sábado, 28 de fevereiro de 2015

Sobre a decisão de Zavascki de soltar o petista Renato Duque e manter presos os empreiteiros. Ou: O que dizem as leis e o gosto de cada um. Ou ainda: Quando o aparente rigor pavimenta o caminho da impunidade

Em matéria de Teori Zavascki e Renato Duque, o arquivo informa que este blog expressou o seu estranhamento já no dia 4 de dezembro do ano passado, conforme revelam os posts (link aqui), cujos títulos vão abaixo. Reparem nas datas em que foram escritos. Retomo em seguida.

Zavascki - Duque 2Zavascki - Duque
É evidente que não existe nenhuma razão técnica para Renato Duque, o petistão, estar solto, e os empresários, presos. Aqui, caros leitores, cada um pode expressar um dos seguintes gostos:
a: todo mundo deveria estar preso porque são todos bandidos;
b: todo mundo deveria estar solto porque são todos inocentes;
c: SÓ SE PODE MANDAR PRENDER OU SOLTAR, NO ESTADO DE DIREITO, SEGUNDO A LEI;
d: empreiteiro tem de estar preso porque é culpado, e Duque, solto porque é inocente.
Dado que ainda não houve julgamento, e considerado o estágio da apuração, só há uma alternativa correta. É a “C”, aquela que vai em caixa alta. E já expus os meandros técnicos da coisa no dia 10 de fevereiro. Não me importa se você torce por isso ou por aquilo. Mas me importa que você entenda o que está em curso.
A lei atende a fundamentos, não a vontades individuais e a inclinações pessoais. Um tribunal superior não pode conceder habeas corpus contra decisão de outro tribunal superior. É O QUE ESTÁ NA SÚMULA 691 DO SUPREMO (aqui).Portanto, em princípio, Teori Zavascki não poderia ter concedido habeas corpus a Duque, já que este havia sido negado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ocorre que ministro do Supremo pode, em caso excepcional, afastar uma súmula caso evidencie que há razão para fazê-lo. ATENÇÃO! DE FATO, A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO CONCEDE HABEAS CORPUS SE A ALEGAÇÃO PARA MANTER UMA PRISÃO PREVENTIVA FOR O RISCO DE FUGA. Nem vou entrar no mérito agora para não me alongar demais. O  fato é que, ao soltar Duque, Zavascki estava, sim, atuando de acordo com a jurisprudência do tribunal — da qual se pode gostar ou não. Já havia uma penca de decisões anteriores idênticas. Por essa razão, na turma, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes seguiram o voto de Zavascki quando foi negado o segundo pedido para a sua prisão preventiva.
Reitero: todos temos o direito — e, às vezes, o dever — de achar as leis uma porcaria e de não gostar da jurisprudência. Mas ministros do Supremo estão obrigados a segui-la. A minha explicação não é nova, não é de ocasião. Foi dada, reitero, no dia 10 de fevereiro.
Os empreiteiros
De fato, o único motivo alegado pelo Ministério Público para pedir a prisão preventiva de Duque era o risco de fuga. Que sorte a dele, não é mesmo? Os doutores que acompanham o caso não avaliaram que ele pudesse representar algum risco. Já quanto aos empreiteiros…
E agora chegamos ao busílis. A gente pode defender que merecem ser presas as pessoas que achamos culpadas, feias, bobas ou que misturam camarão com Catupiry. Ter o desejo de prender aqueles de quem não gostamos é um direito democrático — desde que você alimente secretamente suas vontades. O fato é que as pessoas devem estar presas ou soltas segundo a lei.  E há uma lei  que define as circunstâncias da prisão preventiva: o Artigo 312 do Código de Processo Penal, que diz (em azul):
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
De novo: a gente tem todo o direito de não gostar da lei e de achar que ela existe só para proteger os poderosos; que é a mais perfeita expressão da luta de classes; que está aí para garantir que os tubarões comam os peixes pequenos etc. E a democracia nos faculta ainda lutar para mudá-la. Agora, o que não se pode fazer é ignorar a sua existência para praticar justiça com as próprias mãos — ou com o próprio teclado. Ou, ainda, com a própria toga. Tanto pior se a interpretação exótica acaba beneficiando alguns larápios. Vamos lá.
Advogados minimamente informados — de esquerda, centro, direta ou de nada; petista, tucano, peemedebista ou vegetariano; católico, evangélico, ateu ou corintiano; mangeirense, portelense ou doente do pé — sabem que não existem mais motivos para manter a prisão preventiva dos empreiteiros. Basta ler a lei. Mas é preciso saber ler o que está escrito. Atenção! Estamos cuidando aqui também da gramática, não só do direito. Aquele “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” É A CIRCUNSTÂNCIA ADVERBIAL, É A CONDIÇÃO, PARA SE MANTER A PRISÃO PREVENTIVA SE OS ACUSADOS (AGORA RÉUS) ESTIVEREM AMEAÇANDO
a: a ordem pública; pergunta-se: eles estão?;
b: a ordem econômica; pergunta-se: eles estão?;
OU, AINDA, SE, UMA VEZ SOLTOS, ELES:
c: criarem inconveniências para a instrução penal;
d: ameaçarem a aplicação da lei.
Reitero: a prova da existência do crime e o indício suficiente de autoria são condicionantes da manutenção da prisão preventiva naquelas quatro hipóteses. Ocorre que os empreiteiros, hoje, já não podem fazer mais nada contra o processo em curso, dentro ou fora da cadeia.  “Ah, mas eu quero que fiquem presos…” Ok. Quereres são quereres. Eu, aqui, sempre quis que se cumpra a lei.
A prisão ajuda a elucidar o caso?A prisão preventiva dos empreiteiros ajuda a elucidar o caso? Não! Contribui para confundir para criar uma distorção maligna do que está em curso. Vejam o caso de Ricardo Pessoa, da UTC. Ele quer fazer delação premiada e contar o que sabe. Mas a ele foi imposta uma condição: ou admite a formação de cartel — uma tese, lamento!, furada —, ou nada feito. Nesse caso, a prisão preventiva está a serviço de uma tese, não a serviço da verdade. E que fique claro: quando contesto o cartel, não estou livrando a cara de ninguém, não. Acho que as empreiteiras cometeram crimes mais graves.
No dia 2 deste fevereiro, escrevi aqui um post cujo título era este: “Afinal, os empreiteiros corromperam os políticos, ou os políticos corromperam os empreiteiros? Ou ainda: Juiz Sérgio Moro tem de tomar cuidado para não aliviar a carga do ombro dos companheiros”.
Moro - nomes dos políticos
A pergunta é uma ironia para minimamente esclarecidos. É claro que se trata de uma “relação”, não é mesmo? Já a advertência a/sobre Moro se explicava assim:
Moro nomes dos políticos 2
Inexistem “crimes de empreiteiros” descolados dos crimes políticos. É uma piada macabra eles todos já serem réus, e os políticos arcarem, dentro de alguns dias, com simples pedidos de abertura de inquérito. A separação de foros entre quem exerce e não exerce mandato concorre para que se descaracterize a verdadeira natureza do jogo, de sorte que aquilo que está sendo vendido como rigor extremo pavimenta — e pouco importa se isso é voluntário ou não — o caminho da impunidade dos que realmente tinham o controle da bandalheira. E ERAM OS POLÍTICOS, o que não quer dizer — e só um imbecil de má-fé sugeriria que eu disse o contrário — que os empreiteiros não tenham cometido crimes.
Você que está aí do outro lado pode tirar cópia do texto, guardá-lo aí no seu celular. Converse com os advogados e juristas da sua preferência, pouco importa a tendência. E verá que aqui se fala de política, sim, mas também de lei e de estado de direito. Fora deles, só temos danação, nunca salvação.
Os ministros do Supremo tinham, sim, razões, assentadas na jurisprudência, para soltar Renato Duque — ainda que eu gostasse, e eu gostaria, que ele estivesse na cadeia. O que não existe mais é razão para manter os empreiteiros na cadeia, ainda que eu goste, e eu gosto, que eles estejam presos. É chato, mas é assim: as leis e o Estado de direito não existem para atender ao meu gosto ou mesmo ao gosto de muitos milhões. Fiquem atentos. O jogo é bem mais complexo do que parece. 
Por Reinaldo Azevedo

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