Na quinta-feira passada, algo de realmente singular se deu no Supremo Tribunal Federal. O/a cartunista Laerte, um admirador platônico, mas muito saidinho, deste escriba, ficaria encantando/a. Descobriu-se que Roberto Barroso, ministro do Supremo, deu à luz a primeira “liminar transgênera” da história do direito. Uma verdadeira revolução; à altura de alguns achados um tanto estupefacientes de um livro seu sobre novo constitucionalismo… A que me refiro? Vocês vão se lembrar. Em pouco tempo, o TCU vota o relatório de Augusto Nardes sobre as contas de Dilma Rousseff. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, como sabem, votou as contas de ex-presidentes que estavam paradas na Casa, desde Itamar. E, assim, deixou livre o caminho para apreciar as da atual presidente. Caso o TCU realmente recomende a rejeição e caso a Câmara endosse esse relatório, o passo seguinte será a oposição apresentar na Câmara uma denúncia contra a presidente Dilma por crime de responsabilidade. Pois bem… A senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), presidente da Comissão Mista do Orçamento, recorreu ao Supremo com um mandado de segurança alegando que a Câmara não poderia ter votado as contas dos ex-presidentes e pedia a sua anulação, argumentando que tal tarefa tinha de ser feita pelo Congresso, em sessão conjunta. Nota: Rose é uma das mais fiéis aliadas de Renan Calheiros, presidente do Senado (PMDB-AL). Barroso concedeu uma liminar, então, que já parecia de um exotismo espantoso, não fosse ela ainda mais exótica do que se mostrava, como se descobriu na quinta. O ministro se negou a anular a apreciação das contas dos demais presidentes. E se entendeu que tinha determinado que as contas de Dilma, estas sim, fossem votadas em sessão conjunta, com Câmara e Senado reunidos. Ora, em casos assim, quem comanda a votação é o presidente do Senado — justamente o neogovernista Renan… Pois bem! Já demonstrei aqui que a Constituição determina apenas que o relatório do TCU tem de ser apreciado pelo Congresso; nada diz sobre sessão conjunta. Pois é… Eduardo Cunha recorreu ao Supremo com um agravo regimental, o que obriga todos os ministros da corte a se posicionar. O julgamento iria acontecer na quinta passada. Nem foi necessário. Eis, então, que o sensacional se revela. Barroso não conheceu do agravo, afirmou que o recurso não fazia nenhum sentido e deixou claro que, ora vejam, NÃO HAVIA DETERMINADO QUE O RELATÓRIO DO TCU FOSSE APRECIADO EM SESSÃO CONJUNTA. Segundo o ministro, ele apenas emitira uma avaliação. De fato, disse, cabia ao próprio Congresso decidir. Vale dizer: À DIFERENÇA DO QUE O PRÓPRIO BARROSO DEIXOU PROSPERAR NA IMPRENSA, será Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, a comandar, na Casa que preside, a votação do relatório do TCU. Ora, ora, ora… Eu não sabia que Barroso, um ministro tão extremoso e de tantos dotes intelectuais — ao menos é essa a impressão que ele certamente tem de si mesmo —, se comportava agora como consultor de senadores. Se é para dar opinião, ele poderia abrir uma espécie de correio eletrônico, manter uma página na Internet, criar uma tendinha para ler alguma versão de tarô jurídico às portas do Supremo. O que é tarô jurídico? Não sei. Perguntem a Barroso. A coisa toda passou meio em branco na imprensa, que não costuma cobrir direito as questões jurídicas e acaba caindo vítima de lobbies e de versões sem nenhum fundamento. Então ficamos assim: a tal liminar de Barroso que determinava que fosse o Congresso, em sessão conjunta — portanto, sob o comando de Renan —, a conduzir a apreciação do relatório do TCU nunca existiu. Ela não determinava coisa nenhuma! Tanto isso é verdade que o recurso de Cunha nem admitido foi porque ele contestava o que o texto de Barroso não afirmava, embora o próprio ministro tenha dado a entender que sim, o que foi reproduzido por seus admiradores na imprensa. Assim, meus caros, a liminar de Barroso é e não é, manda e não manda, determina e não determina. Mas, a exemplo das manifestações transgêneras, originalmente, é alguma coisa, como Laerte — que é homem. E a identidade da tal liminar está agora revelada: a Câmara vai votar o relatório, sob o comando de Eduardo Cunha, como iria acontecer. O ministro só investiu um pouquinho na confusão, como se confusão nos faltasse. A sua liminar andou uns tempos travestida por aí, mas já tirou a maquiagem. É o fim da picada! Por Reinaldo Azevedo
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