A presidente Dilma Rousseff, definitivamente, deve estar vivendo num realidade paralela. Eu, hein, Antonioni! Em encontro com parlamentares da base aliada, ela fez uma daquelas declarações que costumo classificar de “estupefacientes”. Afirmou que o país “não aguentará” uma eventual derrubada, pelo Congresso, dos vetos que ela eventualmente fizer à chamada “pauta-bomba”. Ah, não?
E então o quê?
Quando um país não aguenta alguma coisa, presidente, ele fecha, migra de continente ou dança um tango argentino, para citar Manuel Bandeira?
Segundo os deputados, o principal “temor” da governanta é que o Congresso derrube seu veto ao reajuste médio de 59,5% para o Judiciário. Eu, no lugar dela, também vetaria, mas jamais diria que o país não iria aguentar a derrubada. Países, infelizmente, sempre aguentam. Não fecham. O Haiti é a prova. Se preciso, basta exportar alguns tantos para um Brasil qualquer…
Mais: eu sempre fui contra esses aumentos destrambelhados. Em 2002, último ano do governo FHC e aquele em que o PT venceu a eleição, o partido cobrava um reajuste para o funcionalismo na casa dos 70%. Em 2003, no primeiro ano de sua gestão, os petistas concederam um reajuste à categoria de 0,1%. Sem greves.
O governo também pretende vetar as alternativas ao fim do fator previdenciário e a medida que estende a todos os aposentados, independentemente de faixa, o reajuste do salário mínimo. EU TAMBÉM VETARIA, ORA ESSA! Mas eu não sou petista! Nunca ninguém me viu aqui a propor bondades com o chapéu alheio. Eu tenho legitimidade para defender o veto; Dilma, definitivamente, não tem.
Não obstante, ela vem acenar com o fim do país?
Ora, dobre a sua língua, minha senhora! Sim, eu estou entre aqueles que defendem que as oposições, por princípio, têm de ser responsáveis e não podem propor medidas que atentem contra o caixa, o Orçamento, a matemática, a lógica e as futuras gerações.
Mas esperem aí: essa é uma obrigação minha? Como indivíduo, não é. Como indivíduo, eu tenho o direito de pensar as soluções mais cretinas. Mas nós estamos falando aqui de saídas que dizem respeito ao país, à coletividade.
Muito bem, dona Dilma! As oposições não poderiam advogar saídas exóticas. Mas e o governo? Dilma só se lembrou agora, onze meses depois da eleição, que alguém sempre paga a conta das generosidades do governo, que generosidades não são, porque têm um custo? Foi o PT que nos ensinou que o caixa público não tem fundo.
Qual é o nome do filme que a presidente quer nos impor? “Blow up, Depois Daquela Dilma”, para lembrar um clássico dos anos 1960, de Michelangelo Antonioni? Desta vez, toda a complexidade do diretor italiano será reduzida à mediocridade de quem é incapaz de cumprir um acordo com o grande capital e com o miserável da esquina? No fim das contas, tudo explode na irresolução? Vejam o filme. Antonioni, naqueles loucos anos 60, abria uma vereda para o novo. Dilma só nos aponta o caminho do velho.
Ah, o país não aguentará, presidente? O que a senhora sugere se sua vontade não se fizer? Suicídio coletivo? Mudança de continente? Três ave-marias?
Tenho um amigo que usa Antonioni como um misto de adjetivo e advérbio. Quando algo lhe parece muito complicado, muito enrolado, transitando nas zonas cinzentas da significação, ele dispara: “Isso é muito Antonioni pra mim”. Com essa expressão, ele quer dizer: “Não entendi porra nenhuma!”. Quando Dilma afirma que o país não aguentará a derrubada dos seus vetos, afirmo: “Isso é muito Antonioni pra mim”.
Por Reinaldo Azevedo
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