Então tá bom! Como José Dirceu é José Dirceu, e como a gente não gosta dele por bons motivos, eu poderia deixar isso pra lá. Mais: como ele é amiguinho de uma corja na Internet que é tarada por mim, eu não faria mal em ignorar a questão também por isso. Mas como seria péssimo que a Operação Lava Jato desse com os burros n’água por excesso de fúria e falta de zelo, então não deixo. Vamos ver.
O empresário Júlio Camargo, da Toyo Setal, é um dos delatores premiados. Já fez confissões do arco da velha. Admitiu, por exemplo, ter pagado suborno de R$ 137 milhões para Fernando Soares, o Fernando Baiano, que seria operador do PMDB, e outros R$ 35 milhões para o petista Renato Duque, então diretor de Serviços da Petrobras.
Nesta terça, ele prestou novo depoimento ao juiz Sergio Moro, aí falando como testemunha numa ação penal que tem como réus o próprio Duque e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT.
Eis que Camargo se lembrou de algo que ainda não havia dito ao Ministério Público, à Polícia Federal ou à Justiça: teria pagado a Dirceu uma propina de R$ 4 milhões em dinheiro vivo. Eu é que não vou negar que isso tenha acontecido, não é? Dirceu e Roberto Podval, seu advogado, que o façam. Podval, aliás, negou.
Mas não é possível que vocês também não se tenham feito esta pergunta: Camargo só se lembrou disso agora? Ele é um delator premiado desde dezembro do ano passado. Só lhe ocorreu contar que pagou a Dirceu a bagatela de R$ 4 milhões em dinheiro vivo sete meses depois?
O meu ponto nem é se ele estava omitindo antes ou mentindo agora. A minha curiosidade é outra: o que mais Camargo sabe e ainda não contou? Se não o fez antes, mas o faz agora, a que conveniência atende? Ele e os demais delatores premiados vão se lembrando das coisas aos poucos? Essa memória seletiva é regulada por qual mecanismo?
Dirceu, que nunca tinha apertado um parafuso e não sabia a diferença entre uma ruela e uma porca até abrir a sua consultoria, virou especialista em tudo: petróleo, telefonia, engenharia, unha encravada, espinhela caída… Recebeu R$ 39 milhões entre 2006 e 2013 por suas consultorias. Antonio Palocci é ainda mais competente do que ele. Os petistas sabem tudo de capitalismo. Nunca antes na história da humanidade ditos militantes socialistas foram tão bons na arte de ganhar dinheiro. Melhor do que eles, só mesmo os comunistas de Angola, país íntimo da petelândia.
Não preciso de ninguém para me ajudar a desconfiar de Dirceu. Mas há, e é meu papel fazer esta advertência, algo de profundamente errado com essas delações premiadas, não é mesmo?
É evidente que bandidos profissionais como esses caras têm muito a contar. Entendo que não dê para fazê-lo num único dia. O detalhamento de uma única operação pode levar horas. Mas sete meses? Eu quero saber é se os delatores premiados estão contando a verdade — e só nesse caso merecem o benefício — ou se viraram colaboradores de um roteiro que vai sendo amarrado aos poucos.
Camargo (ver post anterior) é aquele mesmo que negou que Eduardo Cunha tivesse recebido propina no caso do aluguel de navios-sonda, mas que, depois, teria mudado de ideia… Fico cá a me perguntar que outros fatos ele está a omitir, quais outros vai corrigir, quantos outros ainda vai acrescentar. Mais do que isso: fico cá a me perguntar no interesse de quem ele omite, corrige ou acrescenta.
Qualquer pessoa razoável sabe que um processo de delação premiada não pode ser essa bagunça de versões, todas elas devidamente jogadas no ventilador. Depois essa coisa toda dá em nada, e alguém se lembrará de gritar: “Impunidade!”. Por Reinaldo Azevedo
Um comentário:
Infelizmente apesar de toda sua combatividade, você, Reinaldo, é uma mente protocolar. Você me parece ser daqueles que enquanto a ciência não provar que sapato é sapato, você não o usa. Protocolo não é necessariamente um coadjuvante da justiça. Marco Aurélio Mello soltou o Cacciola porque os documentos que vieram dos EEUU provando a culpa do meliante não eram autenticados, já que lá não há essa burocracia. Juiz, Reinaldo, é árbitro e o árbitro arbitra. A lei é genérica e o arbitro, o juiz, é quem avalia as especificidades de cada caso, arbitrando, em nome da justiça e investido da autoridade que lhe confere a sociedade, o resto, é pura ranhetice da sua cabecinha que está precisando de um expurgo com spray de bom senso e humildade.
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