terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Mercado começa a precificar fragilidade política do governo


O mercado financeiro avalia o Brasil sob diversas óticas. As principais são os fundamentos econômicos, como a inflação e as contas públicas, os aspectos regulatórios, que envolvem as votações no Congresso Nacional, e a situação política. Este terceiro era o grande diferencial entre o Brasil e a maior parte dos países emergentes. A democracia brasileira era vista como mais sólida que a de muitas nações poderosas, como China, Índia e Rússia. Essa característica fazia com que os investidores desconsiderassem, de certa forma, pontos negativos, como a enorme burocracia, na hora de aportar seus recursos por aqui. As coisas, no entanto, começaram a mudar. Análises recentes feitas por consultorias e bancos de investimento começam a precificar o que, no jargão dos analistas de mercado, é chamado de 'risco político'. Essa avaliação leva em conta, inclusive, a possibilidade, ainda que remota, de impeachment da presidente Dilma. Na última semana, a consultoria Eurasia publicou um relatório em que revisa para baixo suas perspectivas para a economia brasileira. O curioso é que o documento passa a considerar probabilidade de impeachment da presidente. Segundo a Eurasia, o risco está em 20%, o que é considerado baixo. O problema é que pela primeira vez os cálculos da consultoria passam a levar em conta esse tipo de hipótese. "A grande lição do segundo mandato de Dilma Rousseff é a piora das condições econômicas e políticas. As medidas adotadas terão de ser mais construtivas. E esse processo deve ser mais complicado e permeado de riscos do que se antecipava meses atrás", afirmam os economistas Chris Garman, João Augusto de Castro Neves e Cameron Combs, em relatório. O cenário político vinha sendo acompanhado com atenção pelas principais consultorias econômicas do mundo desde que teve início o pleito eleitoral, em 2014. Cenários eram traçados para a hipótese de vitória de Dilma, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), e o mercado costumava oscilar ao sabor das pesquisas de voto. Sempre que a presidente petista melhorava nas sondagens, a Bolsa de Valores despencava, num recado claro de que os investidores pediam mudança. Tal volatilidade fez com que a Bovespa se tornasse palco de especulação financeira, que não se arrefeceu conforme o pleito foi decidido. Parte da volatilidade atual se deve, em especial, às ações da Petrobras, que têm o maior peso no Ibovespa, e é alvo de uma série de acusações depois que seus ex-diretores foram envolvidos na Operação Lava Jato. A diferença, agora, é que o mercado começa a vislumbrar a possibilidade (remota) de a presidente ser tirada do cargo pelo Congresso Nacional. O jornal Financial Times afirmou, em reportagem, que parte da forte valorização do dólar ante o real, que se viu na última semana (a moeda chegou perto de 2,90 reais), se deve ao fato de os investidores começarem a precificar o risco de impeachment. "Esse risco é baixo, mas pode aumentar. Há ainda os problemas na Petrobras e as tensões no Congresso que podem colocar em xeque a maior parte das reformas que precisam ser feitas na economia", afirma Robert Wood, da Economist Intelligence Unit (EIU). A presidente Dilma precisará de apoio no Congresso para conseguir aprovar as medidas de ajuste fiscal e o aperto das regras trabalhistas que permitam que o governo economize cerca de 66 bilhões de reais este ano para cumprir a meta fiscal. O novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), desafeto de Dilma, já sinalizou que vai se mobilizar para vetar as perdas de conquistas trabalhistas. Diante da escandalosa mobilização do Palácio do Planalto para minar sua eleição, ganhar o apoio do parlamentar para aprovar medidas impopulares implicará em melhora drástica da articulação política — mudança que, até o momento, não é perceptível. "A dificuldade que o governo terá em conseguir apoio assusta o investidor porque ele vê sinais fracos de mudança na parte fiscal. Além disso, temos a expectativa de crescimento baixo no Brasil. É uma combinação bem adversa", afirma Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências. Ainda que a instabilidade política tenha entrado de vez no radar do mercado, o País está longe de ser colocado no mesmo grupo que Venezuela e Argentina. "O problema é que nos distanciamos cada vez mais de Peru e Colômbia", afirma Sérgio Vale, da MB Associados. Diz o economista que, nos tempos do ex-presidente Lula, o mercado entendeu que o comportamento da esquerda no governo seria racional. "A esquerda que veio na sequência na figura da presidente Dilma foi para o lado oposto. Hoje, temos um Frankenstein econômico. A presidente parece ainda não se decidir sobre o que quer fazer em momentos de crise como esse, como souberam Fernando Henrique Cardoso em 99 e Lula em 2003", afirma.

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