaças e empurradores usados pela Transpetro no transporte de etanol entre Mato Grosso e São Paulo. O consórcio é formado pelas empresas Rio Maguari Serviços e Transportes Rodoviários, SS Administração e Serviços e Estre Rio Petróleo e Gás. Pelas investigações do grupo de trabalho da Lava-Jato em Brasília, as empresas teriam repassado propina a Renan camufladas de doações eleitorais ao diretório do PMDB de Alagoas e à própria campanha do senador em 2010. As doações ao diretório seriam da ordem de R$ 650 mil. A campanha de Renan teria sido contemplada com duas doações no valor total de R$ 400 mil. O diretório do PMDB de Alagoas, controlado pelo presidente do Senado, chegou a ser alvo de buscas na última terça-feira. As empresas fizeram as doações no mesmo período em que estava em andamento a licitação na Transpetro. As investigações sobre as supostas fraudes começaram a partir de depoimentos do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, dois dos principais delatores da Lava-Jato. A partir das declarações dos dois e de indícios recolhidos numa segunda fase da apuração, o procurador-geral sustenta que “a contratação do Estaleiro Rio Tietê possui elementos a confirmar que teria sido fraudulenta”. Segundo ele, “sabe-se agora que recursos relacionados a essa contratação foram carreados a favor de José Renan Vasconcelos Calheiros”. Um dos primeiros a apontar o dedo contra Renan, Paulo Roberto confessou ter recebido R$ 500 mil em propina de Sérgio Machado para facilitar a contratação de navios no sistema bareboat pela Transpetro. O ex-diretor diz que recebeu o dinheiro no apartamento de Machado, em São Conrado, no Rio. Afilhado político de Renan, Machado foi presidente da Transpetro de 2003 até o ano passado. Ele só foi afastado do cargo depois que as denúncias de Paulo Roberto vieram a público. Ainda assim, a demissão do ex-presidente quase levou Renan a romper com o governo. No mesmo depoimento em que falou sobre a propina paga por Machado, o ex-diretor da Petrobras fez acusações ao presidente do Senado. Ele disse ter conhecimento de que "um percentual dos valores envolvidos nos contratos da Transpetro são canalizados para o senador Renan Calheiros com quem José Sérgio de Oliveira Machado se reúne periodicamente em Brasília”. Ele não especificou os valores das propinas, mas disse que as somas movimentadas são expressivas. Alguns navios contratados pela Transpetro custariam em torno de R$ 180 milhões. O procurador-geral argumenta ainda que as fraudes na contratação do consórcio Estaleiro Rio Tietê são demonstradas também numa ação por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal de Araçatuba, em São Paulo, contra Sérgio Machado e Wilson Quintela Filho, um dos dirigentes do consórcio, e outros empresários e servidores públicos. Na ação por improbidade, o Ministério Publico informa que, duas semanas antes do início da licitação, em 23 de fevereiro de 2010, a SS Administração e Serviços, uma das empresas do consórcio, arrendou um terreno em Araçatuba “com vista a construir os comboios da Transpetro”. Ou seja, a empresa já saberia que a licitação era um jogo de cartas marcadas, segundo o Ministério Público. Na ação, o Ministério Público responsabiliza 16 pessoas, entre elas o prefeito de Araçatuba, Cido Sério (PT), e nove empresas. Num dos depoimentos da delação premiada, Paulo Roberto Costa diz ter recebido oferta de propina de Wilson Quintela, um dos executivos do consórcio Rio Tietê. “Que Wilson Quintela disse ao declarante em reuniões pessoais que daria uma parte do estaleiro ao declarante caso o mesmo ganhasse a licitação; que esclarece que a situação do estaleiro estava vinculada à aquisição pela Petrobras de vinte empurradores e oitenta barcaças”, disse. A negociata só não foi adiante porque, antes de ser concluída, Paulo Roberto foi demitido. Ele diz presumir, no entanto, que o suborno foi repassado a uma outra pessoa. Paulo Roberto lembrou ainda que a ingerência dele sobre a Transpetro era indireta. Cabia apenas ao então diretor de Abastecimento da Petrobras incluir nomes nas listas de empresas habilitadas a participar de licitações na Transpetro. A Procuradoria-Geral pediu e o ministro Teori também autorizou a quebra dos sigilos bancários e fiscal das empresas vencedoras da licitação, do diretório do PMDB de Alagoas e de Wilson Quintela, entre outros envolvidos no negócio. O ex-diretor da Petrobras também acusou o lobista Fernando Baiano de atuar na área da Petrobras como operador do PMDB. Ele disse que recebeu R$ 1,5 milhão a título de agrado de Baiano, réu confesso e também um dos delatores da Petrobras. “O grupo criminoso, como se percebe, seria composto por parlamentares, diretores da Petrobras, e empresários. É sabido, também, que haveria um conjunto de operadores executando medidas para permitir que o esquema ilícito funcionasse adequadamente”, sustenta o Ministério Público. A Procuradoria-Geral também investiga suposto pagamento de propina do Sindicato dos Práticos do Rio de Janeiro ao deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE), apontado por Paulo Roberto como representante de Renan em negociações na Petrobras. Depois de firmar um acordo de mais de R$ 40 milhões com a Diretoria de Abastecimento, os Práticos repassaram R$ 5,7 milhões aos advogados Paulo Baeta Neves e Paulo Ornelas, ligados a Anibal Gomes. Quando o caso veio a público, o deputado disse que levou os advogados ao encontro de Paulo Roberto, mas negou que tenha recebido qualquer vantagem no negócio.
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