A Polícia Federal e o Ministério Público Federal descobriram indícios de que um simples pedido de vista de um processo de empresa ou banco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda, poderia ser vendido por R$ 50 mil. Os sinais da negociata foram descobertos nas investigações da chamada Operação Zelotes, que apura fraudes nos processos do Conselho. Por meio do suborno de conselheiros, empresas e bancos conseguiram redução ou até mesmo eliminação de dívidas relacionadas à sonegação de impostos. Entre os investigados estão empresas do Grupo Gerdau e o Banco Safra. Também estão na lista de investigados o ex-secretário da Receita Federal e ex-presidente do Carf, Otacílio Cartaxo, o genro dele, Leonardo Manzan (ex-conselheiro), e o conselheiro Francisco Maurício Rebelo Albuquerque, pai do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), líder do PP na Câmara. O ex-presidente do Carf, Edson Rodrigues, também aparece entre os investigados. Ao todo, um conselheiro e nove ex-conselheiros são suspeitos de envolvimentos com a maior fraude fiscal já descoberta no País. A Polícia e o Ministério Público calculam que o esquema resultou em desvios que podem chegar a R$ 19 bilhões dos cofres públicos. Só em nove processos alguns suspeitos se apropriaram de R$ 5,7 bilhões, a partir da extinção indevida de dívidas fiscais. Só em um dos casos, uma das instituições financeiras investigadas estava tentando comprar redução significativa de uma dívida de aproximadamente R$ 1 bilhão. As tratativas para o suborno só teriam sido interrompidas pela decisão da Polícia Federal de sair a campo e apreender documentos, carros e dinheiro em 41 endereços na quinta-feira. O Carf é um tribunal administrativo que dá a palavra final sobre controvérsias fiscais, especialmente em processos sobre sonegação fiscal. Segundo uma fonte que conhece o caso de perto, uma dívida de R$ 50 milhões poderia ser reduzida para R$ 5 milhões. Bastaria comprar a decisão de conselheiros. Investigadores suspeitam que um dos chefes da organização criminosa era Edson Rodrigues. Pelos indícios recolhidos ao longo da apuração, Rodrigues recebia a pauta de votação do Carf com antecedência e, a partir daí, buscava clientes interessados em reduzir dívidas fiscais. As negociações se davam em várias etapas. Os interessados poderiam comprar o pacote inteiro de uma vez ou em partes. O pedido de vista acertado com antecedência também servia como prova de que o conselheiro estava em sintonia com o encarregado das negociações. As duas partes, conselheiros e empresas, evitavam manter contatos diretos. Parte dos pagamentos era feita em espécie. Outros eram disfarçados em contratos de consultoria ou honorários de advocacia. As investigações começaram ano passado, mas há evidências de que o grupo estava em atuação desde 2005. Investigadores notaram também que algumas negociatas se arrastavam durante anos. Em um dos casos, os suspeitos esperaram o fim do mandato e a troca de conselheiros cúmplices das fraudes para concluir um determinado processo, conforme o interesse da empresa que pagou pelos serviços da organização. "Por isso a briga política para a escolha dos conselheiros", explicou uma das pessoas vinculadas à investigação. Na quinta-feira, a PF aprendeu mais de R$ 2 milhões em endereços dos investigados. Também foram apreendidos 18 carros, 16 deles em Brasília, e três motos. Entre os carros apreendidos estão quatro Mercedes, dois Mitsubishi Lancer e uma caminhonete Porsche Cayenne. As investigações estão sendo conduzidas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Corregedoria do Ministério da Fazenda. O serviço de inteligência da Receita Federal também colaborou com a apuração do caso. Antes das buscas, investigadores chegaram a cogitar a prisão dos principais suspeitos. Mas o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal, entendeu que só a apreensão de documentos seria suficiente para levar adiante a apuração sobre as fraudes no Carf. O tribunal tem 200 conselheiros, divididos em 16 turmas. O tribunal julga mais de mil processos fiscais por ano. Nos próximos dias, a policiais e fiscais da Receita Federal deverão analisar os documentos apreendidos. A partir daí, as investigações poderão ter novos desdobramentos.
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